sábado, 4 de abril de 2015
Artigo do jurista Miguel Reale Júnior, publicado no Estadão, vai ao
ponto: estamos diante de um país à deriva. Os caminhos são estreitos,
todos conduzindo à presidente reincidente:
Vive-se imensa perplexidade. Estamos atônitos diante do País à
deriva. A sociedade veio às ruas, não só os eleitores de Aécio, mas uma
grande massa aplaudida por muitos e muitos que ficaram em casa tomados,
também, pela mesma indignação. Desnudou-se a bandalheira e o País
esbraveja.
Em julho de 2005 criou-se o movimento "Da Indignação à Ação",
reunindo entidades da sociedade civil. Seu manifesto acentuava:
"Punições firmes e proporcionais às faltas praticadas são o único
desfecho que os cidadãos brasileiros aceitam para as investigações em
curso". Aderiram ao movimento entidades como OAB, OAB-SP, ABI, CNBB,
PNBE, Fiesp, Instituto Ethos, Força Sindical, Transparência Brasil,
Associação dos Advogados, Instituto dos Advogados de São Paulo, a rede
Conectas de Direitos Humanos, o Movimento Democrático do Ministério
Público e a Associação do Ministério Público de São Paulo.
Diante do mensalão, aquele movimento expressava terem sido as
instituições políticas duramente atingidas, sendo imprescindível, além
de investigação séria, com punições firmes e proporcionais às faltas
praticadas, mudanças profundas no sistema político e eleitoral. Foram
realizadas reuniões, com 500 a 600 participantes, em apoio ao relator da
CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, e ao caseiro Francenildo
Santos Costa, cuja conta bancária fora violada.
Como se vê, o movimento teve apoio de entidades significativas, mas
pouca adesão dos partidos políticos de oposição, que se omitiram,
arregimentando-se público diminuto perto da importância das
reivindicações. As punições do mensalão vieram anos depois, mas o PT,
que inaugurou o aparelhamento do Estado em grande escala e a obtenção de
maiorias no Congresso pela sistemática compra de votos com dinheiro
público desviado, firmou-se no poder. Nem bem se denunciou o mensalão, o
PT e outros partidos da base aliada ao governo criaram o petrolão e
ganharam eleições com "financiamento público" graças aos milhões
surrupiados da Petrobrás.
Agora o quadro é outro. Antes não havia rua, havia entidades
apoiando, mas não povo, como hoje. De 2005 para cá houve a condenação
dos mensaleiros e veio vindo à tona, com o petrolão, sem as desculpas do
"golpe da mídia" ou da traição política, a farsa do partido que se
dizia ético, mas fez da roubalheira sistemática o modo de governar. A
diferença essencial, contudo, está no fenômeno da imensa força de
arregimentação da indignação via redes sociais, que apenas começavam a
ganhar corpo em 2005, com o Orkut.
Como levar à frente este movimento de milhões de brasileiros? Eis a questão.
Se as redes sociais podem destituir déspotas, como Mubarak, todavia
não constituem, por si sós, governos - a se ver o Egito -, pois, deposto
o ditador, ganhou as eleições o movimento antidemocrático dos
fundamentalistas, afastados depois pelos militares.
Assim, aos movimentos cheios de vitalidade convocadores da ida às
ruas, dentre os quais se destaca o Vem Pra Rua, devem agregar-se as
organizações institucionalizadas, bem como algumas lideranças políticas a
serem partícipes na posição de coadjuvantes. Além do grito contra a
corrupção e do "Fora PT, leva Dilma com você!", é preciso clamar pelo
reconhecimento dos erros, pelo firme propósito de redução da máquina
governamental, a eliminação de metade dos cargos em comissão, a adoção
do voto distrital já para vereador em 2016, bem como um esforço em favor
da capacitação dos dependentes do Bolsa Família para libertá-los do
assistencialismo.
Mas como realizar tais mudanças e criar confiança neste estado
terminal do governo? Não há muitas alternativas. O governo é frágil e
não se recupera perante a Nação com festival de lugares comuns em
entrevista televisiva, nem com golpes baixos de criação de novo partido
para enfraquecer o PMDB. Dilma coleciona inimigos a cada passo e, hoje,
os investigados presidentes das duas Casas legislativas ditam as regras,
enquanto o Executivo patina todo o tempo em terreno movediço.
Restam dois caminhos. O primeiro seria o procurador-geral da
República determinar investigação de eventual prevaricação da parte da
presidente, pois se sabia ela de irregularidades (como dizem o
ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Youssef) nos idos de 2009, ao
assumir a Presidência nada teria feito para conter a corrupção,
deixando de zelar pela moralidade administrativa ao manter nos cargos os
diretores corruptos. Em conclusão, se constatado em investigação que
Dilma sabia dos malfeitos e permitiu a continuidade do esquema corrupto,
pode-se configurar eventual crime de prevaricação.
O crime comum, ao contrário do crime de responsabilidade, pode
derivar de ação ou omissão ocorridas no mandato anterior. O artigo 86, §
4.º, da Constituição diz que o presidente não poderá, no exercício do
seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das
suas funções. Ora, se se omite o dever de zelar pela moralidade, tal
omissão é própria das funções de presidente, e não estranhas a elas,
razão pela qual, se verificada a prevaricação por deixar de conter as
irregularidades sabidas na Petrobrás, podem prosperar a investigação e
eventual processo criminal contra a presidente.
O segundo caminho, difícil, mas não impossível, é o da renúncia,
sendo vital o protesto das ruas e o apoio de entidades representativas. A
primeira via, já lembrada e mais desgastante, está na apresentação de
ação criminal que, ao ser recebida, afaste a presidente. Em ambas as
hipóteses, todavia, impõe-se construir em torno do vice-presidente um
governo de união nacional, com pauta mínima desejada pelos movimentos
aglutinadores da população.
Dessa maneira, no dia 12 de abril é fundamental voltar às ruas em
todo o País, juntamente com representantes de entidades significativas
que se somem à massa dos indignados.
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