“Velho Chico” está vazio. No Amapá, pororoca não existe mais. Em Minas,
1200 pequenos rios foram eliminados. Decadência coincide com expansão da
monocultura, mas lucros calam as críticas.
Por Roberto Malvezzi*
O fenômeno da Pororoca, mundialmente conhecido, já não existe mais, no
rio onde mais atraíam os olhos do mundo. Você sabia disso? As águas do
Araguari, no Amapá — onde havia campeonatos de surf — já não têm forças
para chegar à foz e sofrer a força reversa das águas, o que gerava as
ondas. Construíram barragens em seu leito para gerar energia, que vem
para o sul do país, além de pisotear suas margens com manadas de
búfalos.
As águas do Araguaia estão cada vez mais escassas. Muitos de seus afluentes, antes perenes, agora também são intermitentes.
O São Francisco agora terá uma vazão de apenas 700 m3/s. Um rio que,
segundo o discurso oficial do antigo governo federal, tinha uma vazão
“firme” de 1800 m3/s a partir de Sobradinho. E olha que a transposição
sequer começou. Onde Domingos Montagner morreu, na verdade, o que existe
é um fiapo de água, em comparação com o que era o Cânion do São
Francisco.
O mais emblemático, sem dúvida, é o rio Doce. A tragédia da Samarco não
tem precedentes em território nacional, mas está sendo tratada como algo
secundário e como se fosse apenas um acidente de percurso.
Se falarmos, então, da qualidade de nossas águas, teremos que lembrar do
Tietê e do Pinheiros, a cara, a cor e o cheiro do desenvolvimento de
São Paulo.
O que acontece não é fruto apenas de como se trata as calhas principais
de nossos rios, mas de todo o desmatamento do território dessas bacias. A
destruição do Cerrado – reconhecimento rotineiro nos meios científicos e
socioambientais – levará consigo os rios que dependem do bioma. Já em
2004 tínhamos a informação que, apenas no Norte de Minas, cerca de 1200
rios menores tinham sido eliminados. Sem o Cerrado, nos dizem os
cientistas, não haverá São Francisco, Araguaia e tantos rios que
dependem dos aquíferos do Planalto Central. A criação do Matopiba –
território do agronegócio no Cerrado – levará às profundezas esse modelo
predador do bioma.
A curva de decadência de nossos rios coincide exatamente com a expansão
das monoculturas, seja de grãos, de gado, ou outra qualquer. É só
comparar os gráficos a partir da década de 1970.
Assim, nesse dia de São Francisco, como os profetas dos tempos antigos,
que amaldiçoavam o dia em que tinham nascido, não nos cansamos de trazer
más notícias, ainda que sejam em forma de denúncia (Jeremias 20,14-18).
Toda classe política, todo mundo econômico – exceções de sempre – está
alguns anos-luz distante de enxergar o país por esse ângulo. Então,
prosseguimos em linha reta rumo ao abismo.
Fonte: Envolverde
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