sexta-feira, 31 de julho de 2020

Desmatamento na Amazônia e as mudanças climáticas estão secando o resto do Brasil


Desmatamento na Amazônia e as mudanças climáticas estão secando o resto do Brasil


IHU
Nos últimos dois anos, a seca tem atingido gravemente boa parte do Brasil. As regiões Centro-OesteSul e uma parte do Sudeste, incluindo o estado de São Paulo, apresentam chuvas abaixo da média histórica, aponta um boletim do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
A reportagem é de Sibélia Zanon, publicada por Mongabay, 28-07-2020.
Sobradinho – No maior reservatório do Nordeste, nível da água atingiu o menor patamar dos quase 40 anos da barragem de Sobradinho
Sobradinho – No maior reservatório do Nordeste, nível da água atingiu o menor patamar dos quase 40 anos  da barragem de Sobradinho. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil) 


É um fenômeno que começou ficar mais evidente em 2012. “A seca começou no Nordeste e durou quase sete anos de forma muito severa”, diz a pesquisadora Adriana Cuartas, do Cemaden. “Depois, em 2014, o abastecimento de água na área metropolitana de São Paulo ficou em condições críticas. Agora, as preocupações estão voltadas para o Sul, onde há quase dois anos as chuvas estão abaixo da média.”


O cientista Antonio Donato Nobre, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, é enfático. “A América do Sul está secando devido aos efeitos combinados do desmatamento e das mudanças climáticas”, diz.
SPI, ou Índice de Precipitação Padronizada, é o índice utilizado para monitoramento das condições de chuva
SPI, ou Índice de Precipitação Padronizada, é o índice utilizado para monitoramento das condições de chuva. Os mapas mostram chuvas muito abaixo da média nos últimos 12, 18 e 24 meses. Valores negativos, abaixo de -1, representam seca. (Fonte: Cemaden)


A falta de chuvas impacta de imediato a agricultura. A seguir, vem o abastecimento de água e a geração de energia. Diversos reservatórios de usinas hidrelétricas vêm sofrendo com baixos níveis de armazenamento – Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo, entre eles. “A água que vem dos rios para o reservatório está abaixo do mínimo já registrado desde 1993. É uma situação bem crítica”, alerta Adriana Cuartas. “A bacia do Itaipu não é usada só para a geração de energia, mas também para abastecimento.”

Recentes chuvas no Sul podem trazer alívio temporário para a agricultura, mas as condições hídricas demoram a voltar ao normal. “Seria preciso chover vários meses na média, ou acima dela, para o sistema hídrico começar a se recuperar e voltar aos níveis esperados”, diz Adriana.


agronegócio vem sofrendo prejuízos decorrentes da seca, mas também é causador das alterações do regime hídrico. O desmatamento na Amazônia, voltado para pecuária, agricultura e exploração madeireira, impacta na diminuição de chuvas no Brasil e em outros países da América Latina. Com o desmatamento crescente na Amazônia, o agronegócio e a geração de energia podem entrar em colapso no Brasil.

Floresta Amazônica funciona como um sistema de refrigeração. Uma árvore robusta, com seus 20 metros de copa, bombeia por volta de 1.100 litros de água para a atmosfera em um único dia. Essas massas de ar com o vapor da transpiração da floresta, os chamados “rios voadores”, transportam umidade da Bacia Amazônica até o Centro-OesteSudeste e Sul do Brasil, e países vizinhos. Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar. E seca.

Grandes concentrações de umidade se formam na Amazônia e regulam o sistema de chuvas em boa parte do Brasil
Grandes concentrações de umidade se formam na Amazônia e regulam o sistema de chuvas em boa parte do Brasil. O desmatamento na floresta altera a circulação dos chamados “rios voadores”. (Foto: Eduardo Amorim/CC BY-NC-ND)

Colheita prejudicada

Com o déficit de chuvas em toda a região Sul, os prejuízos chegaram à lavoura, afetando a safra de verão 2019/20. O Paraná enfrenta a maior estiagem da história desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) começou a monitorar as condições do tempo, em 1997. Relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) do Governo do Estado do Paraná mostra perdas na produção de milho e feijão, além de prejuízos no abastecimento de água. Alguns municípios entraram em estado de emergência.

Em Santa Catarina, a produção de soja, feijão e milho foram afetadas. No Rio Grande do Sul, a safra de grãos teve volume 28,7% inferior ao total colhido na mesma época do ano passado. A seca afeta a qualidade dos grãos e, com o tamanho e peso muito fora do padrão, a colheita não compensa. O problema se estende ao milho, com perda de 32% na produção. Em certas regiões, o grão foi destinado à alimentação bovina, com rendimentos bem mais baixos. O plantio da nova safra de arroz também foi prejudicado: exige uso abundante de água e a falta de chuvas prejudicou a reposição dos mananciais.
Barragem de Itaipu, mais importante usina hidrelétrica do Brasil
Barragem de Itaipu, mais importante usina hidrelétrica do Brasil. A água que vem dos rios para o reservatório de 1.350 quilômetros quadrados está no nível mais baixo registrado desde 1993. (Foto: Deni Williams/CC BY)

Além de provocar significativas perdas para o plantio em larga escala, as secas no Sul afetam o pequeno produtor, não habituado a condições extremas de falta de chuvas. “O Nordeste, de alguma forma, já tem uma prática com condições de seca e estratégias de adaptação social, como as cisternas.

A seca no Sul faz com que a grande produção agrícola seja afetada e isso causa prejuízos econômicos. Quando a seca afeta a agricultura familiar, há ainda o impacto social”, diz Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.

As áreas que têm sofrido sucessivas e agravadas secas são justamente áreas irrigadas pelos “rios voadores”. Sem a umidade que vem da Amazônia, as regiões brasileiras com maior infraestrutura produtiva teriam provavelmente clima bastante hostil.

“Interessa para a agricultura a coluna do meio, ou seja, o equilíbrio, a regulação climática, em que os extremos de falta ou excesso sejam moderados”, explica Antonio Nobre. “E, nessa moderação, nenhuma tecnologia consegue competir com as múltiplas capacidades das florestas de promover e regular um clima amigável, seguro e produtivo.”

(EcoDebate, 31/07/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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