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“Começo do fim”: COP28 termina com decisão inédita sobre fósseis
Sinalização, no entanto, é comprometida por fragilidade do texto final, que não menciona prazos ou garantia de financiamento para transição
DO OC – “Mas já?”
Os observadores que acompanhavam pelo telão da Expo 2020 a plenária final da COP28, em Dubai, levaram alguns segundos para entender o que havia acontecido. Às 11h12 da manhã desta quarta-feira (13), um minuto e quarenta e cinco segundos após a abertura da sessão, o presidente da conferência, Sultan Al-Jaber, bateu o martelo da adoção da decisão mais importante (e polêmica) do encontro: o Balanço Global do Acordo de Paris.
A velocidade da marretada, imediatamente aclamada pelos delegados de mais de uma centena de países presentes em Dubai, surpreendeu por contrariar o ritual normal das conferências do clima. Em geral, o presidente da COP anuncia o item de agenda que será adotado e, antes de bater o martelo, tem de ouvir discursos de vários países – frequentemente discordando do texto. O fato de isso não ter ocorrido em Dubai foi ainda mais espantoso dado o conteúdo do texto em questão e a quantidade de drama em torno dele nas 48 horas anteriores: afinal, um dos itens de suas 21 páginas fala simplesmente em abandonar os combustíveis fósseis, os causadores da crise climática, que haviam passado 30 anos fora do gancho nas COPs.
Em seu parágrafo 28, o texto do Balanço Global convoca os países a “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência”.
É muito menos do que a “eliminação gradual justa, completa e adequadamente financiada dos combustíveis fósseis” que a sociedade civil e as nações-ilhas exigiam para que o mundo tivesse a chance de limitar o aquecimento global em 1,5oC, ou o mais perto disso possível. Mas muito mais do que parecia possível na noite de segunda-feira, quando a presidência botou na mesa uma proposta de texto que as nações insulares rejeitaram como sua “sentença de morte”: um cardápio de opções que os países “poderiam” adotar para “reduzir gradualmente” as usinas a carvão mineral que não tivessem suas emissões compensadas ou sequestradas.
O bode colocado por Al Jaber na sala provocou revolta generalizada dos países e levou a intensas negociações que fizeram a COP terminar 24 horas e 12 minutos depois do prazo dado pela presidência, mas que produziram um pequeno milagre da diplomacia: sinalizar o fim da era fóssil numa conferência feita no quintal da Arábia Saudita, liderada pelo CEO de uma empresa de petróleo e com instruções muito claras da Opep (o cartel das nações petroleiras) para melar seu resultado.
As concessões aos fósseis no chamado “pacote de energia” de Dubai, porém, ameaçam a consolidação desse milagre: o texto fala, por exemplo, de “acelerar esforços para reduzir o carvão mineral não-mitigado”, o que não tem nenhuma diferença para o que o mundo já está fazendo e que já havia sido decidido em 2021, na COP de Glasgow; também promove tecnologias que ajudam a manter a produção e o consumo de fósseis, como a captura e armazenamento de carbono (CCS); por fim, num aceno gigantesco aos países petroleiros, o texto de Dubai defende “combustíveis de transição”, que incluem o gás fóssil. Além disso, ficaram de fora do texto final definições sobre prazos para a transição e também quanto ao financiamento dos países ricos para a ação climática dos países em desenvolvimento.
As fragilidades foram apontadas por Samoa numa intervenção demolidora, que começou questionando o próprio processo de aprovação do texto final. Segundo Anne Rasmussen, negociadora-chefe da nação insular do Pacífico, a decisão foi tomada enquanto o grupo ainda estava do lado de fora da plenária, organizando suas intervenções e demandas. “Não queríamos interromper a ovação quando entramos na sala, mas ficamos confusos quanto ao que aconteceu. Aparentemente as decisões foram tomadas e as pequenas ilhas não estavam na sala”, afirmou.
Houve o temor de que isso colocasse sob suspeição o consenso dos países, mas Rasmussen logo anunciou que iria apresentar a declaração que grupo de 39 nações insulares pretendia fazer antes da aprovação do texto. E começou apontando os limites do “reconhecimento da ciência” no texto final. “No parágrafo 26, não vemos qualquer compromisso ou mesmo convite às partes para que atinjam seus picos de emissões até 2025. Reivindicamos a ciência ao longo do texto, e mesmo nesse parágrafo, mas nos abstemos de aprovar ações concretas alinhadas ao que a ciência nos diz. Não é o bastante para nós reconhecer a ciência e, depois, fazer acordos que ignoram o que a ciência está nos orientando a fazer”, disse.
A representante de Samoa criticou ainda trechos do parágrafo 28, como o recorte específico aos “sistemas energéticos” no subparágrafo que aborda a transição dos fósseis. A referência é vista como uma limitação, já que fósseis são utilizados em outros sistemas, como na indústria petroquímica, a produção de plásticos e medicamentos. “O foco exclusivo do parágrafo 28D nos sistemas energéticos é frustrante”, declarou. O parágrafo cita ainda o abatimento e remoção de carbono como “soluções”, consideradas por Rasmussen como distrações que podem “potencialmente nos fazer retroceder, ao invés de avançar”.
Simon Stiel, secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, tampouco se deixou levar pela autoindulgência de Al Jaber: “Embora não tenhamos virado completamente a página dos combustíveis fósseis em Dubai, isso é claramente o começo do fim”, disse. Celebrando comedidamente o resultado, Stiel destacou ainda a necessidade de um olhar para “o que vem a seguir”. Erguendo uma edição impressa do Acordo de Paris, foi aplaudido ao dizer que o caminho, agora, passa por colocar o tratado em pleno funcionamento. O secretário-executivo da UNFCCC lembrou que, na trilha para a COP30, os países precisarão apresentar suas novas contribuições nacionalmente determinadas em 2025. “Cada compromisso sobre finanças, adaptação e mitigação precisa estar alinhado à meta de 1,5ºC”, disse, sinalizando que ainda há muito em que se avançar nos próximos dois anos.
A ministra brasileira do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, uma das primeiras a discursar na plenária, reforçou o quanto os próximos dois anos serão cruciais para que o planeta tenha uma chance de limitar o aquecimento e evitar o colapso climático. Destacando a necessidade de medidas mais concretas quanto aos meios de implementação (dinheiro, em bom português), cobrou países ricos e suas responsabilidades.
“Nossa próxima tarefa é alinhar os meios de implementação necessários, assegurando a fundamental premissa da transição justa. É fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira na transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”, disse. (CLAUDIO ANGELO E LEILA SALIM)
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