Por Daniela Chiaretti | De Da Nang, Vietnã
Leo Pinheiro/ValorSteiner: "É preciso liderança. O setor privado não pode ser um ator passivo"
O alemão nascido no Brasil Achim Steiner, 57 anos, que por 10 anos dirigiu o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), em Nairóbi, no Quênia, e hoje conduz o Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud) diz que o setor financeiro é crítico para a transformação da economia. Ele critica os mercados que "investem na economia de ontem, que é onde se sentem confortáveis, onde fazem dinheiro, onde mantém o "status quo". E emenda: "Engajar o setor financeiro é prioridade porque é onde a energia da nossa economia está canalizada."
Valor: Como o senhor avalia o cenário ambiental global hoje?
Achim Steiner: Muito do que vimos emergir em termos ambientais nos últimos dez anos está se concretizando. O Acordo de Paris, o surgimento dos 'green bonds', a expansão massiva das energias renováveis, o problema do plástico na economia e no ambiente chegando às manchetes. E a transformação da economia verde, metáfora de como podemos dissociar o crescimento econômico da proteção ambiental e reinventar as nossas economias. Mas ainda assim o mundo tem graves problemas.
Valor: Quais são os piores?
Steiner: As emissões não estão baixando o suficiente. Os níveis globais de produção e consumo são insustentáveis, assim como a poluição atmosférica. Produzimos mais plástico nos últimos 30 anos do que na história da humanidade. Nossa capacidade de responder aos desafios ainda está sendo testada. Temos enorme necessidade de transformação e mudança.
Valor: Foi o multilateralismo que falhou?
Steiner: É tempo de grande desconforto para quem acredita que para que a transformação aconteça temos de ser capazes de trabalhar juntos. É relacionar a agenda ambiental com a economia. Ainda estamos lutando com isso.
Valor: O que quer dizer?
Steiner: Os mercados, o setor privado e os investidores de capital não estão fazendo o tipo de investimento na escala necessária, não estão nem perto disso. Investem US$ 20 bilhões, desde 2010, em gerenciamento sustentável de florestas mas investem US$ 777 bilhões no rumo contrário: em mudança do uso da terra, no desmatamento. A economia está inundada por múltiplos atores que estão fazendo a coisa errada, pelo menos em sustentabilidade a longo prazo.
Valor: Como se comportam os mercados financeiros?
Steiner: Tentamos fazer com que mercado e setor privado concentrem esforços e instrumentos para serem mais parte da solução. Os mercados financeiros e seus instrumentos serão fundamentais neste processo. Teremos fatores multiplicadores se os mercados financeiros orientarem o foco para a agenda ambiental, se conseguirem alavancar finanças públicas, se pudermos realmente atrair o setor privado, se isso orientar a abordagem regulatória dos governos para investimentos futuros.
Valor: O senhor é otimista?
Steiner: Estamos correndo contra o tempo e, mesmo assim, começando a fazer a coisa certa em muitos lugares, sem falar nos retornos que investimentos financeiros sustentáveis geram nos mercados. Ampliar a escala e colocar o foco da agenda ambiental dentro da transformação da economia permanece central. Estou convencido de que com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) priorizamos as três dimensões do desenvolvimento - social, econômica e ambiental. Os ODS não só irão mudar o mundo como nós o conhecemos, mas também como podemos imaginá-lo no futuro.
Valor: O quanto o PNUD está engajado na mudança?
Steiner: Operamos um portfólio de 840 projetos relacionados com mudança climática à agenda ambiental ampla, que vale US$ 3,6 bilhões com US$ 15,6 bilhões de co-financiamento. É uma das maiores redes globais de longo alcance com projetos em 141 países.
Valor: Qual o nível de cooperação que se espera da África?
Steiner: Passei 10 anos vivendo em Nairóbi e chefiando a agência que tem sede na África, nunca tive razões para reclamar da liderança africana. Tanto na economia verde, ou na extraordinária conservação da biodiversidade em que a África já está investindo. Há também uma grande destruição acontecendo nos recursos naturais e na vida selvagem no continente. O foco agora é engajar governos e atores econômicos para permitir que a transição em direção à economia verde molde o plano africano de desenvolvimento. Sem ambiente, sem natureza, sem que se proteja isso tudo, o forte turismo africano seria uma fração do que é.
Valor: Como avalia a Índia?
Steiner: A consciência pública está conduzindo a Índia para a agenda ambiental. A população urbana diz que o nível de poluição em que vive não é aceitável e não é um preço que precisa pagar pelo desenvolvimento. Nas decisões de uso do solo, sobre os recursos naturais, acho que estamos vendo bons avanços. E também no Judiciário, com os tribunais verdes e os casos legais que têm sido levantados. Sob a gestão do primeiro-ministro Narendra Modi, as energias renováveis representam papel-chave na matriz doméstica como para o resto do mundo.
Valor: Como convencer o setor privado a se engajar em sustentabilidade em vez causar danos?
Steiner: É preciso liderança. O setor privado não pode ser um ator passivo ou esperar que o governo resolva o problema. O setor privado foi um ator-chave para o Acordo de Paris em 2015. Envolveu tantos líderes que ficou difícil para alguns dos lobbies que se escondem atrás das cortinas agir para parar aquilo. O setor financeiro é crítico. Precisa manter um diálogo e também enfrentar os mercados que investem na economia de ontem, que é onde se sentem confortáveis, onde fazem dinheiro, onde mantém o 'status quo'. Os players que dominam o mercado estão bem felizes em mantê-lo daquele jeito. Se permitirmos que continuem, não há maneira de cumprirmos metas de combate à mudança climática ou os ODS. Engajar o setor financeiro é prioridade porque é onde a energia da nossa economia está canalizada. A emergência do mercado dos green bonds, hoje de US$ 150 bilhões por ano, é bom sinal. E a China, com sua política financeira verde há três anos foi fundamental para mudar o ponteiro do mercado financeiro.
Valor: Como vê o momento internacional agora, e o Brasil nisso?
Steiner: São tempos turbulentos, não há dúvida. Podemos sustentar o multilateralismo neste clima político atual? Temos que conseguir. A capacidade de agirmos juntos é o melhor antídoto para aqueles que querem nos convencer que nacionalismo, protecionismo, erguer muros e cercas são as respostas para os desafios do século 21. As pandemias de hoje e amanhã, o clima em mutação, as secas, as inundações, segurança cibernética, a crise dos preços dos alimentos, as ondas migratórias, nada disso vai parar. Temos que começar a resolver os problemas na fonte e não lutar contra os sintomas quando é tarde demais.
Valor: Como vê o Brasil de hoje?
Steiner: Muitos países estão passando por uma fase de turbulência. Acredito que o que defendemos na ONU é o melhor que podemos oferecer ao mundo para evitar o recuo ao nacionalismo e à narrativa em que o inimigo está sempre do outro lado da cerca. Isso só vai nos levar ao conflito. Temos que ser cautelosos. A História nos ensina lições amargas de quando o nacionalismo se torna a força motora das relações internacionais.
Valor: E a ONU neste quadro?
Steiner: A prevenção é o centro da missão da ONU. Mas muito do que acabamos fazendo hoje é ser o serviço da ambulância, a brigada de incêndio do mundo quando as coisas já saíram do controle. Nossa atenção, nosso foco e nossa prioridade nos anos que virão têm que ser mais em prevenção e no gerenciamento de riscos, e dando à comunidade internacional os meios, que podem ser uma Convenção, um Protocolo, uma parceria, uma abordagem financeira coletiva, para atuar juntos o mais velozmente possível.
Por Daniela Chiaretti | De Da Nang, Vietnã
Silvia Zamboni/ValorSolheim: "Se a mudança forçar pessoas a serem pobres, nunca irá funcionar"
O norueguês Erik Solheim, 63 anos, dirige o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) desde maio de 2016. Pragmático e preocupado em aproximar as questões ambientais das pessoas, tratou de mudar o nome do Pnuma para algo mais direto - ONU Meio Ambiente. Não ficou só na narrativa. O esforço mundial de combater o uso indiscriminado dos plásticos descartáveis, que ganhou manchetes no mundo todo, tem a sua marca.
Ele vislumbra novas frentes globais de mudança: mobilidade, agricultura e energia. "A maior fonte de poluição em Nova Déli vem da queima de resíduos da agricultura. Se isso puder ser transformado em fertilizantes e energia, a perspectiva melhora para o agricultor e reduz a poluição." Seu próximo alvo será buscar a transformação dos "níveis insustentáveis de produção e consumo".
Valor: Como avalia o GEF?
Erik Solheim: A mudança que queremos ver no GEF é como podemos ter grandes programas que promovam transformações. Gastar dinheiro em pequenos projetos pode ser bom, ajudar pessoas, mas não muda o mundo. O que está acontecendo com os plásticos é um bom exemplo de como a mudança está acontecendo. Há um ano poucos falavam do problema dos plásticos e agora temos este movimento global. O primeiro-ministro Narandra Modi, da Índia, prometeu que o país banirá o uso de plásticos descartáveis em 2022. Se isso pode acontecer na Índia, pode acontecer em outros países.
Valor: E o que acontece neste campo nos países desenvolvidos?
Solheim: A União Europeia acaba de fazer o maior compromisso do mundo ao anunciar sua estratégia de banir vários itens de plástico e que conta com imenso apoio popular. Podemos viver sem canudos, garrafas e copos de plástico. São mudanças pequenas na vida das pessoas, mas que permitem que nos movamos para a economia circular e tenhamos melhor manejo de resíduos. Isso é algo concreto para as pessoas e é uma transformação parecida com a do hábito de fumar.
Valor: Onde há similaridade?
Solheim: Há 14 anos, fumar era permitido em todos os restaurantes do planeta. E agora, em lugar nenhum. Foi muito difícil, mas a mudança aconteceu. De novo, foi a combinação de cidadãos conduzindo a mudança e fazendo os políticos agirem. Agora temos outros objetivos, como mudar a mobilidade.
Valor: Como o senhor imagina que esta mudança aconteça?
Solheim: Com mais veículos elétricos, mais sistemas de transporte, desenhar as cidades de modo que seja mais fácil andar a pé e de bicicleta, e deixar que os cidadãos liderem a mudança. Há 15 anos havia duas cidades na China com sistemas de metrô, Pequim e Xangai, com apenas duas linhas. Agora o metrô de Pequim é o maior do mundo e o de Xangai, o segundo maior. Há 35 cidades neste caminho na China, e o mesmo acontece na Índia. Vemos também a revolução do compartilhamento de bicicletas na China ou em Paris.
Valor: Onde mais o senhor observa as mudanças?
Solheim: Em energia. Pela primeira vez na história, no ano passado, a energia solar gerou mais energia ao mundo do que o carvão. O aeroporto de Cochin, na Índia, é o primeiro do mundo a funcionar com 100% de energia solar. E sob os painéis eles ainda plantam legumes. A China lidera a transição, seguida pela Índia, mas que acontece em muitas partes do mundo. Nos EUA há mais empregos na indústria solar do que no carvão.
Valor: A agricultura vem mudando também ou não?
Solheim: A agricultura é um setor-chave da mudança do clima. Em muitas partes começamos a ver agricultura verde, o que não significa voltar ao passado, mas produzir melhor, com melhores produtos, de forma mais econômica para o fazendeiro e ao mesmo tempo, baseando-se em princípios ecológicos. Reduzindo fertilizantes e evitando pesticidas, porque usam plantas que são repelentes naturais de insetos como parte do mix. Plantam de maneira científica de modo a conseguir mais eficiência do que na agricultura tradicional. Pode-se cultivar arroz de maneira ambientalmente melhor e com custos menores. Aqui também há uma revolução chegando.
Valor: Como nos cigarros, vamos ter que esperar 14 anos para reduzir o uso de plásticos descartáveis?
Solheim: No uso de plásticos acho que podemos ir mais rápido ainda. Não precisamos de canudinhos, podemos usar copos de vidro, não temos que usar 10 sacolas plásticas toda vez que vamos ao mercado. Mas precisamos de plásticos em outros lugares. Eles tornam os carros mais leves, por exemplo, e há vários outros casos. Estes plásticos podemos reciclar e usar de novo dezenas de vezes.
Valor: Na Tailândia, agricultores argumentam que mudar para práticas orgânicas leva tempo e eles não podem ficar sem receita.
Solheim: Não há como convencer alguém a mudar e perder dinheiro. No Vietnã tem 150 mil pessoas usando práticas de agricultura verde e se funciona aqui, funcionará na Tailândia também. A maior fonte de poluição em Nova Déli vem da queima de resíduos da agricultura da região. Se isso puder ser transformado em fertilizantes e energia, a perspectiva é muito melhor para o agricultor e reduz o enorme nível de poluição. Se a mudança forçar pessoas a serem pobres, nunca irá funcionar.
Valor: A ex-presidente chilena Michelle Bachelet diz que é preciso mudar padrões de consumo e produção. Como começar?
Solheim: O tema da próxima assembleia ambiental da ONU (Unea) é justamente consumo e produção. É assunto central. Temos que priorizar temas próximos às pessoas. Falhamos como ambientalistas quando levantamos tópicos teóricos que parecem sair do espaço sideral. Precisamos fazer a conexão entre a vida privada e o quadro maior. Quando faz sentido para as pessoas, inicia-se um movimento de pressão a líderes políticos e de negócios. É nessa combinação poderosa que se dão as grandes mudanças.
Valor: Acha viável a agricultura orgânica para um país produtor de commodities como o Brasil?
Solheim: Não sou especialista em agricultura. As plantas são diferentes e é preciso adaptar. Mas acredito que os princípios básicos podem valer em qualquer lugar.
Valor: Onde imagina mudanças rápidas em cidades asiáticas?
Solheim: Para que as mudanças ocorram rápido, é preciso ter cidadãos mobilizados, regular o mercado e ter soluções tecnológicas. Na Ásia há um enorme uso de motonetas para ir e voltar ao trabalho, com velocidade baixa. Pode-se ir exatamente na mesma velocidade com bicicletas elétricas, que são mais baratas. Se se derem incentivos, a mudança pode ser rápida. Carros elétricos estão ficando mais baratos. Na Índia, o governo está liderando ao comprar carros elétricos para a frota oficial. Na China espera-se a introdução de um milhão de veículos elétricos em 2020.
Valor: Como tornar produtos ecológicos acessíveis em países que têm ainda muita pobreza?
Solheim: Mudar o equilíbrio das taxas de modo que o carro elétrico fique mais barato comparado aos movidos a gasolina. Permitir que circulem nas linhas de ônibus para que o usuário chegue mais rápido. Não seriam medidas para sempre, mas ofertas importantes introdutórias. Não é diferente de um produto novo, no supermercado, que recebe um preço de oferta.
Valor: Na Nigéria, há poucos dias, 86 pessoas morreram por conflitos entre fazendeiros e criadores de gado. Como vê este drama?
Solheim: Pelo o que sei, a base são conflitos por água, então, providenciar mais água é a primeira resposta para o conflito. Energia solar pode ser uma solução para trazer água. As autoridades nigerianas estão muito preocupadas. Me disseram temer que mais gente morra na região por causa da água do que pelo Boko Haram [grupo terrorista islâmico].
A jornalista viajou ao Vietnã a convite de Internews Earth Journalism Network
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