Por Daniela Chiaretti | De São Paulo
Daniel Wainstein/ValorRoberto Schaeffer, da Coppe/UFRJ: "A meta brasileira foi construída na expectativa de controle do desmatamento"
"Em troca de apoio político, o governo brasileiro sinaliza com o aumento do desmatamento a proprietários de terra, colocando em risco a contribuição do país para o Acordo de Paris". Essa é a primeira frase de um estudo assinado por dez pesquisadores brasileiros na "Nature Climate Change", uma das mais renomadas publicações científicas sobre mudança do clima. O trabalho estima o custo do retrocesso ambiental.
No pior cenário, o recuo ambiental pode ter impacto financeiro de US$ 5 trilhões até 2050. É o quadro em que a governança é fragilizada ao extremo, o desmatamento explode e o Brasil tem que comprar créditos de carbono no exterior para cumprir sua parte no esforço global de reduzir emissão de gases-estufa.
O impacto pode ser de tal dimensão, que o Brasil não dá conta de assumir seu compromisso e o passivo tem que ser repassado a outros países para que o objetivo global de limitar o aumento da temperatura no planeta a 2°C seja mantido.
O estudo, denominado "The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil" ("A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil", em tradução livre), é assinado por seis professores e pesquisadores da Coppe/UFRJ, três pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um da Universidade de Brasília (UnB). "A meta brasileira foi construída na expectativa de controle do desmatamento", diz Roberto Schaeffer, um dos autores e professor da Coppe/UFRJ.
O Brasil é o sétimo maior emissor do mundo. A meta brasileira assumida no Acordo de Paris é de 37% de redução em 2025, considerando-se os níveis de 2005, além de uma indicação de corte de até 43% em 2030. Entre 2005 e 2012, o Brasil reduziu emissões em 54% e a redução do desmatamento no período (78%) foi a grande responsável pelo desempenho. Depois disso, o caldo entornou.
"Em troca de apoio político, o presidente Michel Temer assinou medidas provisórias e decretos que diminuíram exigências para o licenciamento ambiental e suspendeu demarcação de terras indígenas, facilitando que grileiros se beneficiem de recursos de áreas desmatadas ilegalmente", diz texto para a imprensa.
A base da análise do estudo são três cenários de governança inspirados em três momentos da trajetória recente de combate ao desmate, identificados pelos autores. O primeiro é antes de 2005, quando a governança foi fraca e o desmatamento, alto. Entre 2005 e 2011, as políticas de comando e controle foram eficientes e tiveram resultados. De 2012 a 2017, a governança ficou comprometida com as mensagens dadas na revisão do Código Florestal e a barganha no Congresso.
Com base nessa trajetória, os pesquisadores definiram os cenários "forte", "fraco" e "intermediário" de governança ambiental.
No forte, há expansão das políticas de preservação e apoio político total à agenda ambiental. O desmatamento anual no Cerrado cairia de 8 mil km2 e o da Amazônia, de 9,5 mil km2, para menos de 4 mil km2 nos dois biomas.
No cenário fraco, o pior de todos, o controle do desmatamento é abandonado e há incentivos para pecuária e agricultura predatórias. "Nesse cenário negativo, o desmatamento volta a explodir, o Brasil não cumpre a meta e os outros setores da economia não conseguem compensar a lacuna", explica Schaeffer. "Isso terá um custo muito alto". É nessa situação que foi estimado o impacto financeiro de US$ 5 trilhões.
O cenário intermediário é o que considera o "business as usual", ou seja, a manutenção do que acontece hoje. Não é positivo e é contraditório porque mantém as políticas de controle do desmatamento ao mesmo tempo em que sinaliza com apoio a práticas predatórias de impacto na floresta. Nesse cenário, o desmatamento anual na Amazônia alcançaria 17 mil km2 e no Cerrado, 15 mil km2 até 2030. Isso resultaria na emissão de 16,3 gigatoneladas de CO2 para o período 2010-2030.
"Manda-se um sinal para os setores produtivos de que vale a pena desmatar, pois as regras seriam descumpridas sem a fiscalização e punição adequadas. Um incentivo velado ao desmatamento", explica o pesquisador Pedro Rochedo, da Coppe.
Nesse cenário intermediário, que corresponde à trajetória atual, o custo de não controlar o desmatamento terá de ser repassado a outros setores se o Brasil quiser cumprir sua meta, diz Raoni Rajão, também um dos autores e professor da UFMG. "Isso significará ter que adquirir tecnologia mais cara", resume. O custo para a indústria, transporte e energia chegaria a US$ 2 trilhões.
Rajão explica que, a partir de 2025, a estimativa é que as emissões dos setores produtivos cresçam. "O potencial hidrelétrico do Brasil está no limite, o agronegócio vai crescer, a indústria também. E é muito difícil fazer isso sem aumentar as emissões. A gordura que podemos tirar, para deixar que os setores que geram o PIB do país emitam, é no desmatamento, que é vinculado à tomada de terra ilegal e à especulação imobiliária, sem ganho para a economia."
"Não são os ambientalistas que têm que falar ao governo que é boa ideia reduzir o desmatamento. Tem que ser a indústria e a agricultura", segue Rajão.
"O Brasil, ao se guiar pela política de baixo clero, faz política do século XIX e, se quiser cumprir as metas climáticas, terá que implantar tecnologia do século XXI. Isso terá custo muito alto", diz Schaeffer.
A base dos três cenários de governança ambiental possíveis foi modelada por dois sistemas criados na Coppe e um terceiro da UFMG. "Foi um gigantesco trabalho de modelagem", diz o cientista político Eduardo Viola, da UnB, que fez a análise política. "A partir da legislatura de 2011 vimos o peso extraordinário da bancada ruralista, que aumenta ainda mais na legislatura atual", diz.
Viola calcula que 38% da Câmara seja da bancada ruralista e lembra que o agronegócio tem peso de 20% no PIB. "É uma bancada coesa e forte, com poder político extraordinário. Cada vez mais o agronegócio é um pilar do capitalismo brasileiro. Que inova e é dinâmico, mas não, infelizmente, na área de emissões", segue.
Viola diz que o processo se inicia na reforma do Código Florestal. Segue com as manifestações de junho de 2013, "que provocam o início do grande deterioração da classe politica brasileira", aprofunda-se com a Lava-Jato e culmina na erosão de legitimidade do governo Dilma. "A partir de 2015, a recessão combinada com a crise de legitimidade política, faz com que a atenção da sociedade se perca das questões de longo prazo, como a mudança climática".
A consequência é o enfraquecimento dos órgãos ambientais, do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, e do aumento do desmatamento. A perspectiva com as eleições ainda é sombria. "Só Marina Silva levanta o tema da questão ambiental e climática. Para os outros candidatos, o assunto não tem relevância."
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