sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Valor Econômico – Os embaixadores do baixo carbono

Valor Econômico – Os embaixadores do baixo carbono


Por Celia Rosemblum | De Copenhague

O esforço para transformar Copenhague na primeira capital neutra em carbono no mundo até 2025 é concreto e aparente. Grades de proteção, tapumes, pequenas e grandes máquinas se espalham pelas ruas próximas à prefeitura, no centro. O metrô está em processo de ampliação e as ciclovias serão alargadas. Na área do porto, que passa por uma revitalização, novos prédios eficientes em energia dividem espaço com edifícios em construção. Obras para tornar a cidade menos vulnerável ao aumento de chuvas torrenciais e do nível do mar, consequências das mudanças climáticas que devem se acentuar segundo prevê o governo local, ajudam a compor o cenário.


Estratégico para reduzir o impacto do aquecimento global, o caminho para zerar as emissões de CO2, diz Morten Kabell, prefeito para assuntos técnicos e ambientais da capital dinamarquesa, é claro: "Infraestrutura, infraestrutura, infraestrutura". O objetivo é garantir movimentação rápida. "Uma cidade em que não é necessário ter carros", explica o político da ala esquerda da coalizão que governa Copenhague. Quando assumiu o cargo, há quatro anos, ele vendeu o carro a que teria direito e comprou uma bicicleta. "Elétrica, para não chegar suado às reuniões." A meta é que 75% dos deslocamentos sejam feitos a pé, de bicicleta ou por transporte público em 2025.


"Queremos mandar um recado para o mundo de que as cidades podem ser neutras em carbono", afirma Kabell. Isso significa reciclar tudo o que é possível, reformar os prédios para otimizar aquecimento e resfriamento, combinar esforços em mobilidade, resiliência à água e consumo de energia. "Você cria a cidade, você desenvolve a cidade."


Copenhague é uma das vitrines da Dinamarca que atualmente se apresenta a partir do "State of Green", uma parceria público-privada para promover produtos e serviços relacionados à economia verde. Energias limpas e tecnologias que contribuem para reduzir as emissões de carbono são seus cartões de visita. E também uma das grandes apostas econômicas do país, conhecido ainda pelo design, mais recentemente pela gastronomia, e que tem na indústria farmacêutica e na biotecnologia atores de peso.


"Com o Acordo de Paris os líderes mundiais deram uma forte sinalização para a sociedade civil e o setor privado de que o mundo está se movendo em uma direção verde. Essa sinalização é crucial para assegurar maiores investimentos na economia verde e para reforçar o incentivo às empresas para que orientem suas estratégias em uma direção sustentável", afirma Lars Lilleholt, ministro da Energia, Concessionárias e Clima, que anunciou em maio uma estratégia de exportação específica para tecnologias verdes.


Hoje a Dinamarca tem o que o ministro define como "um setor de energia altamente competitivo" - cerca de 11% das exportações do país são de tecnologias energéticas, uma das mais altas participações registradas na Europa. A política comercial externa tem como meta dobrar até 2030 as vendas dessas tecnologias para outros países e atingir US$ 22 bilhões.


Com o príncipe herdeiro Frederico André Henrique Cristiano como patrono, a State of Green é um forte aliado nesse processo. A entidade foi fundada em 2008, um ano antes de Copenhague receber a Conferência do Clima das Nações Unidas (CoP-15), cercada de expectativas em relação a um acordo para conter as emissões de gases de efeito-estufa. 


A conferência naufragou, mas a PPP - que junta governo, Confederação da Indústria da Dinamarca, associações nacionais de energia, agricultura e alimentos, indústria eólica e fundações - conseguiu sobreviver. Além de ter conquistado verba governamental, também tem parceiros comerciais como Danfoss, Grundfos, Ramboll, Rockwool e Vestas, todos com portfólio total ou parcialmente relacionado a tecnologia verde, claro.


"É uma empresa de marketing e branding, tentando mostrar o que fazem bem na Dinamarca. E também a ajudar o setor privado a ganhar dinheiro", explica Iver Hoj Nielsen, responsável pela comunicação do State of Green.


O portfólio que a PPP apresenta a visitantes - cerca de 2,5 mil profissionais do setor e 200 delegações de diferentes países por ano - tem mais de 1,4 mil soluções de economia verde em dez categorias, que incluem aquecimento e resfriamento, energia eólica, solar, bioenergia, água e adaptação climática, entre outros. "A Dinamarca é pequena, mas grande o suficiente para mostrar que as tecnologias podem ser adotadas em escala", diz Nielsen.


A eficiência energética, quase uma obsessão nos países nórdicos, está se firmando como um forte mercado. Segundo a International Energy Agency (IEA) ela movimenta US$ 310 bilhões ao ano e está em crescimento.


A crise do petróleo, em 1973, foi o começo da reviravolta no país, que era então 99% dependente de energia importada. O inverno foi especialmente rigoroso. O uso de carros era limitado por falta de combustível, o aquecimento também. Em paralelo, a poluição provocada por combustíveis fósseis preocupava a população. Foi a senha para o início de um processo que, passo a passo, reduziu o uso de energia, trouxe novas formas de geração e conteve o consumo.


O PIB da Dinamarca avançou de US$ 71 bilhões, em 1980, para US$ 306 bilhões, em 2016, e o consumo de energia se manteve estável. As fontes são mais limpas: renováveis representam 75% na geração de eletricidade e 27% no total. Em 2020, metade da produção de energia será eólica. O consumo de água teve queda de 40%. Hoje são 106 litros per capita ao dia. No Sudeste brasileiro são 192 litros per capita e a quantidade recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 110 litros por pessoa ao dia.


Hoje, 60% dos dinamarqueses concordam, total ou parcialmente, que a transição verde é decisiva para garantir crescimento e bem-estar no futuro, segundo o Barômetro do Clima da Concito, "think tank" focado em sustentabilidade socioambiental. No Parlamento, diz Ivens, independentemente de posições à esquerda ou à direita, a política energética é aprovada por 95%.


O pequeno país, que pode ser atravessado de carro de um extremo ao outro em cinco horas, soube transformar a limitada oferta de recursos naturais em vantagem competitiva. O que há de sobra, brincam os nativos, é vento, que geralmente sopra de leste para oeste, como atestam árvores e arbustos que crescem inclinados nessa direção e se espalham pela paisagem plana.


A Dinamarca é uma potência em energia eólica e sua integração à rede uma das experiências que tem para apresentar ao mundo, segundo Carsten Vittrup, consultor em energia estratégica da Energinet, empresa pública responsável pelo desenvolvimento do mercado e pela operação do sistema, que tem uma posição privilegiada no que ele chama de "Rota de Seda" da energia. O país consegue negociar muito com os vizinhos nórdicos, como Noruega e Suécia, que têm hidrelétricas, uma energia que pode ser armazenada. E é ponto de passagem dessa energia para a Europa Central.


Embora seja a primeira colocada no Trilemma index, elaborado pelo Conselho Mundial de Energia, com base em segurança, acesso e sustentabilidade da energia em 125 países, a Dinamarca tem muito trabalho à frente para conseguir que toda a energia seja renovável de acordo com a meta para 2050.

Até lá, o consultor projeta crescimento de energia solar, eólica e de ondas. "Ninguém pode prever exatamente de onde virá tudo, porque as tecnologias aparecem e ganham força, mas é preciso traçar um mapa", diz. Geração a partir de biomassa e do lixo deve ganhar mais eficiência, com a transformação em gás em lugar da queima. Após a entrega ao consumidor, também haverá mais economia com uso de lâmpadas de led, por exemplo, ou insulação nos prédios e processos que ainda estão em pesquisa.

Embora seja difícil prever para onde vão as tecnologias, a velocidade dos ventos, o volume de aumento das chuvas ou a elevação do nível do mar, planejar é preciso. E os projetos são ambiciosos. Com base na estimativa de que a Europa necessita de 150 GW de energia eólica para cumprir suas metas de redução nas emissões de carbono, está em gestação um projeto para construir um hub de energia eólica no Mar do Norte. Nada menos do que uma ilha artificial de 6 km2 para geração e distribuição de energia próxima ao ponto em que as fronteiras marítimas da Holanda, Alemanha e Dinamarca se encontram.

Cercada por milhares de turbinas eólicas, essa ilha concentraria a distribuição por cabos submarinos ao continente europeu. Noruega, Reino Unido e Bélgica poderiam se juntar à iniciativa, que tem 2050 como horizonte.

Os esforços atuais, porém, estão em terra. Cidades têm um papel chave na batalha para aplacar os efeitos das mudanças climáticas. Demanda por energia e emissões de carbono são particularmente altas nas áreas urbanas. Mas, justamente por serem densamente povoadas, elas possibilitam o uso de soluções conjuntas para eficiência energética e transportes mais ambientalmente amigáveis.
Getty ImagesHora do rush na capital dinamarquesa: a meta é que 75% dos deslocamentos sejam feitos a pé, de bicicleta ou por transporte público em 2025

Produzir mais com menos, um dos mantras da nova economia, requer o aproveitamento de toda e qualquer fonte possível de energia. Os recursos estão em todos os lugares, como no engenhoso sistema de refrigeração usado na loja da rede varejista SuperBrugsen em Horuphav, que além de preservar os alimentos também aquece o local de forma contínua. Com folga. O excedente de calor gerado é direcionado para a rede de aquecimento municipal. A loja, parecida com um mercado de bairro, é capaz de aquecer 16 casas de 130 m 2 durante um ano.

A tecnologia pretende ir muito além da pequena cidade com 2,5 mil habitantes. A Danfoss, que participa do projeto, enxerga um enorme potencial em todo o mundo para que empreendimentos com grandes sistemas de refrigeração façam parte também das redes de distribuição de aquecimento.

Fundada em 1933, como fabricante de válvulas para expansão de sistemas de refrigeração, a empresa está hoje nas áreas de energia, resfriamento, drives e aquecimento. Teve receita bruta de € 5,3 bilhões no ano passado, dos quais reserva para pesquisa 4,2% e informa registrar praticamente uma patente por dia.

Para os negócios, o caminho do futuro passa por infraestrutura eficiente, digitalização e eletrificação. "A energia verde também precisa ser eficiente, só assim será possível não comprometer o conforto das pessoas", afirma o CEO Kim Fausing, que assumiu o posto em julho. 

Ela pode vir, por exemplo, na forma de um software que seja sensível à previsão do tempo. Quando se sabe em qual momento será necessário aquecer um ambiente, é possível economizar até 20%, diz.

As soluções estão em desenvolvimento constante. Um dos maiores desafios é encontrar um destino para a energia renovável não aproveitada na rede. "O armazenamento de energia está a caminho, mas ainda há um longo percurso à frente para equilibrar os sistemas. Falta financiamento para viabilizar o armazenamento. Ele é possível só para curtos períodos", afirma o executivo. Quem encontrar a fórmula certamente ficará bilionário, brinca.

A Vestas, fabricante dinamarquesa de turbinas eólicas, trabalha nessa direção. É parceira da australiana Windlab no primeiro projeto em grande escala do mundo que vai combinar produção de energias eólica e solar, além de bateria para armazenamento. "A Vestas já está participando de uma série de projetos-piloto que investigam o potencial das soluções híbridas. Além disso, estamos trabalhando em um demonstrador de conceito combinando vento e energia solar", diz Rogério Zampronha, presidente da Vestas Brasil e Cone Sul.

Os desafios tecnológicos se combinam a outros. A transição para a economia verde encontra resistências até mesmo em uma população ambientalmente correta. Em Copenhague, as emissões no setor de transportes, que resistem a cair do patamar de 34% do total, registrado em 2015, ainda são o calcanhar de Aquiles. Kabell, o prefeito para questões ambientais, diz que a maior resistência dos cidadãos está justamente na área de mobilidade. Perder o uso do carro, conta, é identificado com redução da liberdade. E essa é a principal reclamação que recebe, pessoalmente ou nas redes sociais.

O orçamento da capital dinamarquesa para mobilidade verde prevê US$ 200 milhões até 2025. As iniciativas vão desde a redução dos estacionamentos para abrir espaço para bicicletários ao estímulo ao uso de novos combustíveis como eletricidade, hidrogênio, biogás ou bioetanol em veículos leves e pesados.

Para fazer frente às mudanças climáticas e proteger a cidade de inundações, os recursos são mais parrudos: US$ 1,7 bilhão para mais de 300 obras. A transformação do sistema de energia para acabar com a dependência de carvão e gás natural requer, de 2017 a 2020, US$ 1,9 bilhão. Para proteção costeira serão US$ 5,8 bilhões.

A cidade, comandada por uma espécie de colegiado de sete prefeitos responsáveis por diferentes áreas, atualmente de seis partidos, apresenta com orgulho - em relatórios, a visitas e em campanhas publicitárias em diferentes mídias - suas iniciativas verdes. Um dos destaques é a área do porto onde se tornou possível nadar sem medo de poluição ou contaminação. "Às vezes tem verão", brinca Kabell. Mas no geral o oceano é gelado e sua água passou a ser utilizada em um sistema de resfriamento administrado pelo município. Frequentemente nublada, com temperatura média anual de 5,8°C, a capital precisa refrigerar, por exemplo, datacenters de empresas e centros de compras.

Parte importante da transformação verde é quase invisível e passa por baixo da terra. Em Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com 325 mil habitantes, a estação de tratamento de esgoto também gera energia. Empresa municipal, que não pode ter lucro, a AharusVand faturou € 90 milhões em 2015. Nos últimos cinco anos, investiu em economia e produção de energia. Hoje, na estação de Marselisborg o lodo é transformado em biogás, que por sua vez alimenta um motor que gera calor e eletricidade. O processo também resulta em recuperação de fósforo, que vira fertilizante. Em 2015, produziu uma vez e meia a energia que precisava e mandou o excedente de mais de 3 MWh para a rede. O presidente da empresa, Lars Schroder, diz que a maior parte das novas tecnologias instaladas deu retorno em menos de cinco anos.

Em um país onde a coleta de esgoto é praticamente universal, cada casa pode contribuir para a geração de energia sem grandes investimentos. Mas muitas delas têm mais de 200 anos e demandam reformas para garantir que, na outra ponta, o consumo seja reduzido. Copenhague tem mapeado o nível de eficiência energética dos edifícios, com graus que vão de A a G. Seis mil estão com E ou menos e precisam ser modernizados. Respondem por 23% do consumo doméstico e 32% do consumo comercial.

A 300 km da capital, no sul da Dinamarca, a pequena Sonderborg iniciou há dez anos sua jornada para se tornar carbono zero até 2029 - vinte e um anos antes do país, que assumiu a meta de ser livre de combustíveis fósseis em 2050.

A "revolução verde", como é chamada por lá, é duplamente necessária. A população encolhe e os empregos na nova economia podem ser decisivos para atrair jovens e reduzir a evasão, que chegou a 5 mil pessoas nos últimos dois anos. Como na capital o aumento previsto das chuvas e do nível do mar torna mais vulneráveis áreas do município, deve se preparar para isso.

Ao lado de Vitoria-Gasteiz, na Espanha, e Tartu, na Estônia, Sonderborg é uma das integrantes do SmartEnCity, programa da União Europeia com horizonte em 2020 para desenvolver uma abordagem sistêmica para transformação das cidades em ambientes urbanos inteligentes e eficientes no uso de recursos.

A ideia é estabelecer estratégias que possam ser replicadas na Europa para reduzir a demanda de energia e maximizar a oferta de renováveis. Estão incluídos no processo reforma de edifícios, integração de infraestrutura, desenvolvimento de mobilidade sustentável e uso inteligente de tecnologias da informação e comunicação. Para um período de cinco anos e meio, iniciado em fevereiro de 2016, a União Europeia reservou € 28 milhões para essas cidades.

A palavra "zero" escrita com letras maiúsculas é a marca do programa de Sonderborg que evolui a despeito das trocas de partidos no comando da cidade, na verdade uma ilha que contabiliza hoje 75 mil cidadãos - 35 mil na área urbana -, 440 mil porcos e 250 mil galinhas. Para desenvolver a "mentalidade zero" há uma profusão de programas em andamento.

Todos precisam estar a bordo. "Empresas, jardim da infância, universidades", diz o prefeito social-democrata Erik Lauritzen. Os ônibus da cidade passaram a ser movidos exclusivamente a biogás, os prédios municipais têm células solares para gerar energia, o aquecimento fornecido pelo município é verde. "As pessoas passaram a olhar para a cidade de outra forma", diz.

Existem em Sonderborg 150 "famílias zero", que a partir de 2009 registram 25% de economia em energia e 45% em água em relação a 2009. Há também o programa "casa zero", que pretende fazer 18,6 mil proprietários aderirem à construção ou reforma para receber aquecimento municipal - espinha dorsal projeto que combina energias renováveis, biomassa, incineração de lixo, gás natural e eletricidade.

Aquisição de eletrodomésticos eficientes, adoção de um isolamento térmico para adequar temperatura no inverno e no verão, entre outras medidas para limitar o consumo de energia, também são encorajados, com concessão de crédito. "Precisamos de soluções diferentes para diferentes estilos de vida e para diferentes períodos da vida", diz Peter Rathje, diretor-executivo do Project Zero. Em dez anos, o programa contabiliza 35% de redução na emissão de CO2, que deve chegar a 50% em 2020.

O trabalho para zerar as emissões em curso no país lembra a montagem de um Lego gigante - o jogo de encaixe dinamarquês que ganhou mundo. Das pequenas reformas de moradias aos investimentos bilionários em pesquisas, o processo é cheio de detalhes que precisam ser articulados. Requer persistência e continuidade. E, também um certo desapego. 


Governos iniciam obras que serão inauguradas pelos governos que virão depois. Isso parece não incomodar Kabell. O prefeito para questões ambientais de Copenhague diz que se orgulha em pensar que sua herança terá vida mais longa que o mandato, mesmo que ele não corte a faixa inaugural da obra. "Os projetos vão além da política."

A jornalista viajou a convite do State of Green e Danfoss.

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