Por
Amelia Gonzalez, G1
09/07/2018
21h37 Atualizado 09/07/2018 21h37
Escrevo sem
saber se este texto chegará a vocês porque estou sem internet.
Bem, na verdade, estou sem luz por conta de uma derrapada
solene em minha organização administrativa de vida.
Em outras palavras: tirei todos os débitos em conta do banco
e decidi fazer "como antigamente".
As contas chegavam pelo Correios, guardava em locais
específicos e, no dia certo, ia ao banco pagá-las.
Certo?
Em vez disso, optamos pela comodidade da tecnologia,
apostamos em memória virtual e... bem... Vocês já perceberam, né?
Eu me esqueci de pagar uma conta de R$ 77 e a Light cortou
minha luz porque tinha avisado, eu não li aquele aviso que vem no canto direito
da conta... enfim.
Fiquei sem luz.
Já paguei, mandei o protocolo, pedi ajuda, fiz tudo
direitinho.
E agora estou aqui, com o meu computador de mão, que nesta
hora só serve mesmo como uma velha e boa máquina de escrever, a lamentar minha
falta de bom senso organizacional.
Mas, quem me acompanha aqui neste espaço, sabe que não sou
de jogar fora oportunidades de pensar, de refletir sobre as coisas.
Foi assim quando fucei aqui nos meus guardados, ainda à luz
do dia, para encontrar a lanterna que me ajudaria a atravessar com um pouco
mais de conforto a falta de luz à noite.
Encontrei uma, relativamente potente, que tinha comprado no
Amapá, três anos atrás, quando fiz minha última viagem ao Arquipélago do
Bailique para fazer reportagem sobre o processo de implantação do Protocolo
Comunitário local.
Lanterna, no Bailique, é praticamente gênero de primeira
necessidade.
Porque naquele pedaço do Brasil – país que já esteve entre
as dez primeiras economias do mundo – em pleno século XXI, a eletricidade ainda
é algo a se conquistar, é intermitente. As pessoas ficam dias seguidos sem luz,
e para viver com tamanha privação precisam não só de lanternas potentes, mas
também de uma estratégia especial voltada para esta falta.
Entram em cena os caríssimos geradores de luz, para alguns
impossível de se conseguir. Quem tem, consegue manter o peixe na geladeira, as
carnes de caça idem. Quem não tem, pede ajuda. Ou, simplesmente, vive com o que
tem para comer sem precisar da comodidade do gelo. Mais ou menos como no século
XIX? Talvez.
Nem de longe é parecido com o momento que estou vivendo
agora, confortavelmente instalada na minha poltrona, preocupada apenas com
algumas refeições congeladas que costumo comprar para a semana.
Mas gostei de me lembrar da cena em que, chegando de Macapá
no barco que faz a linha até o Bailique, depois de dez horas de viagem, tivemos
que nos guiar com as lanternas até nosso pouso. Isto incluiu uma caminhada
sobre palafitas, coisa que eu e meus companheiros de viagem não estávamos
acostumados a fazer. Somos seres de asfalto. No máximo, de paralelepípedos.
Mas, rapidamente, me acostumei. E o grupo que chegara comigo,
composto de representantes de ONGs e de instituições governamentais, todos
também usuários de internet, elevadores e condomínios onde não se aprende a
viver fazendo contato real com tudo o que nos cerca, se viu, de repente,
forçado a olhar... para o céu.
Pouco havia para se fazer a não ser conversar, trocar
impressões sobre aquela incrível viagem.
As estrelas pareciam nos buscar e querer entrar na conversa.
Estávamos alimentados, havia alguma cerveja (quente), e nada
mais. Excitados com a viagem, desconhecendo o local onde aportáramos, é de se
imaginar que seria difícil dormir.
As redes foram sendo instaladas com apoio das pessoas que
moram ali e que têm, por isso, uma tremenda naturalidade para lidar com aquilo
que, para nós citadinos, era uma enorme privação.
No fim das contas, acabamos muito mais próximos uns dos
outros do que se estivéssemos num auditório confortável de um hotel
confortável, aclimatados, com luzes a nos fazer uma arredoma.
Não foi uma noite tranquila, estive atenta a ruídos estranhos,
como era de se prever.
Aprendemos ali, com base naquela incrível vivência, sobre o
quanto nos distanciamos de um jeito natural de viver.
E durante a conversa acompanhada pelas estrelas refletimos,
ainda me lembro, sobre a verdadeira potência do humano.
Quem é mais potente? Aquele que se habitua a se movimentar
sobre quatro rodas, que não se distancia do dispositivo eletrônico, que depende
quase visceralmente da energia elétrica e dos confortos que este way olf life
proporciona? Aquele que sabe se virar no escuro em plena Amazônia e cria, a
todo momento, por pura necessidade, formas variáveis e singulares de vida?
Na sequência deste pensamento, consigo arranjar uma deriva
que me leva a reflexões sobre o consumo, sobre o papel das cidades, sobre o
desenvolvimento, verdadeiramente, sustentável.
Não há espaço, nesta reflexão, para polarização. Portanto,
paro por aqui.
Ninguém é mais ou menos, apenas um.
Mas a proposta é liberar a possibilidade de sermos
múltiplos, de abandonarmos a escravidão deste ou daquele jeito de viver.
Compartilho com vocês este momento solitário e silencioso. O
som ao redor não se compara ao da Amazônia noturna. Mas a memória me levou lá.
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