quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Decisões conflitantes sobre biodiversidade e a difícil participação cidadã na causa

Resultado de imagen para eclipse imagens


Por Amelia Gonzalez, G1 

27/07/2018 23h54 Atualizado 28/07/2018 00h21 

Sim, eu também estou de olho no céu, perseguindo o eclipse, embora, de verdade mesmo, prefira ver a lua cheia, bonita, de cara para a Terra, mostrando toda sua beleza e mistério. 

Mas não posso deixar de pensar, neste momento de euforia pelo espetáculo no céu, que aqui bem perto temos shows diários, de bichos e plantas que nos rodeiam. E muitos, mas muitos deles, estão se extinguindo. Em parte por causa de pesca ou caça predatória, em parte porque estão perdendo seu habitat, portanto não encontram mais seu alimento. É triste, muito triste, e depende muito de nós o fim dessa barbárie. Para nossa participação, no entanto, é preciso algo que está faltando aos líderes da humanidade: consenso em torno da causa. 

Neste sentido, adivinhem? Trago uma notícia bem simpática, publicada no site do Greenpeace dos Estados Unidos. Sob pressão da sociedade civil, encabeçada pela ONG, a grande maioria das empresas de pesca de krill decidiu parar sua produção pesqueira para proteger este importante alimento de pinguins, focas e baleias do Oceano Antártico. A campanha “salve o krill” teve 1,7 milhão de assinaturas de todo o mundo. 

Trata-se de um crustáceo que se parece com o camarão e teve a má sorte de cair nas graças de humanos preocupados com a saúde. Ocorre que se descobriu que o óleo de krill trabalha como um importante coadjuvante na luta contra o colesterol, glicemia e na prevenção de doenças inflamatórias. Foi o que bastou para que começasse um abuso em busca de mais esta riqueza que a natureza oferta para a humanidade. Claro, não podia dar certo, e o desaparecimento do krill começou a incomodar quem lida com o tema e sabe da importância dele. 

Pressionadas, as empresas da Associação de Empresas Colheitas de Krill Responsável (ARK) - Aker BioMarine, CNFC, Insung, Pescachile e Rimfrost – reagiram bem e rápido. Elas representam 85% da indústria pesqueira de krill na Antártica. 

“Através do nosso compromisso, estamos mostrando que é possível que as zonas sem peixes e a pesca sustentável coexistam. Nossa intenção com este compromisso é apoiar o trabalho da CCAMLR no estabelecimento de uma rede de áreas marinhas protegidas baseadas na ciência em larga escala na Antártica”, disse Kristine Hartmann, da Aker BioMarine, a maior empresa de pesca de krill do mundo. 

As empresas também se comprometeram a apoiar o processo científico e político para a criação de uma rede de áreas marinhas protegidas em larga escala na Antártida, incluindo as áreas onde elas operam atualmente. É uma iniciativa e tanto, que deve ser aplaudida. Porque é disso que se trata, verdadeiramente, quando se fala que a produção – e o consumo – devem baixar para que se possa pensar a sério em proteger o meio ambiente para evitar as catástrofes ambientais, entre outras coisas. São os ares de uma nova (e bem-vinda) economia. 

Mas, na contramão dessa grande decisão, vem uma péssima notícia. Segundo reportagem publicada hoje no jornal britânico “The Guardian”, desde que o arquipolêmico presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assumiu o poder, os políticos de seu partido, Republicano, têm tentado eliminar a Lei de Espécies Ameaçadas, em vigor há mais de quarenta anos naquele país. A agência de notícias Associated Press também publicou sobre o assunto, mostrando que as mudanças propostas podem acelerar o processo de extinção de várias espécies, entre elas o lobo cinzento e o salmão. A ideia, no fundo, é aumentar a decisão do Estado nas questões de conservação. 

Há mais de 1.600 espécies ameaçadas de extinção, listadas na Lei, que entrou em vigor em 1973 e é considerada em todo o mundo modelo de legislação de defesa da vida selvagem. As alterações propostas, segundo John Cavelli, vice-presidente da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem, representam "um claro desejo de enfraquecer a Lei de Espécies Ameaçadas, acrescentando obstáculos e lixo inútil que, no final, representará maior perigo para as espécies ameaçadas. 

Em sua defesa, um comunicado do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA disse que “As alterações não terão impacto nas espécies atualmente classificadas como ameaçadas e permitirão ainda proteger, caso a caso, aquelas que no futuro sejam assim classificadas". 

É difícil acreditar que haja, na administração atual dos Estados Unidos, um real desejo de proteger os bichos. Só para citar um exemplo do que estou falando, em novembro do ano passado, Trump foi alvo de uma saraivada de críticas quando, através do Serviço de Vida Selvagem decidiu voltar a permitir que os elefantes africanos do Zimbábue e da Zâmbia sejam mortos e levados como troféus. Dessa maneira ele pensava em conseguir fundos para programas de conservação de espécies. O governo anterior, de Barack Obama, proibira a entrada no país de troféus de caça de elefantes. 

Temos assim, em pouquíssimo tempo, de maneira quase concomitante, duas decisões importantes para a biodiversidade. De um lado, empresas mostram que são responsáveis em não mais permitir a pesca predatória de um pequeno crustáceo na Antártida, independente do que isso possa influenciar em seu resultado orçamentário. De outro lado, o presidente da nação mais rica decide flexibilizar uma lei criada um ano depois da primeira Conferência do Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, possivelmente à mercê de resultados econômicos fáceis de serem conseguidos com a caça aos bichos.

Não é à toa que as questões do desenvolvimento sustentável, tão paradoxais, sejam ainda difíceis de serem absorvidas pela maioria dos cidadãos. A falta de um consenso entre personagens tão importantes da história econômica da civilização confunde mesmo os que se interessam e querem participar mais ativamente da luta da humanidade para evitar catástrofes. 

Sendo assim, melhor mesmo olhar para o céu, buscar a beleza lá longe. E esquecer quão próximas estão decisões equivocadas sobre a biodiversidade e, por exemplo – para citar apenas um exemplo – as ondas de calor que estão fritando os europeus. Ou... fazer, cada vez mais, pressão como sociedade civil para reverter o quadro de inércia ou de improbidade que se vê por parte de líderes com relação ao meio ambiente.

Nenhum comentário: