Acordo de Ibama com Petrobras destinará 23 milhões para
Força Nacional
Recursos virão de acordo de petrolífera com o órgão
ambiental para pagamento de multas ambientais. Ibama trata assunto como certo,
mas Petrobras afirmou que acordo ainda não está fechado
29 de abril de 2021
Governo destinará dinheiro de multas ambientais para a Força Nacional. Foto: Ministério da Justiça/Flickr.
Mesmo com os orçamentos nanicos dos órgãos ambientais e do
próprio Ministério do Meio Ambiente, o Ibama acabou de fechar um acordo com a
Petrobras no qual destina pouco mais de R$23,3 milhões referentes a multas
ambientais diretamente para os bolsos da Força Nacional de Segurança Pública,
gerida pelo Ministério da Justiça. A reportagem de ((o))eco teve acesso a
trechos do acordo, que determina ainda um desconto de 60% no valor total dos
autos de infração, que somavam R$58,3 milhões. A Petrobras afirmou que ainda
não houve a assinatura do acordo.
Em resposta ao questionamento de ((o))eco sobre o acordo
substitutivo, o Ibama esclareceu que tanto o desconto quanto o procedimento são
previstos em decreto e “os recursos visam justamente permitir que a Força
Nacional possa dar apoio ao Ibama nas operações de fiscalização”. Nesta
quinta-feira (29), foi publicado no Diário Oficial da União, uma portaria do Ministério da Justiça que dispõe
exatamente sobre o emprego da Força Nacional em apoio ao Ibama pelo prazo de
260 dias.
De acordo com a portaria, o contingente a ser
disponibilizado “obedecerá ao planejamento definido pela Diretoria da Força
Nacional de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do
Ministério da Justiça e Segurança Pública”, que é comandada pelo coronel da
Polícia Militar Antônio Aginaldo de Oliveira, marido da deputada federal Carla
Zambelli (PSL-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.
A Força Nacional é composta por policiais militares e civis,
bombeiros militares e profissionais de perícia dos estados e Distrito Federal e
atualmente já atua em apoio às unidades de conservação federais na Amazônia desde
outubro de 2018.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vê no
fortalecimento do uso das forças policiais uma forma mais barata de conseguir
efetivo grande para combater ilícitos ambientais, sem precisar abrir concurso
público. “O recurso da Força Nacional é para ajudar a viabilizar os batalhões
que dão apoio ao Ibama e ICMBio nas operações. Foi necessário (fazer o acordo)
para viabilizar esse apoio. Sem a Força Nacional, não há como fazer as
operações”, disse Salles, em entrevista a Giovana Girardi, no Estadão, no
início de abril.
((o))eco entrou em contato com a assessoria da Petrobras,
que afirmou que “as tratativas entre Petrobras e Ibama ainda se encontram em
andamento” e que não houve assinatura de acordo.
“Cabe ao órgão ambiental a decisão sobre a destinação dos
recursos a serem pagos, assim como a definição dos valores envolvidos. Nesse
caso específico, consta na minuta a proposta do Ibama de que o valores sejam
destinados à Força Nacional, para uso exclusivo no apoio e escolta a
fiscalização do IBAMA na Amazônia, para combate ao desmatamento. A negociação
do acordo está sendo realizada diretamente com o Ibama, que está articulando
com os demais órgãos que vierem a ser envolvidos. A Petrobras se responsabiliza
por reparar qualquer dano decorrente de suas atividades. E, para isso, busca
uma conciliação”, disse a Petrobras.
Orçamento
Em resposta ao questionamento de ((o))eco sobre a decisão de
destinar os recursos para Força Nacional no momento em que o órgão lida com um
orçamento minúsculo para fiscalização, a assessoria do Ibama acrescentou que:
“O orçamento do Ibama já está sendo recomposto através do pedido feito ao
Ministério da Economia”.
O abono no valor integral das multas foi um mecanismo
inserido originalmente pelo decreto nº 9.179/2017, assinado pelo então presidente
Michel Temer, e que previa que o infrator poderia pleitear a conversão da multa
em serviços de recuperação e preservação ambiental ou adesão a projetos
previamente selecionados, e com isso ganhar um desconto de até 60% no valor
total a ser pago.
Em 2019, já na caneta de Bolsonaro, a norma sobre as
infrações foi novamente alterada e acrescida com o dispositivo
de “conciliação ambiental”, alternativa ao pagamento formal da multa e que
deveria “ser estimulada pela administração pública federal ambiental”.
Não é a primeira vez que o Ibama fecha um acordo
substitutivo para autos de infração e dá uma destinação inusitada aos recursos.
Em fevereiro deste ano, o Ibama assinou um acordo similar com a Log-In, empresa
de logística, onde destinou a maior parte dos R$19 milhões em multas para a
Polícia Militar de São Paulo, conforme apurou a repórter Ana Carolina Amaral, para a Folha de São Paulo.
Uma ação popular protocolada pelo PSOL tramita atualmente na
5ª Vara Cível Federal de São Paulo contra o Ibama sobre a ilegalidade do acordo
feito com a Log In. “Apesar de o acordo mencionar que não haverá qualquer
interferência em quaisquer “obrigações de interesse primário na eventual
reparação e compensação por danos ambientais”, não fica expresso como tal fato
será possível, haja vista o objeto do acordo. A tendência, ao que tudo indica,
será a não reparação”, aponta a ação. “Ademais, o que se vê é a administração
pública renunciando a preciosos recursos sem qualquer motivação ou fundamento
legítimo”, completa o texto.
“A conversão de multas em serviços ambientais prevê descontos
desse tipo, para alavancar recursos para projetos ambientais previamente
selecionados por editais. O problema é que o governo, no lugar de implementar a
conversão de multas, tem priorizado acordos substitutivos que geram decisão
caso a caso, com forte componente político. Considero que esses acordos têm
problemas jurídicos. O acordo substitutivo entendido de forma genérica não pode
ser aplicado se a lei prevê expressamente a forma consensual de substituir a
multa em prol do meio ambiente, sendo que o art. 72, § 4º, da Lei 9.605/1998
estabelece o rito específico a ser usado, a conversão de multas em serviços
ambientais. Estão adotando o acordo substitutivo para não terem de seguir as
regras que disciplinam a conversão”, aponta Suely Araújo, ex-presidente do
Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“Da forma como estão agindo, gera-se a ‘indústria da multa’
criticada por autoridades desse governo. Se aplicassem as regras da conversão
de multas em serviços ambientais, os recursos iriam diretamente para projetos,
privados ou públicos, previamente selecionados. Não entrariam no caixa público
de forma desvinculada de um projeto, e nem devem entrar, na minha opinião.
Avalio como um equívoco no mérito e uma opção que deve ter sua legalidade
questionada, uma vez que a forma de fazer substituição de multa, em meio
ambiente, é por meio da conversão em serviços ambientais. Veja-se a lista de
serviços no art. 140 do Decreto nº 6.514/2008, com a redação atualizada: passam
longe de destinar recursos para o Fundo Nacional de Segurança Pública”,
completa a especialista para ((o))eco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário