STF determina investigação sobre venda de terra indígena pelo Facebook após reportagem da BBC

Anúncio no Facebook oferece lotes dentro da Floresta Nacional do Aripuanã
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Anúncio oferece áreas de mata dentro da Floresta Nacional do Aripuanã, no Amazonas; florestas nacionais são públicas e se destinam a comunidades tradicionais

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira (2/03) que a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Justiça investiguem a venda de terras indígenas pelo Facebook, após reportagem exclusiva da BBC News Brasil revelar que áreas protegidas da Floresta Amazônica estão sendo anunciadas na plataforma.

"Oficie-se à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para que apurem os fatos narrados e tomem as medidas cíveis e criminais cabíveis, mantendo este relator informado sobre as providências adotadas", diz o ministro no ofício, que cita a reportagem da BBC News Brasil.

Barroso é relator de uma ação apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT e PDT), que apontam suposta omissão do governo federal no combate à covid-19 entre indígenas.

A decisão de determinar investigação sobre venda de terras foi tomada no âmbito dessa ação porque uma das terras ofertadas por meio de anúncio no Facebook, conforme a reportagem da BBC News Brasil, está localizada na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau.

Barroso
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Barroso é relator de uma ação em que indígenas acusam governo federal de descaso no controle da pandemia de covid-19 em seus territórios

No despacho, Barroso explica que esse território é "um dos considerados como em situação crítica em termos epidemiológicos, justamente em virtude da presença de invasores".Pule Talvez também te interesse e continue lendo

  • A investigação da BBC News Brasil, publicada na sexta-feira (26/02), encontrou no Facebook dezenas de anúncios em que vendedores negociam pedaços da floresta ou áreas recém-desmatadas, que eles não possuem, por valores que chegam à casa dos milhões de reais.

Há áreas à venda até mesmo dentro de unidades de conservação e de terras indígenas.

Segundo a lei, é proibido vender áreas que sejam parte de terras indígenas ou unidades de conservação. São áreas de domínio público que se destinam exclusivamente a populações tradicionais.

O repórter João Fellet viajou até Rondônia e comprovou que, de fato, porções protegidas da Floresta Amazônica estavam sendo comercializadas por meio dos anúncios no Facebook.

A investigação deu origem ao documentário Amazônia à venda: o mercado ilegal de áreas protegidas no Facebook, disponível na página da BBC News Brasil no YouTube.

O documentário mostra que o mercado ilegal de terras na Amazônia está aquecido com a perspectiva de que o Congresso anistie invasões recentes e permita que invasores obtenham os títulos das áreas.

Atualmente, só áreas públicas desmatadas até 2014 são passíveis de regularização, mas a bancada ruralista e o governo federal articulam um Projeto de Lei que prorrogaria o prazo.

No pedido de investigação, o ministro Barroso requer que PGR e Ministério da Justiça não se concentrem apenas na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau.

"Saliento a importância de que de que a apuração não se restrinja à aludida terra indígena, mas se expanda às demais terras indígenas."

Investigação da BBC

A reportagem da BBC News Brasil revela como a grilagem — ocupação ilegal de terras públicas — avança na Amazônia brasileira.

Grupos de grileiros se organizam em associações com CNPJ, contratam advogados, mantêm laços com políticos e pressionam órgãos públicos a lhes conceder as áreas invadidas.

Como eles não detêm a propriedade oficial da terra, muitos invasores usam um registro oficial, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para reivindicar as áreas griladas e colocá-las à venda, tentando dar um aspecto de legalidade às transações.

O problema é que o CAR não é prova de direito à propriedade sobre uma área. E, por ser autodeclaratório, em tese, qualquer pessoa pode registrar qualquer parte do território nacional como se fosse sua dona e usar isso em uma futura batalha jurídica pela posse da terra.

A investigação mostra ainda estratégias que os vendedores usam para driblar a fiscalização e evitar multas, como dificultar o acesso aos terrenos grilados e manter documentos em nome de terceiros.

O uso do Facebook, uma plataforma pública, para a venda de áreas de floresta revela ainda a sensação de impunidade expressa pelos entrevistados na investigação.

O alcance irrestrito dos anúncios na plataforma ameaça agravar o desmatamento na Amazônia, em alta desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, o bioma perdeu 11.088 quilômetros quadrados, o maior índice desde 2008.

A BBC News Brasil identificou trechos desmatados ilegalmente no ano passado à venda na rede social.

Os anúncios estão na seção "Venda de imóveis residenciais" do MarketPlace, espaço do Facebook aberto a todos os usuários.