Câmara aprova norma com retrocessos ao Código Florestal e à
Lei da Mata Atlântica
“Jabutis” colocados em Medida Provisória 1150/2022
fragilizam regularização ambiental e aumentam possibilidade de desmatamento em
vegetação primária na Mata Atlântica. SNUC também foi afetado
30 de março de 2023
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A Câmara dos Deputados aprovou, na tarde
desta quinta-feira (30), uma Medida Provisória herdada do governo
anterior que não só traz retrocessos ao Código Florestal, mas também à Lei da
Mata Atlântica e ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Em seu
teor, a MP 1150/2022 trata do Programa de Regularização Ambiental (PRA), um dos
passos para que proprietários de imóveis rurais possam se adequar às leis
ambientais brasileiras e importante ferramenta das iniciativas de
reflorestamento no país. Uma série de “jabutis” inseridos na MP, no entanto,
trouxeram também mudanças em outras normas fundamentais do arcabouço ambiental
brasileiro.
A MP 1150, por si só, já é ruim. Ela adia, pela sexta vez, o
prazo de adesão ao PRA. A questão se arrasta desde 2012, quando o Novo Código Florestal
foi aprovado. O texto original dava prazo de um ano para esta adesão, a contar
da implantação do programa de regularização. A nova redação dá 180 dias para
que isso aconteça, mas somente após o proprietário ser convocado pelo órgão
competente estadual ou distrital. Com o prazo contando somente a partir da
convocação, o texto proposto abre brechas para que nunca seja cumprido de
fato.
“Em relação ao Código, adia mais uma vez o prazo de adesão dos proprietários de terras ao Cadastro Ambiental Rural para fazer restauração. E ainda adiciona um entrave: estabelece que, para se iniciar esse processo, todos os cadastros precisam ser analisados e validados. Não há qualquer tipo de benefício para que os proprietários possam seguir voluntariamente. Mais uma vez, desmoraliza a lei ao travá-la”, disse Raul do Valle, Diretor de Justiça Ambiental do WWF Brasil.
Depois de mais de uma década de sua aprovação, a
implementação do Código Florestal ainda anda a passos lentos. Dos quase 7
milhões de imóveis rurais registrados no país, apenas 45 mil foram validados.
Esse número não alcança 1% dos imóveis cadastrados. A validação é o primeiro
passo para a Regulação Ambiental.
A norma de 2012 perdoou 41 milhões de hectares desmatados
ilegalmente, mas 21 milhões ainda precisam ser recuperados. Agora, a MP 1150
deixa em aberto o prazo para iniciar essa recuperação. O Brasil tem 19 milhões
de hectares de vegetação em Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente que
precisam ser recuperadas.
Jabutis
No jargão legislativo, “jabuti” é um “contrabando” que os
parlamentares fazem ao inserir em uma proposta legislativa um tema sem relação
com o texto original. Desde 2016 existe um entendimento do Supremo Tribunal
Federal que a prática é inconstitucional, mas ela continua sendo utilizada por
deputados e senadores.
Vários dos jabutis inseridos na MP aprovada hoje afetam
diretamente a Lei da Mata Atlântica. O texto estabelece, por exemplo, que
empreendedores não precisam mais analisar se há vegetação primária na área em
que se pretende instalar uma obra.
As áreas de vegetação primária – aquelas que nunca foram
desmatadas ou que estão em recuperação há muitos anos – tinham proteção total
na forma como a Lei estava até então redigida. Caso houvesse esse tipo de
vegetação no trecho da obra, por exemplo, o empreendedor era obrigado a indicar
uma rota alternativa, de forma a não descaracterizar a área.
O texto aprovado hoje também incentiva a expansão urbana
sobre áreas de preservação permanente (APP), ao retirar as poucas salvaguardas
que existem na legislação. Tais salvaguardas já haviam sido fragilizadas no
final de 2021, quando o Congresso mexeu na Lei da Mata Atlântica, permitindo
que qualquer margem de rio em perímetro urbano pudesse ser ocupada se a
legislação municipal permitisse.
“Sabemos que os órgãos municipais costumam ser muito mais
suscetíveis à pressão dos empreendimentos imobiliários”, lembra Raul do Valle,
do WWF Brasil.
Por fim, o novo texto da MP 1150 altera o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC), ao tirar o poder do órgão regulador de
definir as zonas de amortecimento no entorno de áreas que precisam ser
protegidas.
Repercussão
A aprovação da MP 1150 com o texto como está provocou uma
série de reações de parlamentares, sociedade civil e organizações
ambientalistas. Para Malu Ribeiro, Diretora de Políticas Públicas da SOS Mata
Atlântica, as emendas são inconstitucionais.
“A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o maior jabuti da
história em uma medida provisória. Sob o pretexto de ampliar o prazo do
Cadastro Ambiental Rural e do PRA, esfacelou com a Lei da Mata Atlântica,
adicionando uma emenda de plenário a meu ver inconstitucional. Na prática, essa
aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera. Favorece e
amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do clima,
da água e da biodiversidade. O único bioma brasileiro que conta com uma lei
especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade
neste momento de emergência climática. Vamos pedir que o presidente Lula vete a
MP em defesa da Mata Atlântica”, disse, em nota enviada a ((o))eco.
Maurício Guetta, consultor Jurídico do Instituto
Socioambiental (ISA), também atenta para a inconstitucionalidade da norma e
defende que as mudanças no texto original beneficiam apenas interesses empresariais.
“A redação aprovada está cheia de contrabandos legislativos,
com diversos retrocessos, sem relação com o tema original da medida provisória.
Ao fazer isso, além de incorrer em inconstitucionalidade formal, o texto propõe
verdadeiro desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para
as unidades de conservação e, inclusive, para áreas de risco no entorno de
rios. Em meio a tantas tragédias, como a que vemos hoje no Acre, a Câmara se
volta contra a população brasileira e o meio ambiente para beneficiar meia
dúzia de interesses empresariais”, disse, também em nota
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