ONGs internacionais e nacionais pedem realocação de complexo eólico na Bahia, longe de único refúgio da arara-azul-de-lear
Desde junho o Conexão Planeta vem acompanhando a polêmica sobre a construção de um complexo eólico, na região de Canudos, na Bahia, próximo ao único refúgio da arara-azul-de-lear do Brasil. A multinacional francesa Voltalia, que já iniciou a obra, pretende instalar na área 80 turbinas eólicas perto do principal habitat dessa espécie, considerada em perigo de extinção. Pelo último censo, realizado em 2019, estima-se que sejam apenas 1.500 indivíduos (leia reportagem completa aqui).
Em julho, o Ministério Público da Bahia recomendou a suspensão da obra. Segundo o MP, “a instalação do empreendimento pode causar impactos irreversíveis para a fauna da região e para as comunidades tradicionais”. O órgão recomendou ainda que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) suspendesse ou mesmo, anulasse, a atual licença ambiental do parque. Acontece que a Voltalia não precisou apresentar um licenciamento ambiental completo para obter a permissão. Todavia, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”.
Apesar disso, o Inema aprovou o projeto somente com a apresentação do licenciamento simplificado.
No último dia 31 de agosto, 71 organizações, associações comunitárias, grupos e coletivos divulgaram uma carta manifestando preocupação diante do descumprimento pela Voltalia e pelo Inema à recomendação expedida pelo Ministério Público da Bahia.
“A continuidade das obras, mesmo após a recomendação do MP, e o descaso do Inema diante da situação implica em grave violação de direitos às populações direta e indiretamente afetadas e ao bioma caatinga. Já é possível verificar impactos como: o desmatamento, incluindo espécies protegidas como o licuri (alimento das araras), o aumento do preço da terra, a grilagem, a violação do direito de ir e vir das comunidades e o afugentamento de animais silvestres. A Voltalia S/A vem tentado justificar estas e outras graves violações socioambientais com o argumento de geração de empregos, porém os documentos apresentados pela própria empresa informam que, após a conclusão das obras, serão mantidos apenas 15 empregos para a operação do complexo eólico”, diz o texto da carta (veja o documento na íntegra e os signatários aqui).
E há poucos dias organizações internacionais se uniram a mais entidades nacionais na luta pela paralisação da obra. Numa carta conjunta enviada ao CEO da Voltalia, Sébastien Clerc, a American Bird Conservancy (ABC), a BirdLife International, a Ligue pour la Protection des Oiseaux (LPO) e as brasileiras Fundação Biodiversitas, SAVE Brasil e WWF-Brasil, pedem a realocação da obra e a recuperação da área já desmatada.
“É devastador. É surpreendente o suficiente que qualquer pessoa considere a instalação de um complexo eólico ali, quanto mais prosseguir com o projeto até aqui. Destruir o habitat de uma espécie em extinção sem avaliar os impactos ambientais é chocante. Este projeto deve ser cancelado e o habitat da espécie restaurado imediatamente”, diz Mike Parr, presidente da American Bird Conservancy.
“Reconhecemos totalmente a imensa importância de mudar de fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis para renováveis, bem como a importância do desenvolvimento sustentável e fornecimento de energia no Brasil. “Não assumimos essa postura contra o projeto levianamente. No entanto, dada a ameaça real de impactar irreversivelmente uma espécie altamente ameaçada, é imperativo que o projeto seja mudado e o habitat das aves restaurado”, ressalta Joel Merriman, diretor da Campanha Bird-Smart Wind Energy da ABC.
Graças a projetos de conservação na Caatinga baiana, a população de araras-azuis-de-lear passou de 228 para 1.500 indivíduos em 20 anos
Desde que o caso veio a público há quase três meses, tanto o Inema, como o Cemave – centro nacional voltado para a conservação das aves silvestres ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) – não responderam aos e-mails enviados para suas assessorias de imprensa ou fizeram qualquer tipo de declaração sobre o assunto.
Existe uma petição online contra o Complexo Eólico de Canudos, que já conta com quase 80 mil assinaturas. Se você também quer a suspensão da obra e gostaria que as autoridades locais se pronunciassem a respeito, assine e compartilhe este link.
O Conexão Planeta aguarda um pronunciamento da Voltalia sobre a divulgação das cartas das entidades nacionais e internacionais.
A localização do Complexo Eólico de Canudos está indicada com a seta vermelha, onde aparecem as linhas finas laranjas. A mancha clara, em verde, apresenta a área de uso da arara-azul-de-lear na região do Raso da Catarina
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Fotos: arara-azul-de-lear (João Marcos Rosa/Fundação Biodiversitas)
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