Depois da água e do solo, os rejeitos de minérios também atingem a fauna: pesquisa inédita aponta que os girinos estão acumulando metais pesados em seus organismos, podendo afetar a cadeia alimentar 

  Sapos e rãs são animais incríveis: sua fase inicial de vida é aquática, como girinos, e terrestre, quando adultos. Como suas peles permeáveis são extremamente sensíveis às condições do meio em que vivem, eles funcionam como indicadores da qualidade ambiental do local. É por isso que, após o desastre da mineradora Samarco, pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) coletaram girinos do Rio Doce como forma de avaliar o impacto na região. O que eles constataram é muito triste.

Os girinos estão absorvendo e concentrando em seus organismos altos níveis de metais pesados como Ferro, Bário, Cádmio, Manganês, Zinco, Níquel, Cromo, Alumínio, Cobre e Titânio. Quanto maior a concentração de metais na água, maior a quantidade de metal bioconcentrados nos tecidos dos girinos. Isso se mantém durante a vida adulta, quando se transformam em sapos ou rãs.

Devido a esse alto potencial acumulador, os pesquisadores alertam que a tendência é essa contaminação alcançar outros animais na cadeia alimentar. “Os resultados sugerem o comprometimento de uma parcela significativa da comunidade faunística silvestre da região”, alertam, no relatório “Girinos como bioindicadores da qualidade da água do Rio Doce. Para os humanos, considerando que ele está inserido nessa cadeia alimentar, o risco não pode ser descartado. "O problema da contaminação por metais pesados é que eles vão se acumulando no organismo e se manifestam por meio de doenças em longo prazo - 15 a 20 anos depois", diz Fabiana Alves, da campanha de Água do Greenpeace.

Com o uso de peneiras, foram coletados 1500 girinos em 25 pontos, alguns livres de contaminação e outros que tiveram contato direto com a lama. Foto: Josimar Mendes
  Mesmo os pontos em que o rejeito da barragem não passou também apresentaram girinos contaminados. “Isso pode ser explicado pela contaminação através do lençol freático. Após um pouco mais de um ano, quando foram feitas as coletas deste trabalho, a contaminação pode ter expandido além dos limites da lama”, relatam os pesquisadores. Eles destacam que, diferentemente do que estipulava o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) da empresa, o estrago foi muito além das áreas de influência previstas tecnicamente. Foram mais de 600 km de desastre até a foz.

Os pesquisadores avaliaram temperatura, pH, oxigênio dissolvido e outros aspectos da água e dos sedimentos em cada ponto de coleta das amostras – Foto: Josemar Mendes
  Segundo a coordenadora da pesquisa, a doutora em Zoologia e professora de Biologia da UEFS Flora Acuña Juncá, não há dúvidas de que o Ferro absorvido pelos girinos seja produto do desastre, ainda que o mineral seja abundante na região. “O Ferro compõe as rochas e para ficar disponível no meio ambiente é necessário o processamento desse minério. A liberação de concentrações nessa magnitude só é possível em caso de contaminação pontual, proveniente de descarte do resíduo sem nenhum tratamento. Mesmo com o histórico de mineração na área e possíveis contaminações em menor escala no passado, o Ferro não permaneceria disponível para contaminar os girinos da maneira registrada por nós”, explica.
Ela ressalta ainda que as amostras de sedimentos e de girinos provenientes de todos os pontos apresentaram altos níveis de vários metais, e não apenas para Ferro.
 
Por sua pele sensível, os girinos absorvem os contaminantes químicos em seu organismo que, em altas concentrações, podem causar deformidades. E esse processo se mantém na fase adulta, podendo atingir os animais que se alimentam deles. Foto: Kenia Moreira
  Menos diversidade
O Ibama registra na região 28 espécies de anuros de sete famílias. Com peneiras de 20 cm e 50 cm, os pesquisadores coletaram 1.500 girinos de 24 espécies em 14 pontos amostrais de seis municípios no Espírito Santo e 12 pontos em Aimorés e Mariana, em Minas Gerais, nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2016. O número de espécies em cada ponto variou de um a sete. O que se observou foi que aqueles pontos contaminados pela lama tiveram uma diversidade menor de espécies.
“Todas as poças sem contato direto com o rejeito apresentaram girinos de Elachistocleis cesarii, indicando que o período de coleta foi mais ou menos coincidente com período reprodutivo da espécie. Nenhuma poça que teve contato direto com o rejeito, entretanto, mostrou a presença de girinos desta espécie”, relata a pesquisa.

Sapinho adulto da espécie Boana crepitans, da Mata Atlântica: áreas atingidas pela lama apresentaram menor diversidade de espécies. Foto: Italo Moreira
  A pesquisa “Girinos como bioindicadores da qualidade da água do Rio Doce” faz parte de uma série de seis estudos independentes financiados com recursos arrecadados em shows beneficentes pelo projeto coletivo Rio de Gente.


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