sexta-feira, 31 de julho de 2020

A 'epidemia de abandono' dos animais de estimação na crise do coronavírus

A 'epidemia de abandono' dos animais de estimação na crise do coronavírus

  • 30 julho 2020

Se a pandemia de coronavírus mudou a paisagem urbana das grandes cidades, deixando ruas de todo o país vazias, por outro aumentou o número de animais domésticos abandonados.
Seja pela crise, pelo medo de que cães e gatos transmitam o coronavírus ou pela mudança de vida causada pela pandemia, mais donos de animais de estimação estão se desfazendo dos seus outrora melhores amigos.

Cães Abandonados - Saiba como ajudar | CachorroGato

O cenário é confirmado por organizações não-governamentais, pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e até mesmo pela SaferNet Brasil, organização que monitora conteúdos que violam direitos na internet.

Diretor da ONG Cão Sem Dono, Vicente Define Neto relata à BBC News Brasil que desde o agravamento da pandemia no Brasil tem recebido cerca de 200 e-mails por dia. Em geral, de gente interessada em encontrar novos donos para seus pets. Segundo ele, é um aumento de 40% da procura anterior ao período.

"É um número absurdo", comenta. "E como as ONGs estão todas lotadas, certamente são animais que acabarão sendo abandonados posteriormente."

 Holanda é o 1º país do mundo sem cães abandonados




De acordo com ele, os motivos relatados por quem o procura são, quase sempre, relacionados ao novo coronavírus — ou a crise decorrente da pandemia. "Entre os fatores, estão a perda de emprego e gente que está indo morar de favor com algum parente e não tem como levar o animal."
Fundadora da ONG Cão Sem Fome, Glaucia Lombardi diz à reportagem que tem deparado com cinco vezes mais casos de abandonos de cães do que o normal.

"Estamos vivendo uma situação extremamente complicada, complexa e que não tem prazo para se normalizar", ressalta. Em alguns casos, é a devolução de um animal adotado anteriormente. E até mesmo cachorros de raça definida, que raramente apareciam nos abrigos, estão sendo deixados para trás por seus donos.



"O abandono de cães sempre foi o maior dos problemas que enfrentamos", afirma ela. "Temos de conviver com o desafio de animais largados em praças, estradadas ou desovados nas portas de ONGs ou protetores."





Cortes de gastos

Para Lombardi, o cenário parecia bom no começo da pandemia, quando as pessoas até procuraram adotar mais, "pensando em ter uma companhia" no período de isolamento.
"Então, vieram as péssimas notícias", avalia. "Houve a trágica mentira disseminada de que os cães transmitiam a covid-19. Depois, os problemas econômicos e, da mesma forma como foram cortados gastos extras em todas as famílias, muitas também optaram por não ter mais seus animais de estimação."

Há ainda o caso de animais de estimação cujos donos entraram na extensa lista de vítimas da covid-19. "Meu pai morreu e a gente não quer o cachorro…", exemplifica ela. "Esse motivo foi o que mais cresceu em tempos de pandemia. Com o número de mortos aumentando, o número de animais de companhia que foram descartados pelos familiares dessas pessoas disparou."

Procurado pela BBC News Brasil, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) afirma que "avalia de forma preocupante a situação do abandono de animais de estimação nesta fase de pandemia".
Cães abandonados podem ser uma epidemia. Como salvar a vida destes ...


A reportagem procurou a Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ) de São Paulo, órgão da Secretaria Municipal de Saúde, para confirmar a tendência.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a instituição informou que só recolhe animais abandonados em vias públicas quando estes representam risco para a saúde pública — e indicou que o trabalho é, na maior parte das vezes, realizado por ONGs.

"São considerados riscos para saúde pública: a suspeita de portar ou transmitir zoonoses de relevância, como a raiva ou esporotricose; animais agressivos com histórico de atacar ou morder pessoas; animais que tenham invadido instituições públicas, desde que se enquadrem nos riscos citados; animais em sofrimento nas vias públicas quando necessária a realização de indução de morte sem dor (eutanásia)", esclarece a divisão, em nota.

Considerando essas atuações específicas da DVZ, o número de cães recolhidos de março a julho deste ano é inferior ao mesmo período do ano passado — 145 versus 216. Mas os dados deste mês podem indicar uma tendência de alta. Em julho de 2019 foram retirados pelo órgão 33 cachorros das ruas de São Paulo. Neste mês de julho, até o dia 27, o número já era de 57.

Maus tratos

Dados obtidos com exclusividade junto à organização SaferNet Brasil também indicam um aumento de conteúdos na internet demonstrando ou incitando maus tratos a animais durante o período da pandemia.

Entre 15 de março de 30 de junho deste ano foram registradas pela entidade 482% mais denúncias sobre o tema em comparação com o mesmo período do ano passado.

De acordo com relatos dos ativistas, o estresse causado pela situação atual de isolamento social, confinamento e toda a negatividade resultante da pandemia pode encontrar no animal um bode expiatório.




Orientações

"O abandono acarreta em prejuízos para a saúde pública, já que pode ocorrer um aumento nos casos de zoonoses, como a raiva, a leishmaniose, esporotricose, verminoses, entre outras", ressalta a médica veterinária Kellen Oliveira, presidente da Comissão Nacional de Bem Estar Animal do CFMV e professora da Universidade Federal de Goiás.

"Ainda pode aumentar a população de rua, já que muitos não são castrados e se reproduzem livremente. Além, é claro, de acidentes automobilísticos, brigas entre os animais e mordidas em humanos."

Oliveira afirma que o conselho tem acompanhado junto a ONGs, centros de controles de zoonoses e bombeiros a situação atual no Brasil. "Eles têm relatado o aumento no número de chamadas para resgates de animais doentes, fêmeas gestantes ou recém-paridas, ou mesmo animais atropelados", diz.
A veterinária lembra que, de acordo com os estudos científicos atuais, não há evidências de que um animal de estimação transmita a nova doença para um humano.

"Até o momento, não há dados científicos de que animais de estimação, como cães e gatos, transmitam a covid-19. Os relatos existentes de animais que contraíram a doença ocorreram, em sua maioria, por transmissão de um humano doente para o animal", ressalta a veterinária.

Há recomendações para famílias que têm animais de estimação sobre como agir em caso de alguém com sintomas ou diagnóstico positivo para o coronavírus. "Afastar-se do animal, evitar tocar, beijar, espirrar tossir próxima ao animal, até a resolução do problema", enumera Oliveira.

Já no caso de quem está convencido que se desfazer do bicho é a melhor solução, os ativistas acreditam que há pouco o que fazer. "Sobre abandono ou devolução de um animal adotado não há muito o que orientar", admite Lombardi.

"Quando a pessoa chega para a ONG ela já está convicta da decisão. Nunca tivemos um caso de conseguir reverter o processo. A pessoa se coloca no papel de vítima, tentando nos convencer que sua razão é justa e ainda achando que está fazendo um favor em nos trazer o cão em vez de abandoná-lo em qualquer estrada."

Ela ressalta que "abandono de animais é crime, previsto por lei". "Mas apesar disso o que mais sofremos é ameaças e sabemos que se não for acolhido por nós, será descartado para morrer em qualquer lugar, colocado no lixo ainda vivo, jogado no rio ou amarrado no meio do mato para morrer de fome e sede, só para citar algumas situações corriqueiras com as quais nos deparamos", relata.





Abrigos

A situação de ONGs e abrigos para animais sofre os efeitos econômicos da pandemia. Com cerca de 600 animais, a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), em São Paulo, mantém-se basicamente graças a uma clínica veterinária.

"O movimento despencou [após o início da pandemia] e ficamos assustados", conta à reportagem Vanice Teixeira Orlandi, presidente da instituição. "Então experimentamos muita solidariedade das pessoas, recebemos bastante doação de ração e fizemos uma vaquinha, conseguindo arrecadar 25 mil reais."

Ativistas e especialistas lembram, contudo, que conseguir descartar um animal em um abrigo não é menos grave do que abandoná-lo. "Eles são seres sencientes, ou seja, têm capacidade de sentir e, com isso, o abandono ou troca de família pode gerar traumas e, consequentemente, o desenvolvimento de determinadas compulsões como ansiedade e agressividade", explica a veterinária Oliveira.

"Pedimos sempre para que as pessoas tenham um pouco de paciência com seus animais. Em abrigo ele não vai ter uma vida boa, vai ter uma vida difícil. Quando ele entra em um abrigo, vai ter de disputar espaço com outros cães, e com a lotação máxima de tanto abandono recente, isso vai ser ainda pior", afirma Define Neto.

Lombardi lembra que há uma "certa cultura" de que "abandonar em um abrigo não é abandono".
"Se isso alivia erroneamente a crise de consciência da pessoa, eticamente não há nenhuma diferença. Continua sendo abandono e dos mais cruéis. Imagina um animal que conheceu minimamente o que é ter uma casa, se ver jogado em uma baia de abrigo, tendo que disputar espaço, comida, muitas vezes escassa, e atenção com dezenas de outros cães. Muitos morrem de depressão, ou de doenças causadas pelo convívio coletivo, que o cão não tem imunidade", argumenta.

"Outros morrem porque não conseguem se adaptar à nova vida, não conseguem se alimentar, ou acabam se envolvendo em brigas, muitas vezes fatais."

ONG acha animais abandonados em abrigo mantido por João de Deus


A Cão Sem Fome também relata problemas com as contas durante esse período. "Houve um aumento significativo de gastos com os animais, tanto os que já tínhamos — cerca de 500 — como os que entraram. E, ao mesmo tempo, uma extrema redução nas doações e em qualquer ajuda que poderíamos ter", conta Lombardi, relatando que o trabalho triplicou "e está incrivelmente complicado".

"As doações sofreram uma queda imensa, tanto em dinheiro como em produtos — ração, vacinas, castração, material de higiene, cobertores, jornais", diz ela. "Temos notícias de protetores que estão dando um dia de ração e um, ou até dois, de pão para os animais. Ninguém dá conta de tanto abandono."

Define Neto conta que a Cão Sem Dono também está sofrendo financeiramente. Cerca de 30% dos doadores fixos mensais decidiu suspender os pagamentos por conta da crise do coronavírus. "Estamos nos virando do jeito que dá", diz.




Adoções

Para piorar o cenário, as tradicionais feiras de adoção não estão ocorrendo de forma presencial por conta da pandemia. A solução tem sido recorrer à internet. A Cão Sem Dono montou um sistema batizado por eles de delivery.

"A pessoa escolhe o animal em nosso site, fazemos a entrevista por WhatsApp, verificamos as informações com o Google… Dando certo, levamos o animal até a casa da pessoa", resume Define Neto.

Quando tem sido procurado por aqueles que querem se desfazer dos seus bichos de estimação, esta é a orientação que ele procura dar: tire uma foto bonita e publique nas redes sociais.

"Infelizmente, a maior parte não faz isso. A gente até oferece a ajudar a divulgar, mas não adiante: a maioria não faz por vergonha dos amigos e parentes", comenta ele.

A UIPA afirma que a pandemia tem feito aumentar a procura por adoções. Segundo Orlandi, houve um aumento de interesse em 400% — resultando em duas vezes mais adoções realmente efetivadas.
"Momentos de crise fazem com que as pessoas adquiram novos hábitos. E a ideia de um animal de estimação, para muitos, está relacionada a uma companhia, a uma casa mais alegre. Isso favorece", acredita Orlandi.




Órgão da prefeitura de São Paulo que promove a adoção de animais abandonados, a Coordenadoria de Saúde e Proteção ao Animal Doméstico (Cosap) relata que neste ano conseguiu viabilizar a adoção de 71 cachorros e 118 gatos, dados até o mês de junho. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, o número é inferior ao mesmo período de 2019.

"No início da pandemia, a coordenadoria percebeu um aumento expressivo no número de visitas de famílias a sede, porém, infelizmente, foi notado que a intenção das visitas era somente de passeio, e não de adotar um animal", informa, em nota enviada à BBC News Brasil, a instituição.

"Visando à proteção de todos, a Cosap fechou a sede para visitas, evitando aglomerações e pensando em novas maneiras dos interessados conhecerem os animais que aguardavam adoções. Assim, foi implantado o sistema que permite ao munícipe ver fotos, conhecer um pouco melhor a personalidade de cada animal, preencher um formulário com as suas características do adotante e, após essa triagem, agendar uma visita pessoal. Atualmente, cerca de 90% das pessoas que agendam visitas no centro, adotam um animal."

Atualmente, a Cosap tem 236 animais disponíveis para adoção — 160 cães, 69 gatos, cinco cavalos e dois porcos.



Lobo-guará, o 'semeador de árvores' ameaçado na natureza e homenageado em nota de R$ 200

Lobo-guará, o 'semeador de árvores' ameaçado na natureza e homenageado em nota de R$ 200

  • Há 4 horas

Tornar-se o símbolo da cédula mais valiosa no Brasil contrasta com a realidade do lobo-guará. O animal que estampará a nota de R$ 200 tem passado por uma fase de pouca valorização: perdeu parte de sua população nas últimas décadas, tem sido alvo constante de produtores rurais e viu o seu território ser tomado pelo agronegócio.

O maior canídeo silvestre da América do Sul vive em risco constante. Um dos principais símbolos do Cerrado, o lobo-guará foi duramente afetado pela constante expansão do agronegócio no bioma.
Classificado pelo Ministério do Meio Ambiente como uma espécie vulnerável, em uma lista de animais ameaçados de extinção, o lobo-guará é considerado inimigo por muitos proprietários de áreas rurais. Com frequência, o animal é morto a tiros. Outro risco está nas rodovias; há diversos registros de canídeos que morreram atropelados.
Há mais de duas décadas, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) classifica o lobo-guará como uma espécie "quase ameaçada".

Especialistas apontam que, diante dos frequentes problemas causados por intervenção humana, a população de lobos-guarás no Brasil reduziu cerca de um terço nas últimas duas décadas. A estimativa atual, segundo estudiosos, é de que haja cerca de 24 mil animais no Brasil, que correspondem a cerca de 80% da população mundial — eles também estão em países como Argentina, Uruguai, Bolívia e Peru.




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Desmatamento na Amazônia e as mudanças climáticas estão secando o resto do Brasil


Desmatamento na Amazônia e as mudanças climáticas estão secando o resto do Brasil


IHU
Nos últimos dois anos, a seca tem atingido gravemente boa parte do Brasil. As regiões Centro-OesteSul e uma parte do Sudeste, incluindo o estado de São Paulo, apresentam chuvas abaixo da média histórica, aponta um boletim do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
A reportagem é de Sibélia Zanon, publicada por Mongabay, 28-07-2020.
Sobradinho – No maior reservatório do Nordeste, nível da água atingiu o menor patamar dos quase 40 anos da barragem de Sobradinho
Sobradinho – No maior reservatório do Nordeste, nível da água atingiu o menor patamar dos quase 40 anos  da barragem de Sobradinho. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil) 


É um fenômeno que começou ficar mais evidente em 2012. “A seca começou no Nordeste e durou quase sete anos de forma muito severa”, diz a pesquisadora Adriana Cuartas, do Cemaden. “Depois, em 2014, o abastecimento de água na área metropolitana de São Paulo ficou em condições críticas. Agora, as preocupações estão voltadas para o Sul, onde há quase dois anos as chuvas estão abaixo da média.”


O cientista Antonio Donato Nobre, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, é enfático. “A América do Sul está secando devido aos efeitos combinados do desmatamento e das mudanças climáticas”, diz.
SPI, ou Índice de Precipitação Padronizada, é o índice utilizado para monitoramento das condições de chuva
SPI, ou Índice de Precipitação Padronizada, é o índice utilizado para monitoramento das condições de chuva. Os mapas mostram chuvas muito abaixo da média nos últimos 12, 18 e 24 meses. Valores negativos, abaixo de -1, representam seca. (Fonte: Cemaden)


A falta de chuvas impacta de imediato a agricultura. A seguir, vem o abastecimento de água e a geração de energia. Diversos reservatórios de usinas hidrelétricas vêm sofrendo com baixos níveis de armazenamento – Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo, entre eles. “A água que vem dos rios para o reservatório está abaixo do mínimo já registrado desde 1993. É uma situação bem crítica”, alerta Adriana Cuartas. “A bacia do Itaipu não é usada só para a geração de energia, mas também para abastecimento.”

Recentes chuvas no Sul podem trazer alívio temporário para a agricultura, mas as condições hídricas demoram a voltar ao normal. “Seria preciso chover vários meses na média, ou acima dela, para o sistema hídrico começar a se recuperar e voltar aos níveis esperados”, diz Adriana.


agronegócio vem sofrendo prejuízos decorrentes da seca, mas também é causador das alterações do regime hídrico. O desmatamento na Amazônia, voltado para pecuária, agricultura e exploração madeireira, impacta na diminuição de chuvas no Brasil e em outros países da América Latina. Com o desmatamento crescente na Amazônia, o agronegócio e a geração de energia podem entrar em colapso no Brasil.

Floresta Amazônica funciona como um sistema de refrigeração. Uma árvore robusta, com seus 20 metros de copa, bombeia por volta de 1.100 litros de água para a atmosfera em um único dia. Essas massas de ar com o vapor da transpiração da floresta, os chamados “rios voadores”, transportam umidade da Bacia Amazônica até o Centro-OesteSudeste e Sul do Brasil, e países vizinhos. Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar. E seca.

Grandes concentrações de umidade se formam na Amazônia e regulam o sistema de chuvas em boa parte do Brasil
Grandes concentrações de umidade se formam na Amazônia e regulam o sistema de chuvas em boa parte do Brasil. O desmatamento na floresta altera a circulação dos chamados “rios voadores”. (Foto: Eduardo Amorim/CC BY-NC-ND)

Colheita prejudicada

Com o déficit de chuvas em toda a região Sul, os prejuízos chegaram à lavoura, afetando a safra de verão 2019/20. O Paraná enfrenta a maior estiagem da história desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) começou a monitorar as condições do tempo, em 1997. Relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) do Governo do Estado do Paraná mostra perdas na produção de milho e feijão, além de prejuízos no abastecimento de água. Alguns municípios entraram em estado de emergência.

Em Santa Catarina, a produção de soja, feijão e milho foram afetadas. No Rio Grande do Sul, a safra de grãos teve volume 28,7% inferior ao total colhido na mesma época do ano passado. A seca afeta a qualidade dos grãos e, com o tamanho e peso muito fora do padrão, a colheita não compensa. O problema se estende ao milho, com perda de 32% na produção. Em certas regiões, o grão foi destinado à alimentação bovina, com rendimentos bem mais baixos. O plantio da nova safra de arroz também foi prejudicado: exige uso abundante de água e a falta de chuvas prejudicou a reposição dos mananciais.
Barragem de Itaipu, mais importante usina hidrelétrica do Brasil
Barragem de Itaipu, mais importante usina hidrelétrica do Brasil. A água que vem dos rios para o reservatório de 1.350 quilômetros quadrados está no nível mais baixo registrado desde 1993. (Foto: Deni Williams/CC BY)

Além de provocar significativas perdas para o plantio em larga escala, as secas no Sul afetam o pequeno produtor, não habituado a condições extremas de falta de chuvas. “O Nordeste, de alguma forma, já tem uma prática com condições de seca e estratégias de adaptação social, como as cisternas.

A seca no Sul faz com que a grande produção agrícola seja afetada e isso causa prejuízos econômicos. Quando a seca afeta a agricultura familiar, há ainda o impacto social”, diz Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.

As áreas que têm sofrido sucessivas e agravadas secas são justamente áreas irrigadas pelos “rios voadores”. Sem a umidade que vem da Amazônia, as regiões brasileiras com maior infraestrutura produtiva teriam provavelmente clima bastante hostil.

“Interessa para a agricultura a coluna do meio, ou seja, o equilíbrio, a regulação climática, em que os extremos de falta ou excesso sejam moderados”, explica Antonio Nobre. “E, nessa moderação, nenhuma tecnologia consegue competir com as múltiplas capacidades das florestas de promover e regular um clima amigável, seguro e produtivo.”

(EcoDebate, 31/07/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Amapá: peixes mais consumidos são também os mais contaminados por mercúrio



garimpo

Amapá: Pirapucu, tucunaré e trairão, espécies mais consumidas na região, são também as mais contaminadas por mercúrio

Por Sandra Miyashiro
Um novo estudo realizado no Amapá sugere que os hábitos alimentares das populações locais, que incluem a preferência por peixes carnívoros, está agravando a contaminação pelo mercúrio usado na mineração artesanal de ouro em pequena escala.

Todos os peixes analisados na pesquisa apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e 28,7% excederam o limiar de mercúrio da Organização Mundial da Saúde para consumo humano. Porém, quatro das sete espécies com as maiores concentrações de mercúrio estão entre as mais consumidas na região: o nível mais alto foi detectado em Boulengerella cuvieri (pirapucu), seguido por Cichla monoculus (tucunaré) e Hoplias aimara (traírão) – todas carnívoras. Como predadores, os peixes carnívoros bioacumulam grandes quantidades de mercúrio ao longo de seu ciclo de vida.

Realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), do WWF-Brasil, do IEPA – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá e do Iepé-Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, o estudo foi publicado na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública. Seus resultados sugerem que a preferência local por espécies de peixes carnívoros apresenta um sério risco à saúde.

Por isso, este é o primeiro estudo com recomendações claras para reduzir a exposição ao mercúrio através do consumo de peixe no Estado do Amapá. A proposta dos pesquisadores é que o consumo das espécies de peixes carnívoros não exceda 200 gramas por semana, com atenção especial ao consumo de mandubé, pirapucu, tucunaré e trairão, que devem ser ingeridos uma vez por mês. “O estudo traz dados contundentes sobre o nível de destruição que o garimpo do ouro está promovendo na Amazônia.

Já tínhamos noção do quanto o garimpo destrói a floresta. Agora, temos mais evidências do quanto ele também destrói a saúde das pessoas que vivem na floresta. Consumidores de ouro em todo o mundo precisam entender que estão adquirindo um metal que está ameaçando a vida de pessoas inocentes. O poder público precisa urgentemente assumir sua responsabilidade de garantir segurança alimentar para as populações locais, que tradicionalmente dependem dos peixes como principal fonte de proteína, afirma Marcelo Oliveira, especialista de Conservação do WWF-Brasil.

A pesquisadora Sandra Hacon, da Ensp/Fiocruz, destaca três vertentes do estudo. “Além de orientar a população a não ultrapassar o consumo semanal de 200 gramas dos peixes carnívoros, estimulamos a ingestão de outras espécies e alimentos, já que a biodiversidade da região é fantástica. O estudo também alerta para a destruição provocada pelo garimpo e recomenda que o poder público assuma a responsabilidade de garantir a segurança alimentar das populações locais.”

A mineração artesanal de ouro em pequena escala (ASGM, na sigla em inglês), geralmente organizada em redes ilegais e conduzida por garimpeiros e atravessadores, é a principal fonte de emissões, contaminação e consumo de mercúrio na América Latina e no Caribe. No norte da Amazônia brasileira, a ASGM contaminou o meio ambiente e as pessoas ao longo do século passado.


Tais atividades se expandiram significativamente na Amazônia nas últimas duas décadas, consolidando-se como uma das principais causas de desmatamento e degradação de habitats no norte da Amazônia brasileira, particularmente nas fronteiras entre Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Venezuela e os estados brasileiros de Roraima, Amapá e Pará. Também conhecida como Ecorregião do Escudo da Guiana, ela abrange 250 milhões de hectares e contém um dos maiores complexos de florestas tropicais primárias ininterruptas da Terra.


Essa situação foi exacerbada pelo aumento global do preço do ouro, que impulsionou a expansão das atividades ilegais de ASGM na Amazônia e ameaça ainda mais o meio ambiente e os direitos humanos das comunidades locais.

É esse tipo de mineração, invariavelmente ilegal, que expõe à contaminação comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência, afetando adversamente a saúde das comunidades ribeirinhas e particularmente os indígenas. Para Décio Yokota, coordenador Executivo Adjunto do Iepé, “esses resultados são especialmente preocupantes para os povos indígenas e demais comunidades tradicionais da região, que tem o peixe como praticamente sua única fonte de proteína por grande parte do ano.


Essas comunidades consomem peixes, muitas vezes, em todas as refeições o que aumenta consideravelmente a exposição a esse contaminante. Além das degradação ambiental e contaminação por mercúrio, os garimpos também trazer para perto das comunidades tráfico de drogas, armas, prostituição e ameaças a lideranças. Durante a quarentena, as comunidades estão especialmente preocupadas com o inchaço dos garimpos, resultado da crise econômica pois se tornam um vetor de contaminação pelo vírus nas aldeias, mesmo nos lugares mais isolados”.


Sabe-se que a pesca na Amazônia fornece segurança alimentar e reduz as taxas de desnutrição, pois os peixes são a fonte alimentar dominante de aminoácidos essenciais, lipídios com ácidos graxos, minerais e vitaminas. Por isso, nas regiões dominadas pela ASGM, a exposição humana ao mercúrio se dá principalmente através da bioacumulação e biomagnificação do metilmercúrio a partir do consumo de peixes. O estudo mostrou que os peixes da zona interior apresentaram níveis mais altos de mercúrio em comparação com os peixes da zona costeira.


Jorge Souza, Diretor-Presidente do IEPA ressalta a importância do estudo para a população amapaense – “agora, temos uma indicação de como a população amapaense deve se comportar com relação ao consumo de peixes contaminados a fim de evitar ou minimizar os danos causados à sua saúde para garantir um bom acesso ao nosso recurso pesqueiro, tão importante para o nosso Estado.” afirma.


Na Amazônia brasileira, povos indígenas, comunidades ribeirinhas, pescadores, quilombolas, camponeses e extrativistas habitam áreas próximas a rios, baías e igarapés – portanto, são altamente expostos a compostos que contêm mercúrio. Essa realidade é agravada pela vulnerabilidade social dessas comunidades, incluindo acesso reduzido aos cuidados de saúde, educação formal, renda regular, saneamento básico e água potável. Além disso, essas comunidades sofrem com altas taxas de desnutrição, principalmente em crianças menores de 5 anos. O estudo indicou ainda que maior risco de contaminação por mercúrio foi observado em crianças na zona interior.


Outro fator que pode influenciar significativamente os níveis de mercúrio nos ecossistemas aquáticos da Amazônia é a erosão, que mobiliza o mercúrio acumulado nos solos. Consequentemente, os esforços para reduzir a exposição ao mercúrio – particularmente em populações que ficam nas vazantes dos locais ASGM – também devem abordar a erosão do solo, com um foco particular em rios e igarapés vulneráveis ??nas florestas ripárias. Além disso, as mudanças na cobertura / uso da terra levam a frequentes incêndios florestais, que liberam grandes quantidades de mercúrio na atmosfera e nos sistemas aquáticos. Essas questões requerem vontade política para implementar políticas eficazes para reduzir os fatores de desmatamento na Amazônia.

Sobre o estudo

O estudo, que teve como objetivo avaliar os potenciais riscos toxicológicos à saúde causado pelo consumo de peixes contaminados por mercúrio, foi realizado em cinco regiões do Estado do Amapá, incluindo algumas das bacias hidrográficas mais biodiversas e economicamente significativas da região, sempre em áreas protegidas e conservadas, incluindo a maior reserva natural do Brasil (Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque). Foram escolhidos rios que faziam fronteira com áreas protegidas devido à maior ocorrência de depósitos minerais e maior número de locais de ASGM.


Esses locais foram identificados com base em mapas de desmatamento de mineração de ouro, revisões de literatura, presença de comunidades locais, influência de marés costeiras ou águas interiores, logística de amostragem, distância a áreas protegidas e entrevistas com gerentes de áreas protegidas e locais com conhecimento da história regional da mineração de ouro.


Foram amostrados 428 peixes de 18 locais nos sistemas aquáticos terrestres e costeiros entre agosto de 2017 e maio de 2018. Os peixes foram capturados por pescadores locais contratados para apoiar o projeto de pesquisa. De acordo com os pescadores locais, cada espécie de peixe foi capturada usando equipamentos específicos. Cada amostra foi identificada ao nível da espécie e um mínimo de 70 g de tecido muscular (livre de pele) foi extraído da região dorsal do corpo do peixe. Todas as ferramentas de dissecção foram esterilizadas antes da amostragem para evitar contaminação. As amostras foram armazenadas em caixas de gelo e congeladas para transporte ao laboratório. O estudo foi realizado de acordo com a regulamentação brasileira (IN 03/2014), sob a licença SISBIO 58296-1.


A concentração de mercúrio nos peixes coletados excedeu o limite de segurança em 77,6% dos carnívoros, 20% dos onívoros e 2,4% dos herbívoros.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/07/2020

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