Por
Amelia Gonzalez, G1/07/2018
21h18 Atualizado 13/07/2018 21h19
(Foto:
Amelia Gonzalez)
"Os
abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, consolida-se a exclusão
histórica baseada em raças, etnias, identidade de gênero e orientação sexual;
continuam os ataques às Unidades de Conservação, à legislação ambiental. Os
índices brasileiros de violência e desigualdades seguem entre os maiores do
mundo e os problemas intensificam-se à medida que as lideranças políticas
progressistas não conseguem produzir convergências, a sociedade civil é
alimentada por fake news e o desmonte dos principais
mecanismos de proteção social e ambiental, conquistados ao longo de décadas,
avança".
O cenário
descrito acima é brasileiro. E quem dá o alerta é o Grupo de Trabalho da
Sociedade Civil (GTSC) para Agenda 2030, no
Relatório Luz 2018, que acaba de ser divulgado. O GTSC tem cerca de 40 membros de diferentes setores e foi
formatado logo depois de a Agenda de Desenvolvimento ter sido oficialmente
adotada pelos Chefes de Estado e de Governo do mundo todo na "Cúpula das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2015", que aconteceu na
sede da ONU, em Nova York.
A Agenda
substituiu os Objetivos
do Milênio,
metas que deveriam ter sido alcançadas em 2015, mas não foram. A Agenda
acrescentou alguns desafios aos líderes das nações. O Brasil, porém, segundo o
estudo, trilha um caminho, nos últimos três anos, absolutamente incoerente com
aquele caminho proposto pela Agenda assinada em Nova York.
A primeira
análise que o Grupo de Trabalho se propôs a fazer foi com relação à erradicação
da pobreza, uma das metas apresentadas na Agenda assinada pelos países, entre
eles o Brasil, é bom que se diga.
"Uma
das ações mais opostas à Agenda 2030 promovida pelo atual governo (de Michel
Temer) foi a aprovação, em dezembro de 2016, da Emenda Constitucional 95, que
limitou o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por vinte anos,
seguida por uma série de outras propostas ao Congresso Nacional, algumas já
aprovadas, como a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) a mais danosa aos
interesses e direitos dos e das trabalhadoras pois, entre outras coisas,
rebaixa a capacidade de negociação dos sindicatos e fragiliza o Trabalho diante
do Capital, num contexto de crise e ameaça de desemprego", diz o
relatório.
De 2012 até
o ano passado, a taxa de desemprego nunca esteve tão alta (12,7% em 2017), o
que contribuiu para um acelerado crescimento da pobreza e da extrema pobreza
nos dois últimos anos. Em relação à extrema pobreza, o país volta aos números
de 2005, segundo o relatório. E, em relação à pobreza, aos de 2009.
"A
pesquisa mostrou ainda que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa
de rendimentos, enquanto os 10% de menor renda ficaram com apenas 0,7% desta. O
1% mais rico teve rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da
metade de baixo da pirâmide social", contam os pesquisadores.
Indo mais
fundo nas origens da pobreza, os estudos deram forma às preocupações que vêm
sendo motivo de recorrentes debates entre ambientalistas que defende a causa do
desenvolvimento sustentável:
"A
pobreza também se acentua a partir do modelo econômico, ancorado – entre outras
monoculturas primárias –, no extrativismo mineral, que cresce de forma
acelerada, incentivada e desorganizada em determinadas regiões, gerando graves
impactos socioeconômicos, com forte aumento da desigualdade e gerando um
crescimento econômico que concentra a renda", diz o estudo.
Regiões que
vivenciam o boom nos preços das commodities são exemplo claro do impacto
causado pelas atividades de mineração. Em geral, as empresas levam ao local uma
expectativa de desenvolvimento que é frustrada. Paralelo à chegada do
empreendimento, o que se vê é uma espécie de corrida para ver quem consegue
lucrar mais. Há especulação imobiliária, ocupações irregulares são construídas
para fazer caber o exército de pessoas que se espera. Com a superpopulação, a
região outrora pacata, que seguia seu rumo sem grandes saltos, acaba sendo
vítima das mazelas das grandes cidades, sem ter se tornado uma.
A omissão
do Estado brasileiro em garantir proteção social aos grupos mais vulneráveis só
faz agravar um quadro de privações que se agiganta. Somente em 2019 é que serão
disponibilizados os dados necessários para confirmar a advertência feita pelo
mesmo Relatório Luz do ano passado: o Brasil vai acabar voltando ao Mapa da
Fome, do qual saíra em 2014. O atual governo promoveu um desmonte de políticas
que haviam dado certo neste sentido, como o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (Pnater), botando o país na
contramão da história, segundo afirmam os pesquisadores. E não é difícil
presumir que eles dizem a verdade, como demonstram os dados:
"Em
2012, por exemplo, o PAA executou R$ 800 milhões e atendeu 180 mil
agricultores. Em 2016 seu contingenciamento reduziu esse total a 75 mil e, em
2017, um novo contingenciamento promoveu um drástico corte, baixando o número
de agricultores beneficiados para 25 mil. Em 2018, a perspectiva é praticamente
de extinção, com um orçamento de R$ 750 mil".
Para não
dizer que a visão é só pessimista, o relatório registra as melhoras que
aconteceram nos dados de mortalidade materna, um dos ODS firmados em comum
acordo pelos países da ONU. Em 2017 registrou-se 57.560 óbitos, enquanto em
2015 este número foi maior: 63.590. No entanto, ainda são índices altos.
Já que
estamos na área da Saúde, vale lembrar outro dado do relatório que põe o país
em má situação quanto a atingir os ODS, lembrando que restam ainda 12 anos para
chegar lá. Mas é difícil imaginar que um país que destina apenas 7,7% de seu
orçamento à saúde – taxa inferior à média mundial e uma das mais baixas das
Américas – possa estar realmente preocupado em garantir o bem estar social à
sua população.
Um número
que também assusta abre o capítulo sobre Educação: no Brasil de hoje, 2,5
milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos estão fora da escola.
Assim mesmo, os investimentos em educação representam 4,9% do PIB, diz o
estudo. É preciso investir também na melhoria da infraestrutura escolar,
alertam os representantes da ONU. E precisava alertar?
Talvez eu
vá cansar o leitor se destrinchar ainda mais o relatório, que mostra o nível de
privações a que o atual estado brasileiro anda submetendo cidadãos. Relatórios
como este são importante fonte de informação e servem também para que pessoas
comuns entendam que políticas públicas para reverter este quadro dependem
daqueles que se elege como governante.
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