segunda-feira, 24 de julho de 2017
Resistência depende de mobilização do movimento indígena e da sociedade. Antropólogos têm um papel fundamental nesse esforço
Por Patricia Mariuzzo – Jornal da Ciência/SBPC
Letícia Pataxó tem 21 anos e vive em uma das aldeias da Terra Indígena
Comexatibá, município de Prado, no Sul da Bahia. No começo dos anos
2000, um grupo de funcionários da Funai iniciou os estudos de
identificação do território dessa comunidade onde vivem mais de 700
indígenas. Mais de 10 anos o processo de reconhecimento oficial ainda
está na segunda etapa, o que significa que o território está
“identificado”.
Atualmente, as Terras Indígenas a serem
administrativamente demarcadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
devem seguir os procedimentos dispostos no Decreto 1775/1996. As fases
do processo de reconhecimento são: 1. estudos de identificação; 2.
aprovação da Funai; 3. contestações; 4. declaração dos limites; 5.
demarcação física; 6. homologação e 7. registro.
Presente na plateia da
mesa “Direitos territoriais dos povos indígenas: avanços e retrocessos
em perspectiva antropológica”, parte da programação da SBPC Indígena,
Letícia contou que após a conclusão dos estudos de identificação o grupo
foi esquecido: “Ninguém mais apareceu lá”. Aparentemente o processo
está parado”, disse. Esse é um dos vários exemplos de retrocessos na
proteção e demarcação das terras indígenas no Brasil nos últimos anos,
situação agravada pela crise política e econômica.
“Uma série de ações desse governo rompeu com uma política que estava
vigorando há pelo menos 14 anos, fortalecendo setores ligados ao
agronegócio e flexibilizando direitos territoriais indígenas”, afirmou
Ricardo Verdum, professor do Departamento de Antropologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Comissão
de Assuntos Indígenas (CAI) da Associação Brasileira de Antropologia
(ABA). São exemplos a aprovação da PEC 215, que retira do Executivo a
exclusividade de demarcar terras indígenas e a instituição de Comissão
Parlamentar de Inquérito com o objetivo de “investigar” a atuação da
Fundação Nacional do Índio (Funai) no processo de reconhecimento de
direitos territoriais de povos indígenas.
“O que estamos vendo é um novo ‘velho indigenismo’ ganhando força para
emplacar empreendimentos de grande impacto ambiental, como hidrovias e
rodovias, com intuito de escoar produção agrícola e da mineração e de
explorar os recursos naturais presentes nos territórios indígenas”,
afirmou o professor para uma plateia lotada.
Esses projetos visam, por
exemplo, a ampliação da infraestrutura logística do chamado Arco Norte,
região que compreende os estados de Rondônia, Amazonas, Amapá, Pará e
segue até o Maranhão, para escoar produtos como soja, milho, bauxita,
alumínio, minério de ferro e manganês. “Vivemos um momento em que a
manutenção dos direitos das comunidades indígenas está claramente
ameaçada e isso, aliado à restrição orçamentária, cria um cenário
fortemente propício ao acirramento de conflitos”, afirmou Verdum.
Já o professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG,
Ruben Caixeta de Queiroz, que compôs a mesa de debates, destacou a
possibilidade de paralisação dos processos de demarcação de terras
indígenas, especialmente fora da Amazônia, como foi mencionado pela
estudante Letícia Pataxó.
“A despeito do que tivemos no período
pós-Constituição de 1988, ainda há um longo caminho a percorrer. Os
territórios ainda não demarcados estão na mira de grandes
empreendimentos e de projetos de arrendamento de terra para uso para
lavoura e mineração”, disse. Segundo ele informou, boa parte das terras
indígenas fora da Amazônia Legal não estão regulamentadas. “Se na
Amazônia Legal o esforço é para proteger o que está demarcado, no resto
do País o desafio é demarcar”, completou.
Qual o papel dos antropólogos diante dessas ameaças e demandas? Essa foi
uma das perguntas que guiou a fala do professor da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) e consultor do Ministério Público Federal e da Funai,
Fábio Mura, que coordenou a mesa. Para ele, é fundamental que a análise
antropológica presente em todos os processos de demarcação de Terras
Indígenas possa se descolar dos processos administrativos e informar o
público sobre as conclusões dos seus estudos. “O que gera insegurança – e
violência – é o desconhecimento.
Quando a sociedade não é bem informada
sobre como se dão os processos de demarcação cria-se terreno fértil
para ruralistas afirmarem absurdos como, por exemplo, que os territórios
indígenas vão abarcar cidades inteiras”. A luta pelos territórios
indígenas passa, portanto, por uma melhor comunicação com a sociedade.
Fonte: EcoDebate
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