quarta-feira, 25 de julho de 2018

Globo – Morte de ativistas bate recorde no país

 Globo – Morte de ativistas bate recorde no país


O Brasil registrou um recorde de assassinatos em conflitos ambientais e por terra em 2017, também o pior ano da História na questão em todo o planeta. De acordo com relatório da organização Global Witness, foram 57 mortes no Brasil, oito a mais que em 2016, e um total global de 207 em 22 nações, sete a mais que o recorde do ano anterior. Assim, o país continua liderando a lista dos lugares mais perigosos para os defensores do ambiente e dos direitos humanos, com dezenas deles vivendo sob ameaça e sem a proteção do Estado.

É o caso de Maria do Socorro Costa da Silva, de 52 anos. Líder comunitária na região de Barcarena, no Nordeste do Pará, ela há anos denuncia o que vê como uso indevido de terras e poluição provocada pela empresa beneficiadora de alumínio Hydro Alunorte, e por isso diz ser alvo de frequentes ações de intimidação e ameaças de morte. Em fevereiro, as instalações da Hydro Alunorte foram palco de suposto transbordamento de reservatórios de resíduos que teriam contaminado os rios no seu entorno com metais pesados e outros rejeitos.

Inicialmente, a empresa negou qualquer problema, mas, em maio, o presidente da norueguesa Norsk Hydro, controladora da Alunorte, admitiu o descarte de “água de chuva e da superfície da refinaria não tratadas no Rio Pará”. A empresa é alvo de comissão parlamentar de inquérito na Assembleia Legislativa do Pará.

— Me sinto como se estivesse na cadeia — conta Maria do Socorro, também presidente da Associação dos Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Caiqama), que reúne cerca de 17 mil famílias moradoras da região. — Fico assustada, mas não é isso que vai me fazer parar. Luto pela vida, pela fauna, pela flora, pela natureza, pelas futuras gerações, e só vou parar quando morrer.

Segundo Maria do Socorro, mesmo tendo pedido proteção às autoridades, sua requisição não foi atendida:

— Não tenho mais para onde correr, mas vou morrer gritando. Não tenho medo de nada nem de ninguém e não adianta ameaçar. Vão ter que me ouvir.

Para a Global Witness, o novo recorde no Brasil é resultado principalmente do enfraquecimento das principais instituições governamentais responsáveis pelas políticas voltadas para essas áreas, em especial o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) nos últimos anos. Com isso, o país registrou três episódios classificados como “massacres” pela organização no ano passado.

No primeiro, em abril, nove pessoas foram assassinadas a tiros e facadas em um assentamento no município de Colniza, a 1.065 km de Cuiabá, Mato Grosso. Na época, investigadores informaram que um grupo encapuzado invadiu a área e atirou contra as famílias que moravam na comunidade de Taquaruçu do Norte, distante cerca de 350 km de Colniza e de difícil acesso. A suspeita é de que os criminosos eram capangas de fazendeiros da região.

Já em maio de 2017 foram agentes do próprio Estado os autores das mortes. Policiais civis e militares invadiram a fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco, no Sul do Pará, ocupada por trabalhadores rurais sem terra, para cumprir mandados de prisão contra eles. Na ação, dez pessoas foram mortas. Em julho de 2017, a Justiça chegou a determinar a prisão temporária de 13 policiais militares e dois civis envolvidos na operação. No fim do mês passado, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a soltura de todos, que devem responder em liberdade.

Em agosto de 2017, pelo menos dez índios foram mortos por garimpeiros ilegais na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, onde diversas tribos ainda vivem isoladas. “O fechamento das bases da Funai no rio do Vale do Javari pode ter facilitado o acesso não monitorado dos garimpeiros a essa área remota, gerando tensões com grupos indígenas não contatados. Os corpos das vítimas nunca foram encontrados, e seus nomes, nunca verificados, então eles não foram acrescentados às nossas estatísticas”, diz o relatório de monitoramento da violência ambiental e no campo Global Witness, intitulado “A que preço?”.

— É uma situação muito perturbadora — resume Ben Leather, ativista sênior da Global Witness e um dos autores do levantamento, que cobra esforço do governo, com o reforço de instituições como o Incra e a Funai, assim como do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, para que o país saia do topo da estatística. — Para qualquer lado que se olhe, o Brasil é um dos lugares mais perigosos para se levantar e defender seu direito à terra e a proteção do ambiente. Os ativistas locais trabalhando nessas questões estão lutando por suas vidas. São as pessoas na linha de frente de uma luta que vai beneficiar a todos os brasileiros. Mas, enquanto o governo continuar a colocar os interesses dos grandes negócios à frente daqueles das comunidades locais e dos direitos humanos, isso continuará sendo um problema no Brasil.

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