- quarta-feira, 15 março 2017 23:02
Uma equipe internacional de cientistas liderada pelo australiano Terry Hughes, da Universidade James Cook, fez um amplo inventário da tragédia. Usando imagens de avião e amostragens submarinas, eles analisaram 1.156 recifes distribuídos ao longo da Grande Barreira – uma área de mais de 340 mil quilômetros quadrados, mais ou menos equivalente ao território de Mato Grosso do Sul esticado ao longo de 2.300 quilômetros de costa.
A contagem revelou que apenas 8,9% dos recifes analisados não sofreram branqueamento nenhum em 2015 e 2016, anos em que a pandemia se instalou e atingiu seu pico. Esses recifes ficam na parte sul da Grande Barreira, onde tufões ajudaram a quebrar o aquecimento acachapante da água do mar australiano – em alguns lugares, a temperatura da água ficou 8oC mais alta que a média. O número de recifes que tiveram 60% ou mais de seus corais branqueados foi quatro vezes maior do que nas pandemias anteriores.
O branqueamento ocorre quando algum estresse, normalmente térmico, faz um coral expulsar as algas microscópicas que vivem em simbiose com ele. Essas algas, chamadas zooxantelas, são a principal fonte de alimento do coral e lhe dão cor. Quando o mar esquenta demais, elas vão embora. O coral passa fome e fica mais suscetível a doenças. Em muitos casos ele morre.
Desde que a síndrome foi descoberta, nos anos 1980, apenas três episódios globais de branqueamento ocorreram: em 1998 (um ano de forte El Niño), em 2002 e em 2015/16. O grupo de Hughes comparou o número de recifes afetados nos três episódios e confirmou o que todos já sabiam: a pandemia do ano passado foi, de longe, a pior da história. Em 1998, 42% dos corais australianos escaparam ilesos; em 2002, 45%.
O episódio é uma realização chocante do prognóstico feito dez anos atrás pelo IPCC, o painel do clima da ONU. Em seu quarto relatório de avaliação, o comitê previa que o aquecimento global causaria “mortandade disseminada de corais” na Austrália “em 2020”. Um relatório publicado nesta semana pelas ONGs Earth Justice e Environmental Justice Australia afirma que 22% dos corais australianos morreram. No ano passado, mergulhadores relataram ao jornal britânico The Guardian a experiência de sair da água impregnados com o mau cheiro de milhões de animais em decomposição.
O estudo de Hughes e colegas chama atenção para um aspecto particularmente dramático da última pandemia: não importa se os corais estavam em áreas livres de poluição ou sem pressão de pesca, eles branquearam do mesmo jeito.
O relatório das ONGs reforça a necessidade de aumentar a proteção da Grande Barreira, hoje inscrita como sítio do patrimônio natural da Unesco, pedindo que ela seja listada como sítio de patrimônio ameaçado e que todos os projetos de infraestrutura que aumentem a pressão sobre os recifes sejam cancelados.
A nova pesquisa dá a entender que tais esforços para evitar estresses não-climáticos são fúteis. Se eventos de aquecimento extremo do mar ficarem mais frequentes, com menos tempo para os corais se recuperarem – como prevê o IPCC –, nem toda a proteção do mundo poderá proteger a Grande Barreira. “Assegurar um futuro para os recifes de coral, em última análise, exige ação urgente e rápida para reduzir o aquecimento global”, escrevem os cientistas.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.
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