ANA CAROLINA AMARAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BONN (ALEMANHA)
Dono da maior floresta tropical do mundo, movido a hidrelétricas e ainda um país em desenvolvimento, o Brasil não tem inimigos nas negociações climáticas da ONU. Seu time de diplomatas é elogiado por todas as delegações pela atuação propositiva e conciliadora.
Da porta de casa para dentro, no entanto, a soma de decisões recentes do governo federal e projetos de lei que tramitam pelo Congresso resulta num saldo preocupante para a delegação brasileira na COP–23 do Clima, que abarca membros do Executivo, parlamentares, empresas e ONGs.
A percepção dos atores ouvidos pela reportagem é que o país, mais do que estar longe das suas metas climáticas, caminha na direção oposta a elas.
"Para cumprir sua meta climática, o Brasil precisa primeiro parar de retroceder no tempo", afirma Carlos Rittl, secretário–executivo do Observatório do Clima, ONG que reúne 35 organizações ligadas a questões do clima.
Ele cita uma série de projetos que tramitam pelo Congresso com mensagem contrária ao Acordo de Paris, como a apelidada "Lei da Grilagem" (lei 13.465/2017), que anistia invasões de terras públicas feitas entre 2004 e 2011 e o projeto de lei do Jamanxim (PL 8107/17), que visa a entregar 350 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, a ocupantes que, em sua maioria, chegaram ao local após a criação da área protegida.
As decisões do governo também preocupam o grupo, como o corte pela metade no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que desde o ano passado depende do Fundo Amazônia para manter as fiscalizações do Ibama.
MP DO TRILHÃO
A mais recente delas pegou toda a delegação brasileira de surpresa: a MP 795, apelidada de MP do Trilhão, abre mão da arrecadação de impostos que podem chegar em R$ 1 trilhão até 2040 como incentivo a empresas interessadas na exploração de petróleo e gás a partir das reservas do pré–sal.
"A gente está andando na contramão da nossa história e da história das negociações climáticas", aponta Rittl.
Para além das contradições com as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa, "a isenção às petrolíferas também não condiz com o maior apelo fiscal da história feito pelo governo com o teto dos gastos públicos", lembra o senador Jorge Viana (PT–AC). Para ele, neste momento "a maior ameaça às metas climáticas no país não é nenhum do setor da economia, é a política brasileira".
Nesta segunda, o ministro do Meio Ambiente Sarney Filho e um grupo de parlamentares que acompanha a COP decidiram em reunião trabalhar pela obstrução da MP 795 no Congresso. Como o projeto tramitou "às escondidas" por pelo menos dois meses entre Palácio do Governo e Câmara, o processo foi lento e deve expirar em 15 de dezembro.
O grupo de parlamentares na COP–23 conta com os feriados e a aproximação do recesso para que a MP não cumpra os prazos regimentais do Congresso.
METAS BRASILEIRAS
As metas enviadas pelo Brasil ao Acordo de Paris prometem reduzir as emissões de carbono em 37% (com relação a 2005) até 2025 e em 43% até 2030, com previsão de medidas em todos os setores da economia: do combate ao desmate ilegal, que deve ser zerado até 2030, até uma expansão de fontes renováveis como a solar e a eólica na matriz energética.
Marcelo Furtado, facilitador de um grupo de mais de 160 organizações –a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura–, aposta no potencial de medidas como o Cadastro Ambiental Rural, que mapeia os limites das propriedades e, assim, permitiria identificar desmatadores ilegais.
De acordo com ele, o cumprimento das metas climáticas brasileiras depende do fortalecimento dos marcos regulatórios. "O Brasil precisa mostrar que aqui se cumpre a lei; quem se esforça para estar dentro da lei não pode ser tratado igual ou pior do que quem trabalha na ilegalidade", aponta.
Da porta para fora, o negociador–chefe do Brasil na COP–23, embaixador Antônio Marcondes, exige que os países desenvolvidos cumpram seus compromissos com o Protocolo de Kyoto, estendido até 2020. E sopra da porta para dentro, em reunião da delegação brasileira, "apelo para que o Congresso também ratifique [a extensão do acordo], para que a gente possa avançar na ambição das metas climáticas".
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