ALIMENTAÇÃO
Insetos na alimentação: a espera de autorização
Conhecimento ainda preso nas universidades, o consumo de insetos na alimentação humana exerce papel na questão ambiental, nutricional e medicinal
14/02/2021 04:00 - atualizado 12/02/2021 09:12
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Conhecimento represado na academia, a introdução de insetos na
alimentação precisa ganhar as ruas, ser discutido, informado e experimentado
pela população, já que um dia estará no prato de grande parte das pessoas ao
redor do mundo. A bióloga Patrícia Milano, doutora em entomologia pela
Universidade de São Paulo (USP), afirma que o Brasil é um país rico em
oportunidades e conhecimento, porém isso ainda está muito preso dentro das
universidades. “É preciso que a rede pública abra espaço para que na educação
nas escolas se fale mais sobre alimentação humana com insetos, em controle de
pragas com insetos, na importância dos insetos como polinizadores e, portanto,
geradores de grande parte dos alimentos que consumimos.
Logicamente, podem ser vetores de doenças, como dengue,
malária e doença de Chagas. “Porém, não se deve focar somente nestes casos e na
importância do controle, mas ensinar que os insetos são bons e um alimento importante
e riquíssimo para muitas espécies animais e também para os humanos. Os ganhos
no consumo são muitos. Vão desde a questão ambiental, até a nutricional e
medicinal, uma vez que eles podem até evitar doenças”, destaca.
bióloga Patrícia Milano, doutora em
entomologia pela Universidade de São Paulo (USP), comendo uma torrada com
torrada com larvas de tenebrio(foto: Arquivo Pessoal)
Patrícia Milano, que é pesquisadora e fundadora da
Ecological Food, empresa que cria insetos para alimentação animal e humana,
afirma que já existem espécies de insetos cadastradas no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para criação de animais, inclusive
para que produtores de ração possam incluir insetos em seus produtos. Segundo
ela, muitas pesquisas vêm sendo desenvolvidas nas universidades para que o
conhecimento das espécies de insetos, as fases e as porcentagens a serem
utilizadas nas rações sejam conhecidas e, futuramente, cadastradas.
“Em relação à alimentação humana, o que sabemos é que não é
proibido comer insetos no Brasil. No entanto, fazer produtos à base de insetos
e disponibilizá-los para venda, isso é proibido, a não ser que esse produto
tenha origem conhecida, tenha inspeção do Mapa e também autorização da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).”
E por que isso? “Porque temos de ter segurança nos
produtos que comemos, saber se os insetos incluídos nos produtos foram criados
de forma limpa, do que se alimentaram, como foram abatidos, qual o tipo de
processamento que sofreram até se obter uma farinha, a qual poderá ser
acrescentada em massas de macarrão, por exemplo, se estão livres de
micro-organismos, se podem ser tóxicos, se alérgicos podem comer, qual a
porcentagem segura de utilização das farinhas de insetos. Todas essas perguntas
serão respondidas ao Mapa e à Anvisa quando uma empresa solicitar a autorização
desses órgãos e, assim, o consumidor saberá que come algo seguro. É preciso
lembrar que, graças à atuação desses dois órgãos, somos um país que tem
alimentos limpos, com qualidade superior a outros mais desenvolvidos”, afirma.
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comestíveis
A bióloga explica que a Ecological Food nasceu depois de 23
anos de trabalho com insetos. “Depois que terminei meus estudos e trabalhei em
empresas de controle biológico de pragas, resolvi criar meu próprio negócio,
mas com foco na alimentação. Criar insetos para alimentação animal, além de ser
saudável para os animais, é saudável para a saúde do planeta.
Portanto, tudo a ver com o fato de eu ser bióloga. Assim, nasceu a empresa. Os
produtos da Ecological Food são de insetos criados de forma laboratorial, para
o mercado pet. Tenho autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e comercializo grilos, larvas do besouro
tenébrios e baratas.”
COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA
Patrícia Milano destaca que a alimentação humana com insetos
é uma realidade e cresce cada vez mais com muitas empresas na Europa, na Ásia e
na Austrália. Para a bióloga, as pessoas têm de saber dos benefícios da criação
de insetos para alimentação animal e humana, já que é uma produção que não
desmata grandes áreas pode ser feita na vertical, como em prédios, não polui
rios ou solo, pelo contrário, as fezes dos insetos servem de adubo para
plantas, a produção não emite grandes quantidades de gases de efeito estufa e
não exige grandes gastos de água.
“E no futuro próximo, as pessoas não precisarão ter medo de
comer produtos à base de insetos. Se levarmos ao conhecimento delas que eles
têm propriedades comprovadamente científicas, que podem combater a desnutrição
infantil, como já ocorre na Malásia, combater células cancerígenas e ser um
excelente suplemento alimentar, ser excelente para mulheres grávidas e
lactantes, além dos esportistas, que precisam repor muita proteína e minerais,
se a população tiver acesso a essas informações e confiança na forma como eles
são criados acredito que colheremos muitos benefícios para a saúde de muitos.”
No entanto, Patrícia Milano faz uma ressalva: não é legal
sair por aí coletando insetos e comendo-os sem um tratamento ou sem saber do
que eles se alimentaram, como a formiga tanajura, ou içá, ou a larva do
coquinho que se come na selva, são coletados na natureza e ingeridos. “Para
comer insetos é necessário saber como eles foram criados, do que se
alimentaram, se têm alguma toxina, quais as fases do inseto que podemos comer
etc. Portanto, quando for autorizada a venda de insetos para consumo humano,
seria importante as pessoas comprarem de fontes conhecidas e seguras.”
GORDURA
(foto:
Arquivo Pessoal)
Embora o consumo de insetos já seja uma realidade em muitos
países, no Brasil, por exemplo, ainda não existe uma legislação específica para
criação, uso e consumo de insetos na alimentação humana, o que limita essa
prática e colabora para a desinformação sobre o assunto
Rafael Ribeiro Soares Araújo, pesquisador e estudante de
doutorado em biotecnologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)
Rafael Ribeiro Soares Araújo, pesquisador e estudante
de doutorado em biotecnologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop),
destaca que, quando se fala em um produto alimentício à base de insetos, é
necessário que parâmetros e condições para criação, produção e processamento
sejam regulamentados sob a forma de legislações, normativas e diretrizes para
que orientem a produção e garantam a qualidade do produto e a saúde do
consumidor. “Embora o consumo de insetos já seja uma realidade em muitos
países, no Brasil, por exemplo, ainda não existe uma legislação específica para
criação, uso e consumo de insetos na alimentação humana, o que limita essa prática
e colabora para a desinformação sobre o assunto.”
O pesquisador enfatiza que na natureza existe um grande
número e variedade de insetos. Entre essa vastidão, os comestíveis podem ser
apontados como uma alternativa eficiente para suprir a demanda por alimentos
com alto conteúdo proteico. “Quando se fala em proteína, a indústria
alimentícia para atender à demanda futura, já nas próximas décadas, precisará
aumentar a produção de carne em pelo menos 20%. Esse aumento tem impactos
ambientais, considerando o modelo clássico de criação de animais. A título de
comparação em relação à quantidade de proteína produzida por hectare, para cada
hectare usado para criação de insetos, são necessários 10 hectares para gerar a
mesma quantidade de proteína bovina.”
Além da proteína, Rafael explica que insetos têm gorduras
(ou lipídeos) em sua composição, sendo os dois principais constituintes. O
grilo-preto (Gryllus assimilis), por exemplo, tem cerca de 22% de gordura,
enquanto o tenebrio gigante (Zophobas morio) tem 44%. Um valor bastante
elevado, que pode ser comparável ao conteúdo de gorduras presentes em nozes e
sementes, por exemplo, como castanha-de-caju, amendoim, linhaça e coco. A
composição da gordura desses insetos, em relação à composição de ácidos graxos,
é ainda bastante atraente do ponto de vista nutricional, tendo em vista o
equilíbrio entre ácidos graxos saturados e insaturados, semelhante ao óleo de
palma.
E ainda, em relação à qualidade proteica, o grilo-preto
exibe concentrações acima dos valores recomendados pela Food and Agriculture
Organization (FAO) para a maioria dos aminoácidos essenciais. E todos podem
consumir inseto ou produtos derivados, “com exceção claro, das pessoas que
tenham algum tipo de restrição nutricional em relação à dieta, ou ainda se
alérgicas a alguma proteína ou ao metabolismo dessas.”
Os insetos têm propriedades comprovadamente científicas, que
podem combater a desnutrição infantil, como já ocorre na Malásia, combater
células cancerígenas e ser um excelente suplemento alimentar, como já ocorre na
China e Tailândia, além dos esportistas, que precisam repor muita
proteína e minerais”
INSETOS NA ALTA GASTRONOMIA?
Para o chef Felipe Caputo, é preciso
um trabalho para tirar o preconceito sobre esse tipo de alimentação(foto: Débora
Gabrich/Divulgação)
Que tal um carré de cordeiro em massala e capim-santo com
farofa de formigas negras? Ou uma massa com molho de ervas frescas salpicadas e
grilos fritos? Ou ainda gafanhotos cobertos com chocolate? Felipe Caputo, chef
de cozinha especialista em comida mediterrânea, com passagens por restaurantes
do naipe do Soho House, em Malibu, e o ABCV, em Nova York, reconhece que a
primeira coisa que devemos pontuar quando o assunto é “insetos na gastronomia”
é não só na alta gastronomia, mas existem vários países, mais
do que imaginamos, que já têm a ingestão de insetos na alimentação. Para nós,
ocidentais, é que é uma alternativa um pouco “diferente”. Mas várias pesquisas
mostram que a refeição feita de insetos pode ser nutritiva e bem interessante.
Para Felipe Caputo, muito mais do que falar de insetos na
alta gastronomia, é importante falar deles nas produções sustentáveis de
alimentos. “Os frangos de granja são alimentados com milho e, muitas vezes, com
soja e transgênicos. Eles poderiam ser alimentados com insetos. Existem estudos
mundo afora tentando viabilizar uma produção de insetos para alimentar os
frangos e animais das grandes produções agrícolas. Seria interessante fazer uma
análise dos insetos dessa forma, já que traria um benefício maior para o mundo
todo, pensando em uma produção mais sustentável.”
O chefe acredita que, com o passar dos anos e o crescimento
populacional, é bem provável que os insetos ganhem muita força dentro da
gastronomia e da alimentação humana devido ao seu alto valor biológico,
baixíssimo impacto ambiental, além de ser nutritivos. Em diversos países
africanos que lidam com o problema da fome há anos, por exemplo, a ONU tem uma
lista de insetos recomendados para a alimentação. “Mesmo como chef que não cozinha
com insetos, tenho consciência de que a grande barreira, principalmente no
Brasil, é o preconceito. As pessoas ainda têm nojo e não querem nem
experimentar.”
Felipe Caputo destaca que há no país uma Associação dos
Criadores de Insetos, chefs biólogos reconhecidos e, mesmo assim, a maioria
absoluta das pessoas acha que comer esse tipo de alimento soa estranho. “Num
primeiro momento, temos de trabalhar a educação, ensinando as pessoas a não ter
preconceito com esse tipo de alimentação. Um trabalho, literalmente, de
formiguinha para ensinar as pessoas a comer formiga. Em países do Oriente, Ásia
e África, já existem insetos na alimentação da população. Mais de 100 países já
os consomem. Precisamos trabalhar esse costume e trazê-lo para a nossa
realidade.”
https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-56999884
Mais informações sobre o assunto
Um comentário:
Se já comemos moluscos como ostras e lesmas (escargot) acho que comer um gafanhoto frito naó é tão ruim assim.
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