Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“70% do corpo humano é feito de água e 70% da superfície da Terra é coberta pela água”The Economist (28/02/2019)
[EcoDebate] A Terra possui muita água
(pelo menos quando comparado com outros planetas). Mas os oceanos
salgados respondem por 97,5% de todos os recursos hídricos. Outros 1,75%
estão congelados, nos polos, nas geleiras, nos glaciares e no
permafrost. Assim, a humanidade e as demais espécies vivas da Terra
contam com apenas um montante de 0,75% de água potável para o consumo
global.
A
água potável era suficiente para manter a vida florescendo e
prosperando no Planeta, durante milhões de anos. Mas o crescimento da
população humana (de cerca de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 8
bilhões de habitantes em 2023), aliado ao crescimento da economia e do
padrão de consumo transformaram a água potável em uma commodity e em uma
mercadoria comercializada ao sabor do mercado, ignorando o direito à
água por parte de todos os seres vivos e o direito da própria água. Os
problemas, que já são graves hoje em dia, serão agravados em decorrência
das mudanças climáticas.
O
relatório, “Climate change and population growth are making the world’s
water woes more urgent”, da revista britânica, The Economist
(28/01/2019), mostra que o mundo já está passando por uma situação de
estresse hídrico desesperadora. Um quarto da humanidade – 1,9 bilhão de
pessoas, sendo 73% delas na Ásia – vivem em áreas onde a água é
potencialmente escassa. O número de pessoas que enfrenta escassez quase
duplica se contar aqueles em risco pelo menos um mês por ano. Enquanto
isso, o uso global da água é seis vezes maior do que há um século – e
estima-se que aumente de 20 a 50% até 2050.
O
mundo atual já oferece amplos exemplos de devastação ambiental que
servem como um aviso de que o uso da água tem seus limites naturais. Por
exemplo, barcos estão encalhados no meio do nada, em meio às águas
desaparecidas do que já foi o quarto maior lago salino do mundo, o Mar
de Aral, entre o Uzbequistão e o Cazaquistão. No ano passado, a Cidade
do Cabo, na África do Sul, evitou apenas por pouco o prêmio indesejado
de ser a primeira das grandes cidades do mundo a ficar sem água. Quando a
chuva finalmente quebrou o ciclo de uma seca de três anos, os níveis de
água nos reservatórios que abasteciam a cidade haviam caído para menos
de 20%, e autoridades estavam discutindo a possibilidade de rebocar um
iceberg da Antártida para fornecer água para beber. Quatro anos antes,
São Paulo também ficou à beira do abismo, com reservatórios reduzidos a
5% da capacidade.
O
volume de água utilizado globalmente – cerca de 4.600 quilômetros
cúbicos por ano – já está próximo do máximo que pode ser sustentado sem o
encolhimento perigoso dos suprimentos. Um terço dos maiores sistemas de
águas subterrâneas do mundo correm o risco de secar. Portanto,
estima-se que o número de pessoas que vão viver sob forte estresse
hídrico suba para 3,2 bilhões até 2050, ou 5,7 bilhões considerando a
variação sazonal. E eles não estarão apenas em países pobres, conforme
mostra o mapa acima. A Austrália, a Itália, a Espanha e até mesmo boa
parte dos EUA sofrerão severa escassez de água. China e Índia – os dois
países mais populosos do mundo vão sofrer com a falta d’água e, também,
com o derretimento dos glaciares do Himalaia.
Outro
exemplo: o Nilo, o maior rio da África, não consegue mais atender a
demanda populacional e econômica do continente. A bacia hidrográfica do
rio Nilo, abrange uma área de 3.349.000 km² e não dá conta de abastecer
as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem
de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia,
República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e
Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4
milhões em 2010, devendo chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de
habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações
Unidas.
Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e
ambiental são, cada vez mais, graves na região. A capacidade de carga
da bacia hidrográfica do rio Nilo já não suporta o consumo da população
atual e suas necessidades econômicas. Já existem diversos conflitos pela
disputa da água entre os povos e os países e até uma ameaça de guerra
entre o Egito e a Etiópia por conta da construção da barragem do
Renascimento Etíope, no Nilo azul.
No
dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água. Esta data foi
criada com o objetivo de alertar a população mundial sobre a importância
da preservação da água para a sobrevivência de todos os ecossistemas do
planeta. O Dia Mundial da Água foi instituído pela Organização das
Nações Unidas (ONU), através de resolução em 21 de fevereiro de 1993,
determinando que o dia 22 de março seria a data oficial para comemorar e
realizar atividades de reflexão sobre o significado da água para a vida
na Terra.
Neste mesmo dia, a ONU lançou a Declaração Universal dos Direitos da Água, que apresenta entre as principais normas:
-
A água faz parte do patrimônio do planeta;
-
A água é a seiva do nosso planeta;
-
Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados;
-
O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos;
-
A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores;
-
A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo;
-
A água não deve ser desperdiçada nem poluída, nem envenenada;
-
A utilização da água implica respeito à lei;
-
A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social;
-
O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
Na
ilustração abaixo, a esfera à esquerda representa a Terra com toda a
água removida. A esfera azul à direita mostra o volume aproximado de
toda a água da Terra. O minúsculo ponto azul na extrema direita
representa a água doce disponível no mundo. Ainda segundo o Serviço
Geológicos dos EUA, outra maneira de visualizar é representando o
tamanho da Terra com uma bola de basquete, toda a água do planeta como
uma bola de pingue-pongue e toda a água doce disponível seria menor do
que um milho de pipoca.
Como
se diz: “As guerras do passado foram por terra, as guerras do presente
são por petróleo e as guerras do futuro serão por água”. Mas com ou sem
guerras, o fato é que os recursos hídricos estão ficando cada vez mais
escassos para a humanidade e ainda mais escassos para a biodiversidade.
Principalmente, falta políticas adequadas de gestão dos aquíferos e das
bacias hidrográficas. Falta também questionar o crescimento econômico
pelo crescimento que aumenta a demanda mundial pela água e agrava os
problemas de poluição. O que o mundo precisa é mudar o modelo de
desenvolvimento marrom e dar início a uma Revolução Azul, para preservar
as águas e a vida na água, reduzindo a acidez e ampliando a
biodiversidade aquática. O mundo precisa oxigenar a vida política e
oxigenar biologicamente a Terra, o Planeta Azul.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2019
"Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/22/crescimento-populacional-e-mudancas-climaticas-vao-aumentar-o-estresse-hidrico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
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