terça-feira, 4 de abril de 2023

Na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, restauração transforma pastagens em refúgio de vida selvagem

 Meio Ambiente 

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Na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, restauração transforma pastagens em refúgio de vida selvagem

Por Sarah Brown*

Às margens de uma lâmina de água verde que reflete as montanhas cobertas de floresta, Nicholas Locke conta sobre a época em que essa área úmida foi um pasto estéril, após ter sido drenada, desmatada e usada para a criação de gado.

Nos últimos cinco séculos, grande parte da Mata Atlântica teve um destino semelhante. Mas, desde 2006, esta área no interior do estado do Rio de Janeiro tem sido transformada graças aos incansáveis esforços de restauração de Locke para reflorestar o bioma mais devastado do país.

Agora, jacarés podem ser vistos entre a vegetação aquática, enquanto garças enormes fazem seus ninhos na copa das árvores. “Os pássaros voltaram”, diz Locke.

O alagado faz parte de 12 mil hectares de Mata Atlântica restaurada protegidos pela Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da qual Locke é o atual gestor. Uma área antes amplamente fragmentada e desmatada que, agora, abriga 487 tipos de pássaros e uma floresta com 750 mil árvores plantadas nas últimas duas décadas.

Esforços de conservação restauraram esta área alagadas da Reserva Ecológica de Guapiaçu e fizeram com que centenas de espécies de pássaros retornassem à região. Foto: Sarah Brown

Originalmente, a Mata Atlântica se estendia por 1,3 milhão de quilômetros quadrados, mas desde a invasão europeia pelo menos três quartos foram desmatados em nome do crescimento e desenvolvimento do país. Apesar da redução, continua sendo uma área de alto endemismo e é uma região global prioritária para a conservação.

“É um ponto crucial de biodiversidade”, diz Thiago Belote, especialista em conservação da ONG WWF. “E também importante para as pessoas, pois vários setores da economia brasileira dependem dos serviços ecossistêmicos produzidos no local”.

Dados do coletivo de pesquisa MapBiomas mostram que a cobertura florestal da Mata Atlântica permaneceu estável entre 1985 e 2020 – em torno de 26% –, após anos de desmatamento elevado. No entanto, a aparente estabilidade esconde a perda de florestas maduras em relação à regeneração de florestas jovens. No mesmo período, a perda de vegetação primária foi de 10 milhões de hectares, enquanto a área de vegetação secundária ganhou 9 milhões de hectares.

Especialistas defendem que a melhor solução para ajudar a reconstruir a Mata Atlântica e estimular a regeneração natural é a restauração.

Nesse sentido, em 2009, comunidades e ONGs se uniram para restaurar 15 milhões de hectares do bioma em uma coalizão conhecida como Pacto Trinacional da Mata Atlânticareconhecido pela Organização das Nações Unidas, em dezembro de 2022, como uma das 10 Iniciativas de Referência da Restauração Mundial.

Mais de 300 organizações signatárias do Brasil, Argentina e Paraguai apoiam o pacto – uma delas é a Reserva Ecológica de Guapiaçu.

Nicholas Locke, atual gestor da Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), começou a restaurar o terreno de sua fazenda no início dos anos 2000. Foto: Sarah Brown

Conservação com benefícios mútuos

No início dos anos 2000, Locke e sua esposa, Raquel, criaram a Reserva Ecológica de Guapiaçu quando decidiram devolver às terras de sua fazenda o estado original de floresta. O objetivo era restaurar essa área antes desmatada a e, ao mesmo tempo, aumentar a conscientização sobre a importância da conservação por meio do ecoturismo e da educação ambiental. 

Com 50% da vegetação nativa Mata Atlântica em mãos privadas, proprietários de terras, como a família Locke desempenham um papel importante no futuro da floresta.

“O fruto dessa restauração é o programa de reintrodução da anta”, diz Locke. Ele se refere à iniciativa de reintrodução do maior mamífero terrestre da América do Sul, a anta-brasileira (Tapirus terrestris), extinta no Rio de Janeiro há mais de 100 anos. Atualmente, 15 antas vivem nas terras da Regua, e há planos de aumentar a população para 50.

A reserva também abriga uma rara população de muriquis-do-sul (Brachyteles arachnoides), o maior primata das Américas, cujo número de remanescentes no mundo não passa de 1.500 indivíduos. Quatro grupos da espécie já foram avistados na Regua.

A região também está inserida na bacia hidrográfica do Guapiaçu, uma das bacias fluviais mais importantes da zona norte do Rio de Janeiro, garantindo água potável para 2,5 milhões de pessoas.

“É uma vitória para todos”, diz Locke. “A floresta mantém a biodiversidade, conecta os fragmentos florestais existentes e contribui para a segurança hídrica da população a jusante da bacia”.

Contando com doações, a Regua já comprou 110 propriedades vizinhas que não apresentam mais potencial agrícola. “Existe um consenso de que a melhor forma de proteger a terra é através da compra”, explica Locke. “Recebemos um apoio enorme de todo o mundo em nossos esforços para garantir essas propriedades e proteger as florestas e a biodiversidade”.

Além de conservar a floresta primária em suas terras, a Regua visa aumentar a biodiversidade e reduzir a fragmentação com esforços de restauração.

Depois de restaurar a área original, a RPPN hoje adquire terras não utilizadas na vizinhança para restaurar a Mata Atlântica. Isso protege a Bacia do Rio Guapiaçu, garantindo o abastecimento de água de qualidade para 2,5 milhões de pessoas. Foto: Sarah Brown

Restaurando uma floresta

Em uma estufa espaçosa e úmida, Raquel Locke, esposa de Nicholas, caminha por entre fileiras de mudas plantadas em vasos e em tubos cheios de terra. Ela conta que, antes das mudas serem replantadas em terrenos destinados à restauração, passam um ano em viveiros como este.

“Existem 120 espécies nativas aqui no momento”, diz, explicando que cerca de 90% das sementes são coletadas nas florestas nas montanhas circundantes. As demais são trazidas de viveiros estatais.

Além de ser um processo demorado, a restauração pode ser cara. Em média, o custo por hectare chega a ser de 5 a 6 mil dólares. “A desvantagem é que um projeto dessa magnitude leva anos e requer um apoio amplo para ser implantado”, diz Raquel. “No entanto, assim que estabelecido, os custos diminuem e os pagamentos de ecosserviços junto com o turismo continuam.”

Para que os esforços de restauração sejam bem-sucedidos, eles devem agregar valor às comunidades locais, dizem os especialistas. Mais de 70% dos brasileiros vivem em área de Mata Atlântica e dependem dos serviços ambientais do bioma para manter a qualidade do ar e garantir o fornecimento de água e energia.

No viveiro da Regua, mudas de 120 espécies de árvore aguardam o plantio. Foto: Sarah Brown

Nesse sentido, a Regua trabalha com escolas locais e oferece atividades semanais de educação ambiental com o objetivo de enfatizar a importância de conservação do bioma e proteger o abastecimento de água.

A reserva também recebe universidades locais e globais, além de pesquisadores visitantes, que colaboram com o estudo das espécies da bacia hidrográfica do Guapiaçu. “Isso ajuda a envolver a comunidade e entender melhor a vida selvagem da região”, conta Locke.

No jardim externo do centro de visitantes da Regua fica o mirante, uma plataforma de observação de dois níveis. Dali, Locke observa as copas das árvores movimentadas e as montanhas da Serra do Mar. “Tudo isso já foi um vazio”, relembra. “Queremos aumentar a conscientização sobre o motivo da preciosidade desta floresta”, acrescenta, enquanto um coro de pássaros canta e assobia ao fundo.

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*Este texto foi publicado originalmente no site da Mongabay Brasil em 3/4/2023

Foto (destaque): Nick Athanas/Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) – A Reserva Ecológica do Guapiaçu reintroduziu a anta no Rio de Janeiro pela primeira vez em 100 anos

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