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Brincando de Deus com o planeta
As criativas e imprevisíveis soluções da geoengenharia para o aquecimento global
Há diversos meios testados e comprovadamente eficazes de evitar que o planeta Terra aqueça antes de chegar a patamares considerados perigosos. Se a principal causa do aquecimento global é a queima dos combustíveis fósseis, não deveria haver muitas dúvidas sobre as saídas. Elas são claras, porém, não são simples. Pois dependem de uma boa dose de vontade política e de altos investimentos em energia renovável.
Existem também outros meios de enfrentar o problema, mais radicais e cujos resultados são imprevisíveis. É o caso da geoengenharia. Ela não chega a ser exatamente nova. Nos primeiros anos da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética gastaram uma quantia considerável de dinheiro para controlar o clima como parte de sua estratégia militar. Uma das primeiras propostas foi a de represar o Estreito de Gibraltar e o Estreito de Bering como meio de esquentar o Ártico, tornando a Sibéria mais habitável.
Propostas atuais, embora pareçam mais sensatas e tenham atrás de si algum respaldo científico, resultariam em fenômenos difíceis de calcular, e pior, também irreversíveis. Elas incluem borrifar dióxido de enxofre na atmosfera para formar nuvens, resfriando artificialmente o planeta. Ou colocar no espaço espelhos gigantescos que refletissem a luz que chega ao planeta de volta para o espaço.
A defesa dessa forma de controle do clima serve ainda para esconder alguns interesses, como o da indústria dos combustíveis fósseis, que assim teria argumentos econômicos para seguir queimando-os, já que teria sido dado um jeito na questão. Não surpreende que iniciativas nesse sentido tenham dado a seus defensores espaço inédito no governo messiânico de Donald Trump. O ex-presidente da Câmara Federal, o radical republicano Newt Gingrich, afirma que a mudança do clima “é a mais recente desculpa para controlar as vidas das pessoas” e elogia a geoengenharia, por sua “promessa de tratar do problema gastando apenas alguns bilhões de dólares por ano”.
O cientista Alan Robock, da Universidade Rutgers, nos EUA, alerta para a consequência mais severa: “O aquecimento rápido depois que se parasse a geoengenharia seria uma enorme ameaça ao ambiente e a biodiversidade. Devastador. Teríamos de ter certeza de que fosse desativada gradualmente, e é fácil pensar nos cenários que poderiam impedir isso”.
Este aquecimento faria animais buscarem novos habitats, sem encontrar locais onde houvesse alimentos para a sobrevivência. Muitas espécies não têm essa habilidade. Plantas, embora mudem de lugar, como estão fazendo, buscando maiores altitudes, fazem isso mais lentamente.
O progresso na elaboração de artifícios para “proteger o mundo” tem de sofrer uma pausa, diz Janos Pasztor, ex-assessor do secretário-geral da ONU para o clima. “Governos precisam de salvaguardas eficazes contra riscos incalculáveis”.
Algumas alternativas já foram ou estão sendo experimentadas com sucesso relativo, como a fertilização dos oceanos. Ela implica em despejar em suas águas poeira de ferro para forçar o crescimento de algas, que absorveriam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). Há a modificação de colheitas para que absorvam mais carbono, florestas especialmente plantadas para isso, ou a captura e armazenamento de carbono.
As propostas podem visar cenários locais, onde o controle seria praticável, mas não se pode dizer o mesmo de técnicas como o bombardeio de nuvens. Aplicada como solução em um lugar da atmosfera deixaria riscos sobrarem para outros. Um aerossol borrifado no hemisfério norte, por exemplo, geraria mais secas no Sahel e na Índia.
Ou seja: não vai adiantar tratar os sintomas em vez de cuidar da doença. E os seres humanos, que criaram o problema, que parem de querer agir como Deus e ajam pelo que realmente são: seres humanos.
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