segunda-feira, 12 de abril de 2021

Em nova medida polêmica, governo quer permitir venda de pescados artesanais como “anfíbios, répteis e outros animais aquáticos”

 


Em nova medida polêmica, governo quer permitir venda de pescados artesanais como “anfíbios, répteis e outros animais aquáticos”

Em nova medida polêmica, governo quer permitir venda de pescados artesanais como "anfíbios, répteis e outros animais aquáticos"

Em uma portaria divulgada no Diário Oficial da União, no último dia 23 de março, a Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, submeteu à consulta pública uma Instrução Normativa que busca regulamentar a comercialização de pescados e de produtos artesanais derivados dos mesmos para que eles possam receber o Selo Arte.

O selo é uma certificação criada para “permitir que produtos  como queijos, embutidos, pescados e mel possam ser vendidos livremente em qualquer parte do território nacional, eliminando entraves burocráticos”. Com o selo estampado nesses produtos, os consumidores teriam uma garantia de qualidade, da produção artesanal e do respeito às “boas práticas agropecuárias e sanitárias”.

Todavia, o que muitos especialistas questionam no texto da Instrução Normativa é que ela estabelece como pescados, “os peixes, os crustáceos, os moluscos, os anfíbios, os répteis, os equinodermos e outros animais aquáticos usados na alimentação humana“.

De acordo com a Lei de Crimes Ambientais vigente no Brasil, a única exceção contra os crimes contra a fauna é a pesca, ou seja, a atividade pesqueira. E nessa legislação, a definição para pesca é de “espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios”. Ou seja, não inclui espécies de anfíbios ou répteis.

Sem especificar exatamente o que seriam “outros animais aquáticos” e ao incluir anfíbios e répteis, especialistas temem que espécies de jacarés, quelônios e até botos, por exemplo, alguns ameaçados de extinção, corram ainda mais riscos.

“É um absurdo. Querem tirar a responsabilidade do impacto da pesca. Além do ponto de tratar animais aquáticos de forma ampla para favorecer o setor”, afirma Maurício Forlani, gerente de pesquisas da organização Ampara Silvestre.

Uma outra crítica ao texto é que o termo “pesca” está sendo usado no lugar de captura. “Não se pesca répteis ou anfíbios… Isso é caça!”, ressalta o biólogo José Sabino, professor da Universidade Anhanguera (Uniderp), no Mato Grosso do Sul.

Não há dúvida de que a criação do Selo Arte é uma medida positiva para beneficiar o mercado de produtos artesanais no país. É uma luta antiga de alguns setores para destravar a comercialização. “Mas uma coisa é vender queijos, geleias, mel e embutidos com o selo, outra é vender carne de jacaré”, ressalta Sabino.

“O mais preocupante é o que o texto deixa no ar, propositalmente genérico. Alguém vai lá, mata um boto e alega que existe uma Instrução Normativa que permite”, diz  Maurício Varallo, diretor da ONG Olhar Animal.

O Conexão Planeta enviou um e-mail para a assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, questionando sobre a falta de clareza do texto da Instrução Normativa e o possível risco que isso coloca sobre espécies aquáticas já ameaçadas no país, mas até este momento não teve nenhuma resposta.

Participe da consulta pública

Qualquer um pode dar sua opinião na consulta pública sobre a Instrução Normativa sobre os “requisitos de Boas Práticas Agropecuárias e de Fabricação aplicáveis aos aquicultores, pescadores e produtores de produtos alimentícios derivados do pescado e classificados como artesanais”. Ela é aberta a órgãos, entidades, pessoas físicas e jurídicas.

Para participar, você deve enviar sua apresentação no formato de uma planilha editável (veja modelo indicado na Instrução Normativa), para o e-mail: artesanal.cgpa@agricultura.gov.br.

A consulta pública se encerra no dia 22/04!

Série de polêmicas

Esta não é a primeira vez que o governo federal está envolvido numa questão polêmica nessa área. A lista já é grande.

Em novembro do ano passado, houve a liberação da pesca da sardinha em Fernando de Noronha, arquipélago protegido por duas Unidades de Conservação (UCs) Federais: o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e a Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha-Rocas-São Pedro e São Paulo, tal sua importância para a preservação marinha.

No mês seguinte, um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro excluiu o Ibama de processos para a permissão da criação de peixes em “corpos d’água da União”. Para especialistas do setor, a medida tira de cena justamente o órgão responsável por fiscalizar e fazer avaliações técnicas sobre impactos em organismos e ecossistemas locais.

Já em janeiro deste ano, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, a Science, destacou a ameaça do decreto do governo a espécies aquáticas brasileiras. A publicação internacional divulgou o alerta enviado por diversos pesquisadores brasileiros sobre o risco da produção da tilápia no país.

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