A politização e a mercantilização da saúde na cultura ocidental está levando ao que os especialistas chamam de "saudismo" - uma ideia imperativa de comportamento, uma quase obsessão com a autopreservação.
Este modo de encarar o bem-estar, além de criticar tudo o que não se enquadra em normas glamourosas de um corpo bonito, jovem e magro, preconiza uma modalidade de "medicina preventiva" que pouco tem a ver com benefícios reais para as pessoas.
Os alertas são da Dra Evgenia Golman e seus colegas da Universidade Nacional de Pesquisas da Rússia, em um artigo publicado no Journal of Social Policy Studies.
Síndrome de Angelina Jolie
Em suas formas extremas, o saudismo se aproxima da eugenia, diz a pesquisadora, referindo-se à busca por uma hereditariedade "correta". Mas até mesmo preocupações simples sobre os padrões de condição física podem provocar comportamentos de "hipercorreção", ou seja, exageros na busca por ficar bem.
O que pesquisadora chama de "Síndrome de Angelina Jolie" tem sido frequente na mídia, o que implica uma maior atenção para a probabilidade - o "risco" - de doenças perigosas.
Isto leva a um acompanhamento vigilante da saúde, no lado benéfico, mas também leva ao extremo, com tentativas de impedir até mesmo doenças hipotéticas, o que inclui cirurgias em um corpo saudável. O famoso caso da atriz, que passou por uma mastectomia preventiva, é sintomático dessa obsessão e se encaixa no conceito de saudismo, diz Golman.
Assim, prossegue a pesquisadora, a história de Angelina Jolie é uma manifestação extrema de uma "nova compreensão da saúde", que inclui o boom nas dietas, academias, cirurgias plásticas e até aplicativos de celular para a vigilância da saúde. Esse "culto ao corpo" é amplamente apoiado pela mídia e por todos os negócios que passam a viver dessa busca, incluindo até mesmo funcionários dos órgãos de saúde em muitos países.
Prevenção de doenças hipotéticas
Para a pesquisadora, em muitos países a política pública de saúde desloca a responsabilidade pela saúde das instituições para os indivíduos, e desloca o foco do tratamento para a prevenção, incluindo a prevenção de patologias até mesmo puramente hipotéticas.
A medicina preventiva, sem dúvida, ajuda a prevenir muitas doenças e pode economizar uma grande quantidade de recursos para as famílias e o Estado, ressalta Golman. Mas se o cálculo de risco das doenças e a idealização da beleza e de padrões do corpo são compreendidos de forma inadequada, de uma forma puramente comercial, isso pode levar à neurose de massa e a uma obsessão social.
Nova genética e eugenia
É nesse ponto que a pesquisadora alerta que o saudismo pode se aproximar ainda mais da tão temida e banida eugenia, a busca por raças mais saudáveis, como no caso da eugenia nazista, que proclamava a superioridade da raça ariana, e hoje aponta para a manipulação genética em busca de "bebês saudáveis".
As semelhanças entre a "nova consciência de saúde" e a eugenia pode ser vista de forma particularmente clara, diz Golman, nas questões éticas da "nova genética", especialmente relacionadas com manipulações de embriões humanos. Para ela, o diagnóstico de doenças genéticas em embriões apenas aumenta a probabilidade de aborto.
"O problema é que a medicina está sob a ameaça de mudar seu foco de um 'papel terapêutico' para eliminar o que ela não consegue curar," diz a pesquisadora, citando David Le Breton, um sociólogo e antropólogo francês que tem criticado essa "nova genética".
O desenvolvimento da "nova genética" também abre a possibilidade da manipulação de "maus genes" responsáveis por determinadas doenças, prometendo excluí-los do DNA no futuro, diz a Dra Evgenia Golman.
Sabedoria social
A equipe conclui que é necessário incorporar uma "sabedoria social" ao discurso de saúde, sendo necessário estudar os efeitos controversos de tais ideias e promessas, destacando-se o elevado risco de que a propaganda de um "estilo de vida saudável" influencie negativamente os grupos demográficos socialmente mais vulneráveis, que passarão a ser discriminados por não se adequar ao novo modismo.
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