À espera da chuva, Pantanal teme nova catástrofe
A maior planície alagada do planeta atravessa a pior seca em 60 anos. Moradores da região se preparam para incêndios ainda mais devastadores do que em 2020.
Quem chega ao Pantanal em fevereiro, normalmente está preparado para encarar um tempo molhado. Nesta época do ano, tudo costuma estar submerso, com grande parte da região transitável apenas a cavalo ou de barco. Traga roupa de chuva, dizia-se por telefone.
Mas, em vez disso, a poeira queima no nariz e nos olhos quando se dirige por uma estrada de terra de Mutum até a maior reserva natural privada do Brasil, no interior do Pantanal. E no lugar de nuvens escuras, o sol brilha no céu.
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É época de chuvas no Pantanal, mas simplesmente não chove. Há meses que o tempo está demasiadamente seco. Rios que normalmente transbordam pelas margens nesta época do ano hoje não são mais do que poças e bancos de areia. Em vários lagos ao longo do caminho a água se tornou tão escassa que já não há mais espaço e nem alimento para os jacarés. Eles começaram a se atacar, e alguns já morreram. Suas carcaças servem agora de alimento para os urubus.
Pior estiagem em décadas
Segundo cientistas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden), o Pantanal vive atualmente a pior seca dos últimos 60 anos. Os pesquisadores alertam também que a seca ainda deverá durar mais alguns anos e ter graves consequências para a fauna, a flora e as pessoas, a exemplo do aumento de grandes incêndios.
As causas da atual seca não estão claras. Pode ser tanto em decorrência das mudanças climáticas como do desmatamento da bacia amazônica – menos floresta por lá, significa menos formação de nuvens e, portanto, menos chuva por aqui. Um ciclo natural também não está descartado: entre 1968 e 1973, o Pantanal também passou por uma seca extrema. Provavelmente é um misto dos três fatores.
No Pantanal, teme-se agora que a catástrofe de 2020 se repita neste ano. Entre agosto e outubro de 2020, grandes incêndios devastaram cerca de um quarto do bioma. Por mais contraditório que possa parecer: foram os piores incêndios na história da maior zona úmida da Terra.
O inferno de 2020
“Este ano é muito mais seco que 2020”, diz Alessandro Amorim, de 34 anos, guarda-florestal da maior reserva natural privada do Brasil, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
A RPPN foi fundada em 1997 pelo Sesc e é considerada uma das reservas naturais mais bem administradas do Brasil. Com quase 110 mil km², ela abriga uma imensa variedade de animais, entre eles a arara-azul, o lobo-do-rio, o tamanduá-bandeira, a onça pintada, o lobo-guará, a ema e a anta. Alessandro Amorim se diz feliz em trabalhar aqui e ajudar a proteger a flora e fauna. Nascido no Pantanal e filho de um pequeno agricultor, ele atualmente gerencia, junto com outros dois colegas, um dos seis postos de guarda-florestal da RPPN.
No ano passado, quando os incêndios queimaram quase 95% da reserva do Sesc, Amorim lutou durante 50 dias e noites contra as chamas. Investigações apontam que o fogo foi desencadeado por um pecuarista e por indígenas de uma aldeia de fora da reserva. Já em outras partes do Pantanal, segundo a Delegacia de Meio Ambiente (Dema), os responsáveis foram coletores de mel, acidentes automobilísticos, incêndios e pecuaristas criminosos.
A vegetação ressecada transformou o fogo num inferno, com chamas avançando por mais de 50 quilômetros, queimando até mesmo debaixo da terra. “Nunca vi nada igual”, disse Amorim. “O calor, a fumaça, o vento quente, as paredes de fogo. Os animais vinham correndo da floresta, carbonizados.”
Fogo controlado
Para conter as chamas, os guardas-florestais traçaram corredores na floresta e atearam fogo de maneira controlada. Do ar, eles tinham o apoio de aviões de combate a incêndios. Quando os incêndios acabaram, no final de setembro, foram instalados 165 tanques de água para alimentar os animais que sobraram, e frutas foram distribuídas a eles. “Isso salvou a vida de muitos animais debilitados”, lembra Amorim.
Agora ele e seus colegas se preparam para os próximos incêndios. Com a ajuda de tratores, eles traçam mais corredores ao redor da reserva para parar o avanço de possíveis incêndios. Além disso, o Sesc também busca conscientizar a população dos entornos da reserva sobre o perigo das tradicionais queimadas de campos.
A visão dos fazendeiros
A 350 quilômetros e seis horas de carro do posto da guarda-florestal, José Dorilêo repete a frase que se ouve tantas vezes: “Não chove”.
Dorilêo vive na Transpantaneira, uma estrada de terra que percorre o norte do Pantanal ao longo de 150 quilômetros entre Poconé e Porto Jofre. Hoje ele recebe a visita do sobrinho Raúl Costa, que, como ele, é criador de gado – já estão na quarta geração, como ambos orgulhosamente salientam. A Fazenda de Dorilêo compreende cerca de 12 mil hectares, um vasto campo por onde são conduzidas cerca de 3 mil cabeças de gado por vaqueiros.
Tanto ele quanto Costa resistem a serem retratados pela mídia como vilões do Pantanal. “Quando teve o incêndio, disseram que nós, os fazendeiros, tínhamos começado o fogo para criar pastagens”, conta Costa. “Isso é um absurdo! O Pantanal é enorme e um ou dois malucos podem ter feito isso, mas atear fogo aqui seria suicídio. Nossa própria fazenda queimou quase toda no ano passado. Não dá para colocar todos os fazendeiros no mesmo saco”.
Pastagens naturais
Costa está sentado na cozinha do casarão centenário, que dá os ares de um museu local. Fotos antigas, esporas e laços decoram as paredes. É a hora do café da manhã, e um dos vaqueiros traz uma cabeça de gado que ficou assando por 9 horas num forno de barro no quintal da casa.
Após morder um pedaço de língua de boi, o homem de 43 anos diz que nunca houve derrubada de mata na fazenda. Pelo contrário, aponta, os fazendeiros dependem das árvores, pois elas protegem os lugares elevados onde o gado fica durante os dilúvios. O que o incomoda é que, de acordo com a lei, não é permitida nem a retirada de plantas invasoras – arbustos, por exemplo, que se reproduzem de forma veloz e acabam alimentando ainda mais as chamas.
O Pantanal, na verdade, tem suas próprias regras ao longo da Transpantaneira. Ao contrário da Amazônia, muitas pastagens aqui não são produto do desmatamento, mas surgem naturalmente através de enchentes. É por isso que pecuaristas locais como Costa e Dorilêo se sentem injustiçados ao serem acusados de vilões do meio ambiente. Eles dizem ter consciência ambiental e querem combater o clichê de fazendeiros exploradores. Parecem ter entendido que, no Pantanal, só se pode obter lucros com a natureza.
Só que a natureza se torna cada vez mais imprevisível. Devido à falta de chuvas, Costa teme que os tanques sequem neste ano. “Aí não teríamos água suficiente para o gado e teríamos que vendê-lo”, afirma.
Economia baseada no turismo sustentável
Já a vários quilômetros dali, um homem na Transpantaneira acredita saber como lucrar com o Pantanal e protegê-lo ao mesmo tempo. Mas a primeira coisa que André Thuronyi diz à reportagem é que está chocado com a seca. “Aqui deveria haver água por toda parte”, lamenta, apontando para os prados secos.
Filho de uma família nobre de imigrantes húngaros, Thuronyi veio para o Pantanal em meados da década de 1970. Ele se apaixonou pela região e começou a espalhar a ideia do ecoturismo – algo que ninguém no Pantanal conhecia na época. “Fui pioneiro”, diz ele.
Hoje, o homem magro de 66 anos, cuja marca registrada é uma ondulante cabeleira de um louro acinzentado, é dono da exclusiva Araras Eco Lodge. O conceito inclui imersão na natureza: observação de animais silvestres, excursões noturnas e passeios a cavalo.
“Mostrei às pessoas que uma onça ou uma arara-azul tem muito mais valor viva do que morta ou em cativeiro”, diz Thuronyi. “Quem quer atrair turistas precisa da natureza.” Mas levou muito tempo para que seus vizinhos entendessem essa máxima. “Eu fui considerado o gringo maluco.”
Mas com os anos, o sucesso da pousada de Thuronyi inspirou imitadores. Hoje, no lugar de antigas fazendas, existem 18 eco-lodges ao longo da Transpantaneira.
Ao anoitecer, Thuronyi sobe em uma torre de observação de 25 metros de altura no meio de uma floresta que faz parte do terreno da eco-lodge. Enquanto um grupo de macacos-pregos macaqueia no andaime da torre, nuvens escuras aparecem no horizonte. Em alguns lugares, é possível ver a chuva caindo sobre a terra plana. “Isso me alegra muito”, diz André Thuronyi. “Mas temo que seja tarde demais.”
Fonte: Deutsche Welle
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