quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Folha de S. Paulo - Discurso de Temer na ONU prejudica a credibilidade do Brasil/ Coluna/ Laura Carvalho

21/09/2017  02h00

Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU na terça-feira (19), o presidente Michel Temer dedicou-se a garantir um lugar para o Brasil na acirrada concorrência global pela propagação de notícias falsas. Já não era sem tempo. A maestria com que essa atividade vem sendo desempenhada em território nacional rivaliza com o domínio que o presidente dos EUA, Donald Trump, vem demonstrando nessa área.

Além de afirmar que "está resgatando o equilíbrio fiscal", ignorando as sucessivas frustrações de arrecadação que adiaram para 2022 a previsão de superavit primário, Temer afirmou —pasmem— que seu governo vem concentrando "atenção e recursos" à preservação da Amazônia.

"Pois trago a boa notícia de que os primeiros dados disponíveis para o último ano já indicam diminuição de mais de 20% do desmatamento naquela região. Retomamos o bom caminho e nesse caminho persistiremos", completou.


O trecho do discurso gerou alertas em diversas agências de checagem de fatos, já que o presidente utilizou-se de dados extraoficiais do Imazon, em vez de ater-se, como sempre fizeram os governos anteriores, aos dados divulgados pelo Prodes –projeto vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que, desde 1988, fornece os dados oficiais de desmatamento da Amazônia.


Os dados do Prodes, que são obtidos por meio de imagens de satélite de qualidade muito superior aos utilizados pelo Imazon, ainda não estão disponíveis para 2017. Em 2016, a área desmatada cresceu 27%, o que significa uma perda de 7.893 km² de área verde na Amazônia Legal ante 6.207 km² em 2015.


Ainda que a tendência de queda no desmatamento captada pelo Imazon entre julho de 2016 e agosto 2017 seja confirmada pelos dados oficiais, a área verde perdida ainda ficaria muito acima da meta que o Brasil apresentou no acordo do clima ou mesmo do desmatamento observado no ano de 2012, que foi de 4.571 km².


Mas a comemoração feita com base em dados extraoficiais após dois anos consecutivos de alta no desmatamento —que levaram ao anúncio em junho de uma redução pela metade no repasse de recursos da Noruega ao Fundo Amazônia— não foi o único fator a provocar reações.


Michel Temer foi ainda mais ousado quando atribuiu essa suposta queda no desmatamento à prioridade conferida ao problema por seu governo.


Além da grande repercussão da tentativa recente de autorizar por decreto a realização de atividades de mineração em uma área de reserva ambiental de 46 mil km² na Amazônia, já está claro o papel crucial desempenhado pela bancada ruralista no Congresso em meio ao processo de impeachment que levou Temer ao poder, bem como na rejeição às denúncias de corrupção que envolvem o presidente. Tal dependência não viria sem custos.


Como se não bastasse, os cortes no Orçamento também vêm afetando a capacidade de atuação dos órgãos de fiscalização ambiental e da Funai. Em meio a massacres de povos indígenas e à perda iminente de mais áreas de floresta, o discurso proferido na ONU parece ter prejudicado ainda mais a credibilidade do Brasil em todo o mundo.

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