Com mineração, “vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José? artigo de Gilvander Moreira
Com mineração, “vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?”
Com o Tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum”, e o Lema “Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?”
aconteceu em Itabira, MG, a 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do
Rio Doce, dia 02 de junho de 2019, domingo. Participaram cerca de 10
mil pessoas, romeiras e romeiras da mãe terra e da irmã água, todos/as
irmanadas/os na defesa da nossa única Casa Comum: o planeta Terra.
Com
dois caminhões de som interligados, com a presença do cantor e
compositor das CEBs, Zé Vicente, com músicas proféticas, com gritos de
luta, com palavras de pessoas golpeadas pela mineração, durante toda a
manhã de ontem, 02 de junho de 2019, por muitas ruas e avenidas de
Itabira, aconteceu a 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio
Doce.
E aconteceu com a presença de Nossa Senhora Aparecida, de São
Francisco de Assis (patrono da Romaria das Águas e da Terra), com um
grande cruzeiro que foi carregado solidariamente e ao final da Romaria
fincado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, na Praça José
Máximo Resende Filho, em Itabira, que será o símbolo ad eternum
dessa 4ª Romaria. Deixamos plantadas na portaria da mina Cauê, da
mineradora Vale, em Itabira, mais de 300 cruzes, cada uma com o nome de
um/a dos/as mártires das mineradoras VALE/SAMARCO/BHP e Estado.
Ao final
da Celebração Eucarística da 4ª Romaria, foram distribuídas mais de 300
mudas de plantas nativas, cada uma também com o nome de um/a dos/as
mártires dos crimes/tragédias das mineradoras/Estado e levadas pelas
romeiras e romeiros para serem plantadas e cuidadas. Isso é sinal de que
a luta conjunta de todas as forças vivas da sociedade vencerão essa
máquina de guerra devastadora que está em ação sob a liderança da
mineradora Vale e outras mineradoras, com a cumplicidade do Estado:
poderes executivos, legislativo e judiciário em todos os níveis, salvo
raras exceções. E, obviamente, com o respaldo do poder midiático.
Sob
a batuta da classe dominante, as mineradoras, em conluio com o Estado
Brasileiro, estão fazendo guerra contra os povos, contra a mãe terra,
contra a irmã água, contra todos os seres vivos e contra as futuras
gerações. Os megaprojetos de mineração chegaram à exaustão e estão
causando o colapso das condições materiais de vida. Não dá mais para
tolerar essa máquina assassina que é o sistema capitalista, com
agronegócio, monoculturas e mineradoras espalhando terror nos
territórios como dragão do Apocalipse.
Essa
4ª Romaria oxigenou com espiritualidade profética as milhares de
pessoas que dela participaram. Vimos e experimentamos que a terra natal
do poeta Carlos Drumond de Andrade e o berço da mineradora Vale,
Itabira, se tornou uma cidade dentro de crateras da mineração, sempre
coberta pela poeira tóxica e por resíduos de minério que a gente vê a
todo instante nas ruas, nas calçadas e sobre as casas. Segundo pesquisas
da Universidade de São Paulo (USP), Itabira se tornou uma das cidades
do Brasil campeã em número de pessoas com depressão e em número de
suicídio, tudo isso consequência da exploração de minério. Mas também
Itabira está se tornando uma cidade cada vez mais com um povo lutador
pelos seus direitos.
Com
alegria, socializamos, abaixo, duas pérolas proféticas da 4ª Romaria
das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce: um pequeno texto de Zé
Vicente e a Carta da 4ª Romaria.
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Se a gente se calar, as pedras vão gritar! Se a gente se dividir, as pedras vão se unir!
Por Zé Vicente, cantor e compositor das CEBs
Ontem,
dia 02 de junho de 2019, pela manhã, nas grandes avenidas e na rodovia
que circunda a mina controlada pela mineradora Vale, em Itabira, MG,
mais de dez mil pessoas marcharam, mostrando que somos e seremos cada
vez mais um povo unido. Gritamos, como, e com a força das pedras e
montanhas de nossa terra, por Vida, com justiça. Pelos direitos
sagrados, humanos e ambientais.
Aqui
na casa do Poeta Carlos Drumond de Andrade, entendi melhor o seu poema:
” No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do
caminho… No meio do caminho tinha uma pedra…” Sim, querido poeta,
unidos seremos a Pedra no sapato e nas consciências dos tecnocratas e
magnatas do mercado e dessas Vales sem escrúpulos e, desses que vendem
nossas fontes de água e de riqueza, que pertencem, em primeiro e
inegociável lugar, ao Povão brasileiro.
Pedra seremos no Caminho do
Sistema que mata e anestesia a mente e a lucidez das pessoas, usando e
corrompendo governos, poderes legislativos, judiciários, grande mídia e
até certos pastores e grupos de influência religiosa, que distorcem e
manipulam a Palavra para abençoar tiranos e corruptos assassinos.
Uma
placa na entrada da Vale usava uma frase de um Salmo bíblico para seu
falso sossego. Vejam nas fotos. Ontem, fizemos história na 4a Romaria
das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce e Dioceses desta Região e da
Vizinhança. Seguiremos, em nome de todas as vítimas dos crimes em
Mariana, Brumadinho e em qualquer lugar de nosso Planeta; com a bênção
de Deus a quem somente daremos a Honra, o Poder e a Glória.
Uma
quaresmeira florida nos sorriu de dentro da mina, sinalizando que
podemos contar com as flores e, com pessoas que, mesmo dentro da
engrenagem, não farão o jogo de seus crimes.
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Carta da 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce
Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum.
Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum.
Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?
Somos um povo peregrino, povo em romaria, em busca da terra prometida, construtor do reinado de Deus, que é um reino “de justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14, 17). Por isso, caminhamos na força de um sonho maior, solidário com todas as pessoas que têm “fome e sede de justiça”,
a justiça do Reino, sempre por ser atingida e realizada. Trazemos nossa
solidariedade com todas as vítimas dos crimes/tragédias socioambientais
provocados pelas empresas mineradoras em nossas Minas Gerais e outras
regiões deste planeta, anunciando-lhes uma boa notícia: “felizes os que choram”.
Suas lágrimas fecundam toda criação, pois “também a própria criação
espera ser libertada da escravidão da corrupção, em vista da libertação
que é a glória dos filhos de Deus” (Romanos 8, 21).
Caminhamos pelas terras sagradas de Itabira, MG, que contêm “noventa por cento de ferro nas calçadas e oitenta por cento de ferro nas almas”,
como canta o poeta. Itabira é a síntese de nosso Estado, a terra
mineira prometida por Deus ao seu povo de ontem e de hoje, conforme
descrita, de forma minuciosa, na Bíblia, em Deuteronômio 8,7-14; 8,19;
29,21-23. Nesse texto sagrado, Deus garante que o seu povo vai encontrar
uma terra boa e com muita água. Terra boa para agricultura e até para a
mineração. E Deus mesmo estabelece um limite para a sua exploração,
mediante normas de conduta que garantam o bem comum, promovam as pessoas
e assegurem a natureza. Quando essas regras são descumpridas, vem a
maldição (29,21-23).
“Olhe! Javé seu Deus vai introduzir você numa terra boa: terra cheia de ribeirões de água e de fontes profundas que jorram no vale e na montanha; terra de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras, terra de oliveiras, de azeite e de mel; terra onde você comerá pão sem escassez, pois nela nada lhe faltará; terra cujas pedras são de ferro e de cujas montanhas você extrairá o cobre. Quando você comer e ficar satisfeito, bendiga a Javé seu Deus pela boa terra que lhe deu. Contudo, preste atenção a si mesmo, para não se esquecer de Javé seu Deus e não deixar de cumprir seus mandamentos, normas e estatutos, que hoje eu ordeno a você”.
Diante
da Palavra de Deus, de sua promessa e de suas advertências, entendemos
que, neste momento histórico, somos desafiados a assumir uma
responsabilidade crítica e propositiva sobre as atividades mineradoras
em nossa região e em nosso planeta. Conscientes de que somos herdeiros
das promessas divinas e de que “O Senhor Deus é nossa força, Ele nos dá
pés ligeiros como os da gazela e nos faz caminhar nas alturas” (Cf.
Habacuc 3,19), subimos ao Pico do Amor, no bairro Campestre e chegamos à
Paróquia Nossa Senhora da Piedade, trazendo os gritos de toda a
população da Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum e os gritos da mãe
terra, assumindo uma verdadeira “conversão ecológica”, como nos adverte o
Papa Francisco: “As religiões
têm um papel fundamental a desempenhar, pois, para garantir um futuro
sustentável corretamente, precisamos reconhecer nossos erros, pecados,
faltas e falhas, o que leva a um sincero arrependimento e desejo de
mudança. Dessa forma, podemos nos reconciliar com os outros, com a
criação e com o Criador“. Somente assim, podemos “nos
comprometer a promover e implementar um desenvolvimento sustentável,
apoiados pelos nossos mais profundos valores religiosos e éticos,
considerando que o desenvolvimento humano não é apenas uma questão
econômica ou dos especialistas: é uma vocação, um chamado que requer uma
resposta livre e responsável de todos, que se desenvolvam em conjunto
com a nossa irmã Terra e nunca contra ela“.
Condenamos
o atual modelo econômico devastador e destruidor, que é voraz,
orientado apenas para o lucro: Vão-se os bens da criação, ficam miséria e
destruição! Propomos uma mudança de paradigma em todas as nossas
atividades econômicas, incluindo a mineração, pois somos responsáveis
por entregar às gerações futuras um mundo melhor do que este que
recebemos. Temos conhecimentos e condições suficientes para reorganizar a
vida em sociedade para além do sistema extrativista, materialista,
individualista e consumista, que quer a todos devorar.
Somos
também solidários com a Igreja Pan Amazônica em seu Sínodo a se
realizar em outubro, na busca de novos caminhos para a Igreja e por uma
ecologia integral.
De Itabira, sob as bênçãos de Deus, renovamos, com esta Romaria, nossas forças e organização, nosso compromisso com a vida, em todas as suas expressões e dimensões, a partir de nossa Bacia do Rio do Doce, nossa Casa Comum.
Itabira-MG, 02 de junho de 2019.
Obs.: O vídeo abaixo ilustra o assunto acima.
1
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI,
SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/06/2019
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