Pecuaristas com propriedades queimadas no Pantanal têm
relação com mercado global da carne
3 de março de 2021 |
Compartilhado em Whatsapp Compartilhado em Facebook Compartilhado em Twitter Compartilhe por Email
Investigação do Greenpeace Internacional aponta para
relações comerciais entre fazendas que usaram fogo no auge dos incêndios de
2020 no Pantanal com frigoríficos, varejistas e redes de fast food de todo o
mundo
A pecuária é a atividade predominante entre as
propriedades particulares no Pantanal e muitos incêndios começam em queimadas
para limpeza de pasto que saem do controle
Que a indústria da pecuária ocupa mais de 80% das áreas
desmatadas da Amazônia, muita gente já sabe. Mas um relatório que acaba de ser
lançado pelo Greenpeace Internacional aponta que o setor está relacionado
também com produtores que promovem a destruição do Pantanal, que sofreu com
incêndios recorde em 2020.
Segundo a investigação, em apenas 15 propriedades produtoras
de carne do Pantanal foram registrados 73 mil hectares
de áreas queimadas no ano passado, em um período em que o uso do fogo estava
proibido nas esferas estadual e federal. Essas mesmas fazendas trazem na
bagagem longos históricos de irregularidades ambientais, como desmatamento e
incêndios ilegais, além de contratos com grandes frigoríficos e compradores
mundiais.
Os casos expõem a falha dos grandes frigoríficos em garantir
que o gado vinculado à destruição ambiental e outras violações – seja de forma
direta ou indireta – seja excluído de sua base de fornecimento.
Carne e fogo
Em 2020, o Pantanal perdeu cerca de 30% de sua área para o fogo, enquanto
enfrentava uma seca histórica. Apesar de a atividade pecuária já estar
consolidada no bioma, muitas fazendas ainda utilizam do fogo para a renovação
de pastos, e em períodos de seca intensa o fogo pode sair rapidamente do
controle, avançando sobre áreas naturais ainda preservadas, o que ocorreu no
ano passado em escala nunca antes vista.
O Pantanal é um hotspot de biodiversidade e possui a maior
concentração de vida
selvagem do continente. Uma população expressiva de onças pintadas vive ali
e o bioma também hospeda um dos maiores santuários de araras-azuis. Essas e
outras espécies estão drasticamente ameaçadas pelo fogo.
O fogo e as mudanças climáticas alteram os ecossistemas de
maneira que a biodiversidade, muitas vezes, não consegue se adaptar. Como isso
nos afeta? Uma biodiversidade em equilíbrio mantém a natureza saudável, questão
fundamental para evitar a ocorrência de doenças e pandemias. Além disso, a
fumaça das queimadas chegaram no ano passado a diversas cidades como Cuiabá,
Manaus e Rio Branco, e podem aumentar ainda mais o risco de doenças
respiratórias, em um momento em que ainda enfrentamos a crise do
Covid-19.
Apesar de seu enorme valor ambiental e para a
biodiversidade, cerca de 90% do Pantanal brasileiro é reivindicado como terra
privada hoje em dia, incluindo áreas dentro de Terras Indígenas (28%) e
sobrepostos à Unidades de Conservação em terras públicas (58%), entre reservas
federais, estaduais e municipais. Cerca de 80% destas áreas correspondem a
fazendas de gado.
O Greenpeace Internacional identificou 15 fazendeiros que
são fornecedores atuais ou recentes (2018–2019) dos principais processadores de
carne do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – e que estão ligados aos devastadores
incêndios de 2020 no Pantanal, além de possuírem histórico de irregularidades
ambientais, como multas e embargos por desmatamento ilegal, queimadas não
autorizadas, além de problemas em seus registros de propriedade.
Os incêndios dentro dos limites destas propriedades
queimaram juntos mais de 73.000 hectares – o equivalente a mais de 94 mil
campos de futebol – no auge da crise das queimadas, entre 1º de julho e
27 de outubro de 2020, desafiando as proibições ao uso do fogo em vigor desde
julho de 2020 pelos governos regionais e por decreto presidencial.
Essas 15 fazendas estavam ligadas direta ou indiretamente em
2018–2019 a pelo menos 14 instalações de processamento de carne de propriedade
da JBS, Marfrig e Minerva, que comercializam carne globalmente.
Entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de outubro de 2020, estas
14 instalações exportaram no total mais de meio milhão de toneladas de carne
bovina e produtos derivados de carne, no valor de quase US$ 3 bilhões, para mercados
como Hong Kong (22%), China (21%), União Européia e Reino Unido (8%) e EUA
(1%).
Os casos expõem a incapacidade do setor de controlar toda a
sua cadeia de produção, inclusive aqueles que fornecem indiretamente,
permitindo a continuidade de um processo conhecido como “lavagem de gado”, onde
o gado de fazendas com irregularidades é vendido e revendido, até que o rastro
de crimes ambientais seja dissimulado.
Se a indústria da carne levasse a sério a missão de retirar
do mercado produtores que agem contra o meio ambiente, esses fornecedores já
estariam fora do mercado em 2020, ao invés de estarem queimando o
Pantanal.
Sem pressa para acabar com a destruição
Desde 2006 o Greenpeace Internacional vem denunciando os
danos ambientais promovidos pela produção pecuária em escala industrial na
Amazônia. O ponto de partida dessa história de denúncias e violações ambientais
foi o relatório O Rastro da
Pecuária na Amazônia (2008), seguido de A Farra do Boi
na Amazônia (2009), quando revelamos como a produção de carne
vinha se tornando um importante causador de desmatamento da maior floresta
tropical do mundo.
Depois desse escândalo, os três maiores frigoríficos que
atuam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram junto ao Ministério
Público Federal um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e aderiram por meio de
um compromisso público aos “Critérios
Mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no
bioma Amazônia”. Estas empresas se comprometeram a desenvolver sistemas de
monitoramento para excluir de suas listas de fornecedores as fazendas que
continuavam desmatando, que usavam mão de obra escrava ou que tivessem
invadindo áreas protegidas.
Mas, na prática, as empresas que assinaram os acordos
continuam monitorando apenas seus fornecedores diretos – ou
seja, as fazendas de onde compram o gado diretamente – ignorando por
completo o rastro de destruição deixado pela indústria nas etapas iniciais da
criação, que vai do nascimento à venda de fazenda em fazenda, até a fazenda que
fornece os animais para o frigorífico.
Atualmente, nenhuma empresa produtora de carne ou derivados
que recebe animais da Amazônia, do Cerrado ou do Pantanal pode garantir 100%
que sua produção não esteja associada com a destruição das florestas ou a
corrosão de direitos.
E isso se mostrou especialmente verdade a partir de
sucessivos estudos, do Greenpeace Internacional e de outras organizações, como
a Global Witness e, mais recentemente, a Repórter
Brasil, apontando para o envolvimento da pecuária em violações
socioambientais. Só em 2020, denunciamos o envolvimento da indústria
com a criação de gado
em Terra Indigena, em áreas
protegidas e na realização
de grandes queimadas coordenadas na floresta.
Infelizmente, o que vemos hoje são empresas e grandes
consumidores, como redes varejistas e de fast food, assumindo que não fizeram o
suficiente para mudar a situação e pedindo, diante do público e de seus
consumidores, mais tempo para continuar destruindo a floresta e nosso futuro.
Esse tempo não existe mais. Já estamos em contagem regressiva para um caminho
sem volta.
De onde vem a sua comida?
https://youtu.be/AELP19ocg38?t=2
As empresas têm enormes responsabilidades com o Planeta e precisam entender de
uma vez por todas que os consumidores não aceitam mais a destruição das
florestas e de toda a sua biodiversidade, gerando impactos negativos que vão
ser sentidos por muitas gerações.
Todos nós também podemos fazer a nossa parte, reduzindo o consumo de carne e
pressionando as empresas e os supermercados a melhorarem suas práticas e a não comprarem
mais carne contaminada com o desmatamento e queimadas.
Quer saber mais? A atriz Alice Braga explica o que a comida que chega à sua
mesa tem a ver com a crise climática e a destruição das florestas, no Brasil e
no mundo. Assista e compartilhe:
Nenhum comentário:
Postar um comentário