PF diz que Salles montou esquema criminoso para favorecer
madeireiras
Operação deflagrada hoje a pedido do STF cumpre mandados de
busca e apreensão contra o ministro do Meio Ambiente e afasta 9 autoridades,
incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim
19 de maio de 2021
O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles é investigado
pela Operação Akuanduba por facilitação de contrabando de produtos florestais.
Foto: Ministério do Meio Ambiente/Flickr
A Polícia Federal cumpriu 35 mandados de busca e apreensão
em endereços ligados ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em São
Paulo, Distrito Federal e no Pará, com o objetivo de apurar crimes de
corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando
de produtos florestais no Ministério. A operação, batizada Akuanduba, teve
início por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de
Moraes, que também determinou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Salles.
Além disso, Moraes ordenou o afastamento preventivo de 9 agentes públicos
ocupantes de cargos e funções de confiança no Ibama e no Ministério do Meio
Ambiente, entre eles Eduardo Bim, presidente do Ibama desde o começo da gestão
de Salles.
Além de Bim, foram afastados também o assessor especial do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Leopoldo Penteado Butkiewicz; o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Wagner Tadeu Matiota; o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães; o analista ambiental e diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama, João Pessoa Riograndense Moreira Junior; o também analista ambiental e coordenador-geral de Monitoramento do Uso da Biodiversidade e Comércio Exterior do Ibama, Rafael Freire de Macedo; o coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Leslie Nelson Jardim Tavares; o coordenador de Inteligência de Fiscalização do Ibama, André Heleno Azevedo Silveira; e o analista ambiental do Ibama no Pará, Artur Vallinoto Bastos. Outro nome investigado é o de Olivandi Alves Azevedo Borges, que ocupou o cargo de diretor de Proteção Ambiental entre janeiro de 2019 e abril de 2020, e depois de secretário adjunto da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até setembro do ano passado.
Conforme apurado pela Polícia Federal, o esquema criminoso
envolveria ainda cinco empresas madeireiras: Conflorestas, Associação das
Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (Aimex), Ebata Produtos Florestais,
Tradelink Madeiras, e Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras.
Além de Ricardo Salles, a Petição (PET) 8975 emitida pelo STF também
determinou a medida cautelar de busca e apreensão contra os outros investigados
pela Operação, tanto os agentes públicos quanto as empresas madeireiras, assim
como a quebra do sigilo bancário e fiscal.
O mandado inclui a apreensão de bens e objetos que tenham
envolvimento direto com as infrações em apuração, além da autorização judicial
“para o acesso aos dados constantes nos discos rígidos, mídias e telefones
celulares apreendidos, incluindo-se, neste último caso, o histórico de mensagens
trocadas por SMS (Short Message Service) e por meio de aplicativos que permitem
comunicação telemática (WhatsApp e Telegram), e de correspondências eletrônicas
que eventualmente estejam armazenadas nas mídias/aparelhos ou em ‘nuvens'”.
O STF determinou ainda a suspensão imediata do Despacho nº
7036900/2020/GAB/IBAMA, publicado em fevereiro de 2020, que revogou a
necessidade de autorizações para exportação de madeira, e, com efeito
retroativo, legalizou milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os
anos de 2019 e 2020, sem a respectiva documentação. Com isso, volta a valer a
regra anterior, estabelecida pela Instrução Normativa nº 15/2011.
O presidente do Ibama, Eduardo Bim,
foi suspenso do cargo por medida cautelar enquanto é investigado pela PF. Foto:
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em fevereiro de 2020, atendendo pedidos da Associação
Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta) e da Associação
das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), o presidente
do Ibama eliminou a necessidade de autorização específica para exportação de
madeira de origem nativa em geral, como estabelecia a IN 15/2011. A autorização
passou a ser necessária apenas em casos que envolvam espécies em perigo de
extinção. A decisão de Bim foi assinada logo depois de uma reunião com
representantes de madeireiras multadas em R$ 2,6 milhões, no início de
fevereiro do mesmo ano, como mostrou à época a reportagem de Leandro Prazeres, em O Globo.
A apuração da Polícia Federal, que embasa a operação do STF,
confirma a participação de Eduardo Bim na reunião com representantes do setor
produtivo, da qual teriam participado ainda servidores do ibama, parlamentares
e o próprio ministro, e na qual teria sido apresentado o pleito das madeireiras
que motivou o despacho publicado em seguida. O texto da decisão judicial
reforça ainda que além do esforço incomum e pessoal de Bim para atender a
demanda apresentada pelas madeireiras para legalização das exportações já
realizadas, “os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão voltada
ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos
da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que
a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.
O afastamento do presidente do Ibama e de outros oito
agentes públicos no âmbito do Ministério do Meio Ambiente foi justificado pelo
ministro do STF em sua decisão, como medida cautelar, visto que, ao menos nesse
primeiro momento da investigação, a “manutenção dos agentes públicos nos
respectivos cargos poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a
instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e
de intimidação a outros servidores públicos”.
O texto ressalta ainda que quatro testemunhas ouvidas pela
PF manifestaram medo de sofrer represálias do Ibama após os seus depoimentos,
uma vez que os acusados ocupam cargos mais altos na hierarquia do órgão.
((o))eco entrou em contato com as assessorias de imprensa do
Ibama e do Ministério do Meio Ambiente em busca de um posicionamento sobre a
operação da Polícia Federal, mas até a publicação da reportagem não obteve
resposta. O espaço segue aberto.
Autoridades americanas foram ouvidas pela PF
A Embaixada dos Estados Unidos também forneceu à Polícia
Federal amostras das respectivas madeiras apreendidas pelas autoridades
norte-americanas. O material passará por perícia na PF para verificação da
origem geográfica das madeiras. Em janeiro de 2020, o United States Fish and
Wildlife Service (FWS) deteve para inspeção três containers de madeira
exportados do Brasil pela empresa Tradelink. Como as cargas não possuíam
documentação do Ibama, o FWS solicitou ao órgão ambiental a confirmação
relativa à legalidade dos embarques. Uma semana depois, uma carta do Ibama
informou que as cargas não foram analisadas e que as cargas haviam sido
exportadas sem autorização prévia. Entretanto, no mês seguinte, o então
superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães, enviou diversas
cartas na tentativa de garantir a liberação das cargas, e apesar da
determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação feita
anteriormente pelo próprio Ibama, as cartas do superintendente legitimavam os
envios e defendiam sua libertação da detenção.
“Em 25 de fevereiro de 2020, o FWS recebeu uma cópia da
Ordem de Interpretação Despacho n° 7036900/2020-GABIN, Processo nº
02001.003227/2020-84, assinada pelo Presidente do IBAMA, Eduardo Bim. Nas
páginas finais e Conclusão, a carta forneceu uma explicação das ações do escritório
do IBAMA no Pará e uma interpretação de vários processos do IBAMA e das
Instruções Normativas, concluindo finalmente que um DOF [Documento de Origem
Florestal] de Exportação é suficiente para exportar madeira nativa do Brasil”,
conta um trecho do ofício encaminhado pela Embaixada dos EUA. “No entanto,
apesar de todas as informações fornecidas pela TRADELINK e IBAMA, os embarques
permanecem retidos, em aparente violação de várias Instruções Normativas do
IBAMA (lei brasileira), enquanto a verdadeira origem e legalidade da madeira
permanece em questão. À luz do exposto, o FWS tem preocupações com relação a
possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da
TRADELINK e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e
sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da
região amazônica. O FWS abriu uma investigação relativa à TRADELINK EUA, suas
práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento
em práticas corruptas, fraudes e outros crimes”, completa o texto assinado por
Bryan Landry, do FWS.
Salles em vistoria na madeireira no
dia 31 de março. Foto: Twitter/Ricardo Salles
O assessor de Salles
Um dos depoimentos ouvidos pela Polícia Federal, feito pelo
servidor do Ibama Hugo Leonardo Mota Ferreira, lotado na Superintendência de
Apuração de Infrações Ambientais (SIAM/GAB/IBAMA), indicou o envolvimento do
assessor do ministro, Leopoldo Penteado Butkiewicz, que desde janeiro de 2021
teria passado a atuar de forma direta no Ibama. De acordo com a depoimento, o
assessor, braço direito de Salles, participaria dos grupos de Whatsapp da
superintendência e “tendo por diversas vezes dado ordens diretamente ao
depoente e intercedido em favor de autuados”.
Em maio deste ano, Leopoldo Penteado e a testemunha, o
servidor Hugo Ferreira, protagonizaram um bate-boca na sede do Ibama, no dia
seguinte à publicação de um relatório, assinado por Hugo, que evidenciava a
ineficiência do novo modelo de autuações e sanções ambientais impostos pela atual
gestão. O episódio rendeu uma denúncia, protocolada por Hugo na corregedoria do Ibama, na qual o
servidor relata ameaças feitas por Leopoldo Penteado, endossadas pelo
superintendente Wagner Tadeu Matiota.
Despacho já era questionado na Justiça
Em junho de 2020, o Instituto Socioambiental, a Associação
Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente e o Greenpeace
Brasil, com subsídios técnicos do Observatório do Clima, já havia protocolado
na 7ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, uma ação civil pública que solicitava a suspensão
imediata dos efeitos do despacho publicado em fevereiro do ano passado, que
revogou a necessidade de autorização para exportação de madeira.
Em abril deste ano, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio
do Ministério Público Federal também pediu a abertura de investigação para apurar a eventual
responsabilidade do presidente do Ibama por assinar despachos que
liberaram a exportação de madeira sem fiscalização ambiental, para averiguar se
houve improbidade administrativa.
Por decisão liminar de Alexandre Moraes, a validade do
despacho foi suspensa nesta quarta-feira (19).
“Vamos ver agora quais crimes que serão descobertos. O fato
é que Salles montou um verdadeiro escritório do crime ambiental no Ministério
do Meio Ambiente e um dia teria que responder por isso”, disse Marcio Astrini,
secretário-executivo do Observatório do Clima.
A decisão judicial do ministro do Supremo ressalta ainda um
Relatório de Inteligência Financeira (RIF) envolvendo o ministro, que indicou
uma movimentação extremamente atípica envolvendo o escritório de advocacia de
que Salles é sócio com 50% de participação. Conforme o RIF, no período entre 1º
de janeiro de 2012 e 30 de junho de 2020, foram movimentados R$14,1 milhões.
“Situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores
aprofundamentos”, aponta Moraes.
Reabertura do caso
O teor da petição (PET 8975) veio de uma notícia-crime
apresentada no ano passado contra o ministro Salles pelos senadores Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), pela deputada federal Joênia
Wapichana (Rede-RR) e pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que apontava os
supostos crimes de prevaricação e crimes de responsabilidade em razão da
manifestação de Salles durante a reunião ministerial realizada em abril de 2020,
que eternizou a frase “vamos passar a boiada”.
O caso havia sido arquivado em outubro do ano passado, quando o
ministro Alexandre de Moraes acolheu parecer do Procurador-Geral da República,
Augusto Aras, que argumentou que na reunião Salles se limitou a manifestar
opinião sobre “temas relacionados às diretrizes que poderiam vir a ser, ou não,
adotadas pelo Poder Executivo” e que não havia, na petição, nenhum indício real
de fato típico praticado por ele. O ministro do STF determinou o desarquivamento a pedido da PF, que apresentou por
meio de representação novas provas relacionadas aos fatos descritos na petição.
Líder da oposição na Câmara dos Deputados e um dos
parlamentares que assinou a notícia-crime que motivou a petição, Alessandro
Molon comentou em suas redes sociais a necessidade de instaurar uma CPI do Meio
Ambiente. “Essa operação de hoje da Polícia Federal só reforça a necessidade de
se instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] na Câmara dos Deputados com
o objetivo de investigar a gestão de Ricardo Salle. Desde que assumiu a pasta,
diversas denúncias de atos ilícitos envolvendo o ministro ou subordinados seus
se acumulam, e já passou da hora de investigar essas denúncias. Por isso, nós
da Oposição vamos reforçar a coleta de assinaturas para instalar a CPI e a
nossa expectativa é alcançar o número necessário ainda hoje”, declarou
Molon no vídeo publicado nesta quarta-feira (19).
Jornalista ambiental especializada em unidades de
conservação e montanhismo. Escreve para ((o))eco desde 2012. Autora do
livr... →
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