Projeto de multinacional francesa pode condenar para sempre área de proteção no Paraná
Um dos trechos vai de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, até Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, passando, exatamente, na área da Escarpa Devoniana – uma Unidade de Conservação de uso sustentável (quando a conservação deve conviver em harmonia com atividades produtivas) rica em tesouros arqueológicos, fauna e flora – e que é protegida por lei.
A Escarpa Devoniana é chamada dessa forma devido às rochas de sustentação, que possuem idade Devoniana: 400 milhões de anos. O próprio Estudo de Impactos Ambientais elaborado pela Engie aponta 22 pontos de impacto provocados pelo empreendimento, sendo que só quatro são considerados positivos.
A imprensa foi impedida de permanecer na sala onde estava sendo feita a reunião. Para piorar, a Engie não apresentou aos membros do conselho qualquer estudo que indicasse alternativas diferentes e menos danosas ao ambiente natural para instalação do traçado das linhas de transmissão.
Os Campos Naturais, ecossistema associado o bioma Mata Atlântica, apesar de em extinção, ainda predominam na região associado a porções de Floresta com Araucária.
Ao fim, depois de quatro horas de reunião e repetidos pedidos de integrantes do conselho sobre a necessidade de terem mais tempo para acordarem com um parecer sobre a aprovação ou não do Conselho para o pedido, o secretário da Comunicação e Cultura.
Do Paraná, Hudson José decretou a aprovação por parte do Conselho para a intenção de instalação das linhas de transmissão sob a Escarpa Devoniana. Parte dos membros do grupo revelou-se completamente perdida em relação a decisão final que havia sido tomada após horas de conversas.
Diante deste cenário, o geógrafo e pesquisador Henrique Pontes, integrante do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), relata os problemas relacionados ao Estudo de Impactos Ambientais e diz como as linhas de transmissão podem afetar uma área histórica de preservação ambiental e arqueológica.
A sociedade civil foi ouvida de alguma maneira nesse trâmite das instalações das linhas de transmissão da Engie?
Tive a oportunidade de participar de audiência pública em Ponta Grossa. É sempre importante destacar que essas audiências são feitas de maneira engessada, pela própria forma de organização. Gasta-se muito tempo com os empreendedores, os relacionados e os interessados ao empreendimento falando.
A abertura de debates para a comunidade acaba sendo extremamente escassa. E, ainda, geralmente quando você tem um pouco de tempo para debate com a comunidade, isso não é feito no formato ‘palavra aberta’. São perguntas feitas por escrito e isso acaba deixando a desejar com relação a abertura para a participação popular. Foram realizadas duas audiências públicas na cidade, mas sempre com esses problemas que acabam afetando diretamente a participação civil na discussão.
Por que essas linhas de transmissão são problemáticas para a Escarpa Devoniana? Bens tombados historicamente correm risco?
Primeiro, é importante deixar claro que esse não é um empreendimento sem nenhum retorno para a sociedade. Ele tem sua importância por ser uma obra de infraestrutura. Em nenhum momento se questiona a importância do empreendimento. Contudo, o que se questiona é o processo de licenciamento: como foram feitos os estudos e o que eles apresentam. Esses estudos, por exemplo, são insuficientes com relação ao patrimônio espeleológico da região (estudos de cavernas e cavidades subterrâneas), que é um bem natural e cultural da Escarpa Devoniana.
Não existem análises detalhadas sobre as cavernas do entorno da área onde vão passar as linhas de transmissão. Isso fragiliza o processo de licenciamento ambiental e abre questionamento da efetiva análise dos impactos que esse empreendimento possa causar. Outro aspecto relacionado ao patrimônio espeleológico é o patrimônio arqueológico. Nós temos muitos sítios com pinturas rupestres, com artefatos líticos, como pontas de flecha e cerâmicas nessa área por onde a linha vai passar na Escarpa Devoniana.
Os estudos de licenciamento ambiental também deixam a desejar sobre essa área. Até onde tive acesso aos documentos que estão no antigo IAP (Instituto Ambiental do Paraná) – atual Instituto Água e Terra (IAT) – ainda faltam muitos estudos relacionados a essa área de conhecimento. Outro aspecto importante é que as linhas vão cortar a área de tombamento da Escarpa Devoniana.
Nós sabemos que há alguns anos o Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (Cepha) foi desestruturado e quem deve avaliar esses empreendimentos na área de tombamento é o próprio Conselho. Isso acaba mostrando outra fragilidade que é da própria estrutura do Estado, que se mostra prejudicial para a avaliação desse empreendimento.
É possível dimensionar o tamanho desse impacto?
A linha gera impacto grande por conta da área ocupada pelo empreendimento, que é linear. Contudo, a instalação em si não é um impacto tão severo. São pontos específicos que serão alterados para a construção das torres. Mas se você tem um estudo impacto ambiental fragilizado, mesmo que o impacto seja pontual, se você não tem uma avaliação correta da área que está sendo implantada o empreendimento pode gerar um impacto grande. Esse é o grande “X” da questão desse empreendimento.
Quais os bens históricos e naturais que essa região da Escarpa abriga e que merecem maior cuidado?
As cavidades subterrâneas e os sítios arqueológicos. Mas, é claro, também, que nós temos uma variedade de ambientes dentro dessa área que é a APA da Escarpa Devoniana, que constituiu um patrimônio natural cênico, com um valor de beleza de paisagem, de apreciação da paisagem, muito grande.
A partir do momento que você tem um sítio natural, com uma cachoeira, por exemplo, e você implanta uma linha de transmissão que passa próximo desse sítio ou no sítio natural isso pode modificar a dinâmica desse atrativo cênico. Isso também é um ponto a ser avaliado por conta do potencial turístico que a APA da Escarpa Devoniana oferece. Desconheço se o estudo de impacto ambiental avaliou se a linha vai afetar áreas de visitação turística. Isso pode ser um grande problema em relação a esse empreendimento.
Como estão os trâmites para que essa instalação seja efetivada?
Por ser um empreendimento muito grande que envolve, pelo menos, duas regiões do Paraná, é provável que será implantada. Agora, a forma como esse assunto vem sendo conduzido é que nós questionamos. Se vai seguir os ritos, se vai escutar mais a sociedade civil organizada ou se vai fazer um “tratoraço” e aprovar do jeito que for é o que esperamos saber.
Essa é nossa preocupação diante desse empreendimento. Nós, do GUPE, encaminhamos ao Ministério Público Estadual orientações em relação ao Estudos de Impactos Ambientais, sobre a falta de estudos relacionados à cavidades subterrâneas e patrimônio arqueológico. Nossa preocupação é para que sejam cumpridas etapas legais do empreendimento.
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Fotos: José Fernando Ogura/ANPr/FotosPúblicas (abertura) e Grupo de Pesquisas Espeleológicas da UEPG (caverna)
O
Observatório de Justiça e Conservação (OJC) é uma iniciativa
apartidária e colaborativa que trabalha fiscalizando ações e inações do
poder público no que se refere à prática da corrupção e de incoerências
legais em assuntos relativos à conservação da biodiversidade,
prioritariamente no Sul do Brasil, dentre os quais se destacam, a
Floresta com Araucária
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