Um povo social e aberto por natureza
Ligia Aguiar- Estado de São Paulo- quinta feira, 26 de dezembro.
SÃO PAULO – A frase “o brasileiro é o povo mais social do mundo” já
virou um clichê de executivos de internet. O País figura hoje entre as
três principais nações em número de usuários nas estatísticas de redes
sociais de todo o mundo.
Segundo uma pesquisa realizada pela Nielsen, os brasileiros são os
que mais usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos
como Estados Unidos, Índia e China. São 27 horas online por mês – 36%
desse tempo nas redes sociais. Além disso, 75% da população nacional
acredita que a principal função do smartphone é acessar as redes.
A jamaicana Alessandra Chong sentiu na pele esse “efeito Brasil”
quando veio ao País no mês passado lançar o aplicativo Lulu, que permite
às usuárias avaliar anonimamente os homens. Durante duas semanas, o
Lulu dominou a atenção da imprensa e chegou a 5 milhões de visitas,
tornando-se o app mais baixado da loja da Apple. Em meio a uma enxurrada
de críticas, o Ministério Público chegou a instaurar inquérito contra a
empresa. O que explica esse fenômeno? “Vocês são loucos por redes
sociais e as mulheres gostam de coisas novas. Além disso, vocês têm uma
vida noturna e de relacionamentos muito ativa”, concluiu a diretora
global de marketing do Lulu Deborah Singer, em entrevista ao Estado na
época.
Instagram. Em 2013, alguns dos principais executivos
de redes sociais vieram ao País para tentar entender o comportamento do
usuário local e buscar oportunidades. Às vésperas do Natal, a americana
Bailey Richardson, gerente global de comunidades do Instagram, esteve
no País para estudar os hábitos locais de compartilhamento de fotos. Ela
percebeu que, ao contrário dos estrangeiros, os brasileiros pouco se
preocupam em bloquear suas contas no Instagram, deixando as fotos
acessíveis a todos.
Entre os fenômenos que intrigaram Bailey estava a hashtag #passinho que reúne vídeos e imagens de usuários executando a dança que virou febre no Rio de Janeiro.
Ao lado dos protestos de junho, fenômenos como esse convenceram a
empresa a investir na sua segunda contratação internacional e selecionar
um brasileiro para trabalhar com as comunidades brasileiras de usuários
do Instagram. Até então, a companhia tinha apenas um funcionário fora
da Califórnia, baseado em Londres. “A revolução dos smartphones é muito
rápida e há muitas histórias a serem contadas no País”, diz Bailey.
Um relatório da comScore divulgado este ano mostrou que os sites de
mídia social se tornaram a categoria líder em termos de tempo gasto
online pelos internautas do Brasil em junho de 2012, superando portais e
“serviços” locais, que incluem sites de e-mail.
“O brasileiro gosta de estar inserido em grupos e participar de
experiências interativas”, diz o diretor-geral do Facebook Brasil,
Leonardo Tristão. O brasileiro gasta um média de 12 horas mensais na
rede social mais popular do mundo, quase o dobro da média global, que é
de 7 horas. O número de amigos também é mais alto. Um relatório de 2012
da TNS concluiu que os brasileiros agora têm o maior número de “amigos”
online do mundo. O brasileiro típico tem 231 amigos em redes sociais,
enquanto os latino-americanos têm uma média de 176. A média global é de
120.
Rolezinho. Famílias inteiras e suas diferentes gerações já dividem
espaço nas redes. E alguns públicos estão descobrindo agora o mundo das
redes sociais. Um estudo recente identificou que nove entre dez
moradores de favelas cariocas, com menos de 30 anos, acessam a internet.
Em São Paulo, jovens da periferia têm organizado encontros em
shoppings da cidade – chamados “rolezinhos” – por meio das redes
sociais. Os eventos criados no Facebook com esse propósito chegam a
juntar milhares de participantes.
“Quando falamos que o brasileiro é mais sociável, temos que pensar em
conectividade e inclusão. Com a democratização do acesso, estamos em um
mundo onde a lógica é: estou conectado, logo existo”, diz Fábio Coelho,
presidente do Google no Brasil.
O bailarino André Liberato há tempos aboliu o ócio da sua rotina. Com
pouco mais de mil amigos no Facebook, ele acessa suas redes sociais
favoritas assim que acorda. Depois, usa os pequenos intervalos entre uma
tarefa e outra para conferir as atualizações e interagir com os amigos
no Facebook, Instagram e WhatsApp, ao longo do dia.“Aceito quem não
conheço direito, mas já vi, porque se uma dessas pessoas mora em Berlim,
vai postar fotos e coisas interessantes que eu quero ver. Meu Instagram
também é aberto para quem quiser ver”, diz.
A psicóloga Rosa Maria Farah, coordenadora do núcleo de pesquisas da
psicologia em informática na PUC-SP diz haver até uma certa ingenuidade
no comportamento do brasileiro. “É como se o ambiente virtual fosse uma
extensão da sala de suas casas, o que gera situações de exposição
indevida”, diz.
Capital das redes. O gosto do brasileiro pelas redes
sociais já vem sendo analisado há muitos anos, ainda no tempo em que
fizemos uma rede social considerada menor em outros países, o Orkut,
virar campeã de audiência. Mas o tema ressurge todo ano, cada vez
amparado por números mais fortes. EM 2013, o fenômeno foi destaque em
duas publicações estrangeiras importantes: o jornal Wall Street Journal,
que chamou o País de “capital das mídias sociais do universo”, e a
revista Forbes, que definiu o Brasil como “futuro das mídias sociais”.
O estudo Brasil com S de Social busca entender o porquê dessa
popularidade através de uma análise do comportamento típico nacional.
“Não existe comportamento exclusivamente online. Tudo que fazemos no
digital reflete como somos na vida real”, pondera Borges, da Ampfy. O
estudo destaca seis características que definiriam o jeito brasileiro de
ser, todas refletidas em nosso uso da rede: somos sociais e sociáveis;
adoramos uma novidade; damos muito valor a símbolos de status;prezamos
informalidade e descontração; e gostamos de observar a vida alheia.
“Queremos sempre colocar nossa imagem para o outro, além da parte
física, do culto ao corpo, gostamos de mostrar que estamos bem, de
ostentar uma posição”, diz Rafael Venturelli, coordenador de mídias
sociais da Agência Remix.
Sociedade. O comportamento é apenas uma parte dessa
história. A explosão social online guarda está intimamente relacionada
com as melhorias socioeconômicas que o País viveu nos últimos dez anos.
Falando diretamente das áreas de tecnologia e internet, entre tantos
números possíveis, vale citar alguns mais importantes. Em setembro, mais
de 80 milhões de brasileiros acessavam a web. Desde 2010, o acesso a
internet por smartphones e tablets cresceu 43%. E 25% dos usuários de
internet usam o smartphone como seu principal ponto de acesso.
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