Alteração do Código Florestal é inconstitucional e trará prejuízos ao Brasil
Especialistas reafirmaram hoje posições contrárias ao texto atual, que pode ser votado a qualquer momento na Câmara dos DeputadosRenata Andrada Peña
A aprovação do relatório do deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR) sobre a Medida Provisória 867/2018, que pode ser votada a qualquer momento na Câmara dos Deputados, além de retrocesso ambiental trará prejuízos legais e econômicos graves para o país. A posição unânime foi reafirmada hoje por juristas, ambientalistas e representantes do agronegócio em audiência pública organizada pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.
O diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Raul do Valle, presente no evento, defendeu que o texto atual da MP 867 não é uma mera interpretação da lei, mas sim uma mudança de regra antidemocrática. “Este parlamento aprovou o Código Florestal (CF) e o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou. Eu não fiquei satisfeito na época e certamente não foi possível atender a todos, mas devemos cumprir a lei. Modificar o Código Florestal antes que ele seja efetivamente implementado significa que não há segurança jurídica neste país. Os acordos têm que prevalecer. Ainda mais acordos estabelecidos de forma democrática”, disse Valle. Para o representante do WWF-Brasil, os retrocessos ambientais não deveriam ocupar pauta, mas sim os avanços: “Deveríamos hoje em dia estar discutindo formas de incentivar os produtores, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e não retrocessos”.
André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) – responsável por 60% da comercialização de grãos no Brasil e exportação de produtos industrializados de soja para Europa e China - também considera inconcebível a modificação do Código Florestal por meio do atual relatório da MP 867: “o Código Florestal precisa ser fortalecido. Não podemos reabrir discussões que o STF já fechou”. Para Nassar, o texto atual da MP 867 traz equívocos. “É um erro tirar o prazo do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Nós da indústria, por exemplo, podemos fazer o controle do desmatamento porque o CAR serve de base de dados para implementação de políticas de sustentabilidade. Tirar o prazo é uma sinalização muito ruim e gera uma reação em cadeia de enfraquecimento do Código Florestal”, disse o representante da Abiove.
Opinião dos juristas
O juiz do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, Gabriel de Jesus Tedesco, começou sua intervenção lembrando que o Brasil lidera o ranking de perda de perda de florestas primárias e já sofre com as mudanças climáticas por meio de secas, enchentes e deslizamentos. “É preciso entender que prejudicar o meio ambiente gera prejuízos e não lucros. Não podemos tolerar retrocessos porque o meio ambiente é um direito fundamental dos brasileiros, garantido pela Constituição Federal de 1988 e isso não é questão ideológica. É questão de bom censo”, disse o juiz.
Paulo Sergio Ferreira Filho, procurador da Procuradoria Geral da República (PGR) afirmou que abrir precedentes legais, é perder credibilidade. “Toda vez se muda um marco legal há um custo reputacional. O Estado brasileiro perde reputação e perde a credibilidade”, afirmou o procurador. “É necessário lutar pela revogação da MP 867 e aplicar efetivamente o Código Florestal, já aprovado democraticamente por este parlamento”, completou.
“É um consenso que há um retrocesso ambiental enorme”, disse Cristina Seixas Graças, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa). Para a integrante do MP, a Constituição não está sendo cumprida: “não estamos cumprindo com o nosso compromisso com uma sociedade sustentável, com vegetação nativa e ambiente saudável não só para os homens, mas para todos os seres vivos. O Brasil deve assumir seus compromissos irrenunciáveis e o meio ambiente é um deles, garantido pela Constituição”. Sobre o texto atual da MP 867, disse que é um desestímulo à conservação ambiental. “É quase uma desobediência civil. Estamos destruindo o Código Florestal completamente e com o que ele propunha: conservar o solo, os recursos hídricos, a biodiversidade e as funções ecológicas”.
O texto da MP 867/2018
O texto original da MP, enviado ao Congresso pelo governo Michel Temer, apenas ampliava o prazo para a adesão dos produtores rurais aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) até dezembro de 2019. O relator, no entanto, acatou 30 emendas sem relação direta com o assunto - os chamados “jabutis”, vetados pelo STF, como por exemplo a anistia a quem desmatou na Reserva Legal (RL) do imóvel rural até 1989, no Cerrado, e até o ano 2000, na Caatinga, Pampa e Pantanal. O relatório de Souza propõe ainda acabar com o próprio prazo para a entrada nos PRAs. Esses programas foram criados pela Lei 12.651/2012 e preveem um conjunto de ações que todo produtor rural deve realizar para regularizar ambientalmente sua propriedade, como a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Os programas devem ser regulados e administrados pelos Estados.
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