Foto: Corpo de Bombeiros/MG – EBC
[EcoDebate ]
As recentes tragédias de Mariana ,
Brumadinho , os
problemas ocorridos e anunciados com viadutos em São Paulo, e tantos eventos da
mesma natureza já ocorridos no país, em que são contabilizados um enorme número
de mortos e prejuízos sociais incalculáveis, têm suscitado diversas avaliações
focadas nos mais diversos aspectos técnicos e gerenciais envolvidos.
Neste artigo
abordo um desses aspectos, que me parece um dos fundamentais, o qual não tem
sido objeto dessas avaliações, qual seja o ambiente de obra, ou o ambiente
empresarial, que sabidamente fortemente influi no tipo e na qualidade das
relações entre os empregados, em nosso caso, profissionais de engenharia
(engenheiros, geólogos, etc.), e a Diretoria da empresa. E, dentro do mesmo
cenário, nas relações entre empresas especializadas contratadas e a contratante
proprietária da obra.
É natural e
compreensível o fato do profissional técnico do quadro da empresa cultivar a
expectativa de sua ascensão hierárquica/salarial no âmbito do organograma
empresarial. Alguns valores exigidos para essa ascensão lhe são óbvios e/ou lhe
são instilados pela cultura interna da empresa: dedicação, competência,
disponibilidade, sociabilidade, responsabilidade, capacidade de liderança, e
outros do gênero. Além desses há alguns mais sutis: caracterizar-se por trazer
soluções e não problemas e, com destaque, considerar-se e ser considerado parte
“do time”, ou seja, um profissional que se destaque por, em qualquer
circunstância, “fazer o jogo da empresa”.
No caso de
empresas contratadas pela empresa proprietária da obra dá-se algo semelhante. À
contratada interessa a melhor relação possível com seu cliente, situação em que
lhe serão garantidos novos e importantes contratos. Nesse contexto busca naturalmente
cumprir valores essenciais para suas expectativas: competência, confiabilidade,
presença, confidencialidade. Da mesma forma, poder ser considerada “parte do
time” e, em qualquer condição, “fazer o jogo da empresa contratante”.
Esse
ambiente empresarial e de obra, ainda que não explicitado e muito estudado, é
conhecido por todos que, de alguma forma, lidam com obras de engenharia.
Pode-se dizer até que, respeitados certos limites (aqui mora o “X” do problema)
componha um elenco de condutas compreensíveis e até aceitáveis. Decisão
dificílima, tanto por parte do profissional empregado da empresa proprietária
da obra, como por parte de uma empresa por essa contratada, é estabelecer e
atender os limites de ordem ética e de ordem técnica, aqui em especial aqueles
que se colocam na esfera da segurança e da assunção de riscos de acidentes.
Vamos a um
exemplo prático para melhor entendimento dessa equação. Um geotécnico da
empresa proprietária da obra alerta em uma reunião com sua chefia sobre a
urgente necessidade de ser tomada determinada providência técnica para que não
sejam surpreendidos por um grave acidente. Como a providência envolve custos a
diretoria pede estudos complementares.
A variável
tempo corre inexoravelmente. Feitos esses estudos, o profissional repete seu
alerta. Sua chefia lhe recomenda que não faça nada por escrito, ou
documentadamente, as comunicações verbais bastariam. Inicia-se um processo
interno interminável de aprovação de verbas e serviços e o profissional tem
plena consciência de que a probabilidade de um acidente aumenta
consideravelmente.
Ele tem
ganas de emitir por escrito um alerta à sua chefia e à Diretoria da empresa,
mas ao mesmo tempo avalia que se assim agir deixará de imediato de ser
considerado como “parte do time”, e iriam por terra seus sonhos de progressão
hierárquica e salarial dentro da empresa, e quem sabe teria até que contar com
a possibilidade de uma demissão, obviamente debitada a um exercício de
“remanejamento interno de equipes”.
Como, no
caso da empresa contratada, dadas as mesmas circunstâncias, iriam para o espaço
suas expectativas de novos e vitais contratos. No campo da ética profissional
poderíamos elencar vários outros exemplos de incompatibilidade entre o que
seria técnica e legalmente correto e os interesses mais imediatos da empresa
proprietária da obra, situação que também exigiria do profissional ou da
empresa contratada, em obediência aos códigos de conduta informais
prevalecentes no ambiente empresarial, uma decisão de anuência e compartilhamento
com uma ilegalidade ou com uma agressão a princípios éticos que deveriam ser
devidamente assumidos e praticados.
Exemplo que
se tem tornado muito frequente decorre de decisões empresariais de redução de
despesas, o que acaba contaminando o ambiente de uma obra de uma quase disputa
entre profissionais e equipes na busca de resultados financeiros de grande
agrado para a direção da empresa proprietária da obra. É fácil deduzir os
enormes riscos para a segurança que naturalmente decorrem de um ambiente de
obra assim contaminado.
Fato real é
que em grande parte dos acidentes e tragédias ocorridos em obras de engenharia
no Brasil são explicados, ao menos em boa parte, por circunstâncias próximas às
descritas, ou seja, pela prevalência de ambientes de obra constrangedores de
uma atitude mais ousada, firme e insistente de profissionais do quadro ou de
empresas contratadas no apontamento de disfunções técnicas que possam levar a
situações de risco e na persistência por exigências de sua pronta correção e
eliminação.
Como
enfrentar esse problema? Aqueles que tem uma maior intimidade com os ambientes
empresariais sabem perfeitamente da ingenuidade em se esperar que algo de muito
substancial seja alcançado via uma alteração comportamental unilateral dos
profissionais empregados e de empresas contratadas. Empregos, carreiras,
contratos, situações familiares estão em jogo, o que, particularmente em um
país com fraco desenvolvimento econômico, conta muito.
Por diversas razões um caminho culturalmente também
dificultoso, a alternativa de uma profunda e corajosa decisão das direções
empresariais no sentido de dotar seus ambientes de obra e seus códigos de
conduta de atributos incentivadores de atitudes mais ousadas e firmes de
profissionais e empresas contratadas no apontamento de riscos técnicos e da
necessidade de prontas medidas de segurança, promete ser mais promissora para
resultados mais rápidos e virtuosos.
Os enormes
desgastes financeiros e de imagem institucional derivados de acidentes como os
que temos testemunhado, assim como a eventualidade de penalizações criminais
envolvendo proprietários da empresa, jogam, a favor dessa possibilidade.
Muito colaboraria
também para um melhor equacionamento da variável abordada nesse artigo uma
atenção maior das associações técnicas do campo geotécnico, como a ABMS e a
ABGE, na discussão e trato do tema aqui focado, qual seja o ambiente de
trabalho imperante nas frentes de obra e sua influência na menor ou maior
atenção com a excelência técnica e com a segurança.
Ex-Diretor de Planejamento e
Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de
Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do
Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas
e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”,
“Cidades e Geologia”
Consultor em Geologia de
Engenharia e Geotecnia
Colaborador e Articulista do
EcoDebate
Artigo
enviado pelo Autor e originalmente publicado no CGN.
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