quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Globo – Tragédia em morro de Niterói não pode ser atribuída ao acaso / Editorial

Globo  – Tragédia em morro de Niterói não pode ser atribuída ao acaso / Editorial


Ocupação desordenada de áreas de risco e altos volumes de chuva criam condições para acidentes

Odeslizamento de uma rocha no Morro da Boa Esperança, em Piratininga, Niterói, na madrugada de sábado, matou pelo menos 15 pessoas —entre elas quatro crianças —, destruiu oito casas e soterrou convicções, como a do prefeito da cidade, Rodrigo Neves (PV), de que a comunidade não estava numa área de risco. Tanto estava que a pedra rolou.

A natureza, aliás, já tinha dado o alerta. Segundo o presidente da Associação de Moradores, Cláudio dos Santos, há dois anos, um deslizamento no Morro da Boa Esperança destruiu sete casas e uma pizzaria. Algumas construções chegaram a ser interditadas pela Defesa Civil.

Em entrevista ao GLOBO, Elson Nascimento, professor de Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia Civil da UFF, disse que todas as encostas de alta declividade de Niterói estão sujeitas a deslizamentos sempre que o volume de chuva ultrapassar 41 milímetros em 24 horas. Na última quinta-feira, os pluviômetros da região marcaram 113,08 milímetros nesse período, ou seja quase o triplo.

Nascimento, que coordenou um estudo sobre a situação geológica das encostas do município, há dez anos, durante a gestão do prefeito Jorge Roberto Silveira, explica que o problema pode não acontecer imediatamente, mas a sequência de chuvas e a consequente infiltraçãodeáguanosolocriamcondições para tragédias como a de Piratininga. Na avaliação do especialista, a situação hoje é ainda pior que a da época do diagnóstico, devido ao crescimento desenfreado dessas áreas.

A ex-capital fluminense já vivera dramas semelhantes — escrito sob o mesmo enredo de descaso. Durante uma enxurrada, na noite de 7 de abril de 2010, um deslizamento no Morro do Bumba destruiu mais de uma centena de casas e provocou a morte de 48 pessoas. Os barracos tinham sido erguidos sobre um antigo lixão, em terreno totalmente instável. Não poderiamdejeitoalgumestarali,masestavam. Registre-se que a comunidade não constava sequer como área de risco nos levantamentos da prefeitura.

Mesmo quando há diagnósticos, muitas vezes eles estão desatualizados. No caso de Niterói, a prefeitura até contratou, em 2016 , um mapeamento detalhado das áreas de risco da cidade. O estudo, que custou R$ 2,5 milhões, deveria ter ficado pronto em fevereiro de 2017, mas, até hoje, um ano e nove meses depois, ainda não foi concluído.

O deslizamento em Piratininga é consequência da incúria do poder público agravada pela prática do populismo, que permite a ocupação desordenada das encostas em troca de dividendos eleitorais. O resultado disso, como sempre, são tragédias que marcam a história do estado.

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