segunda-feira, 12 de março de 2018

Estudo indica que, uma vez degradado, o Cerrado não se regenera naturalmente




Cerrado já perdeu 46% da cobertura nativa por causa do desmatamento.
Cerrado já perdeu 46% da cobertura nativa por causa do desmatamento. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Segundo estudo, após a conversão em pastagens, áreas do bioma que não recebem o manejo apropriado exibem vegetação adensada, mas pobre em biodiversidade

FAPESP
Alguns dos mais importantes rios do Brasil – Xingu, Tocantins, Araguaia, São Francisco, Parnaíba, Gurupi, Jequitinhonha, Paraná e Paraguai, entre outros – nascem no Cerrado. Trata-se da única savana do planeta dotada de rios perenes. A rápida conversão do Cerrado em pastagens e lavouras e o manejo inadequado das áreas preservadas colocam em risco esse formidável recurso natural, em um país com o terceiro maior potencial hidrelétrico tecnicamente aproveitável do mundo, e em que 77,2% da matriz elétrica é suprida pela hidroeletricidade.

Além disso, a destruição do Cerrado constitui uma perda inestimável em termos de biodiversidade, pois, na microescala, esse bioma, que pode apresentar 35 espécies diferentes de plantas por metro quadrado, é mais rico em flora e fauna do que a floresta tropical.

Sabe-se que o Cerrado tem um potencial de regeneração natural muito alto. Mas até que ponto vai sua resiliência?

A pesquisadora brasileira Gisela Durigan, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordena com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP um estudo realizado em áreas de antigas pastagens – originalmente pertencentes ao bioma do Cerrado, atualmente se encontram na condição de “reserva legal” e iniciaram uma regeneração natural.

Durigan explica que a regeneração natural do Cerrado se restringe às espécies arbóreas, o que significa dizer que o empobrecimento da vegetação decorrente da ação deletéria da agropecuária é definitivo – ao menos que o desenvolvimento de políticas ecológicas encontre meios de restabelecer as condições propícias para as abundantes espécies arbustivas.

“Uma vez eliminada, a vegetação rasteira ou de pequeno porte, que compõe o estrato herbáceo-arbustivo e que contém a maior parte das espécies endêmicas, não se regenera. Então, quando a pastagem é simplesmente abandonada, ela se transforma, depois de algum tempo, em um cerradão, que é uma formação caracterizada por vegetação muito adensada, com grande predomínio de árvores e pobre em biodiversidade”, afirmou Durigan.
O estudo, que teve resultados publicados no Journal of Applied Ecology, foi realizado no âmbito do doutorado de Mário Guilherme de Biagi Cava, com Bolsa da FAPESP e orientação de Durigan, e também apoiado por meio de um Auxílio à Pesquisa concedido ao professor Milton Cezar Ribeiro e de uma Bolsa de Doutorado a Natashi Aparecida Lima Pilon.


A pesquisa abrangeu 29 áreas no Estado de São Paulo, onde foi feito o levantamento da vegetação, tanto das árvores quanto das plantas pequenas que compõem o estrato herbáceo-arbustivo e que constituem a maior riqueza da flora do Cerrado. Apesar de estarem localizadas em regiões diferentes, essas 29 áreas, com idades variando de quatro a 25 anos, puderam ser ordenadas em uma sequência cronológica no que se refere ao estágio de regeneração.


Substituição do estrato arbustivo por gramíneas
As árvores se recuperam por possuírem raízes muito profundas e terem evoluído, ao longo de milhões de anos, desenvolvendo a capacidade de rebrotar inúmeras vezes. “Não é possível eliminá-la nem aplicando herbicida”, disse Durigan. Porém, segundo ela, o estrato herbáceo-arbustivo, que é removido para a implantação das pastagens, não se recompõe, devido à invasão dos terrenos por gramíneas exóticas muito resistentes e agressivas: as braquiárias.

“Essas só desaparecem com o sombreamento, causado pelo adensamento das árvores. Mas, quando desaparecem as gramíneas exóticas, as plantas originais de pequeno porte, que foram completamente erradicadas pelos herbicidas, pelas roçadas e pela competição com as braquiárias e que não toleram a sombra, também não voltam mais”, continuou a pesquisadora.

Para fazer com que a área voltasse a abrigar um cerrado típico, seria necessário eliminar as gramíneas exóticas, com manejo por meio de fogo associado a herbicida, e, depois, reintroduzir as espécies nativas. Mas isso constitui uma operação difícil e cara, que, com os recursos atuais, não pode ser realizada em larga escala.

“Temos pesquisado diferentes técnicas para promover a recuperação. Com sementes, é necessária uma quantidade gigantesca, que não há nem de onde tirar. O que deu muito certo, em escala experimental, foi o transplante do estrato herbáceo-arbustivo: a camada superficial do solo, acompanhada das touceiras de capim e das pequenas plantas”, disse Durigan.

“O grande problema é que, no Estado de São Paulo, já não há mais áreas-fonte para isso. O que sobrou de Cerrado aberto está invadido por gramíneas exóticas. Então, quando se transplanta a camada superficial do solo, a braquiária vai junto. Isso acontece inclusive nas áreas protegidas”, acrescentou.


Floresta degradada
O estudo feito na Unesp permitiu fechar um diagnóstico e fazer predições. Espontaneamente, uma vez degradado, o cerrado típico não se recompõe totalmente. Para que uma área de pastagem volte a ser um cerrado típico, com riqueza de biodiversidade, com a flora característica, com habitats para fauna especializada em savana, é necessário manejo humano: não se pode deixar que o adensamento das árvores passe do limiar de 15 metros quadrados por hectare; é preciso erradicar o capim exótico; e deve-se reintroduzir o estrato herbáceo-arbustivo nativo.

Evoluindo espontaneamente, sem manejo, em 49 anos a vegetação arbórea nas antigas áreas de pastagem irá se transformar em cerradão. A cobertura esparsa de solo característica do cerradão é alcançada em quatro anos e a biodiversidade pobre do estrato herbáceo é obtida em 19 anos. “O processo é rápido, mas os resultados não são os que procuramos. O cerradão não se distingue de uma floresta degradada”, disse Durigan.
Dois anos depois do levantamento, já na segunda fase do doutorado de Cava, os pesquisadores vão voltar às mesmas áreas ao longo do primeiro trimestre de 2018, e medir tudo novamente, para obter a taxa precisa de aumento de cobertura, densidade e biodiversidade.

“Esses valores precisos nos permitirão saber com exatidão qual é o potencial de regeneração das diferentes áreas e quais são os fatores favoráveis. É o tipo de solo? É a distância a uma fonte de sementes? É a proximidade de recursos hídricos? Todos esses parâmetros serão considerados”, disse Durigan.

Conforme afirmou, o artigo publicado por seu grupo é muito inovador porque não há ninguém em outros países tratando de recuperação de savanas.

“Isto porque ainda não ocorreu na África nem na Austrália um processo similar ao que estamos vivendo aqui, de conversão da savana em pastagens extensivas e em grandes lavouras de soja, cana ou milho. Na África, as savanas estão bem degradadas, mas devido ao sobrepastoreio, à exploração de lenha e a outras ações cujos impactos são menos visíveis no curto prazo. No Brasil, estamos presenciando transformações que ocorrem de um dia para o outro”, comentou a pesquisadora.

Referência:
Cava MGB, Pilon NAL, Ribeiro MC, Durigan G. Abandoned pastures cannot spontaneously recover the attributes of old-growth savannas. J Appl Ecol. 2017;00:1–9.
https://doi.org/10.1111/1365-2664.13046

Da FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/03/2018

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