Cúpula das Consciências pelo Clima
Participei da Cúpula das Consciências pelo Clima, em Paris, convocada pelo presidente François Hollande, por meio de seu representante especial, Nicolas Hulot. Com abordagem inusitada e inovadora no trato das mudanças climáticas, a reunião aconteceu em 21 e 22 de julho, ao mesmo tempo que o encontro informal, também em Paris, de ministros de 46 países para discutir a nova rodada da Convenção do Clima (COP 21). Nada mais simbólico do que reunir na mesma cidade, ao mesmo tempo, os dois trilhos nos quais o governo francês adequadamente pretende conduzir, no que lhe cabe, a preparação para a COP 21, em dezembro — ... o da negociação político-diplomática das propostas técnicas, e o da mobilização da opinião pública internacional.
As manifestações de rua certamente acontecerão, mas, desta vez, a lógica central da pressão pende mais para o suporte, por meio de constrangimento ético, a compromissos efetivos de todos os países. Por isso a Cúpula das Consciências foi tão significativa. Em primeiro lugar, pelo foco no papel da consciência individual para comprometer setores cada vez mais ampliados da sociedade com as ações necessárias numa transição civilizatória marcada por profunda crise de significados, na qual o aquecimento global não pode ser visto como problema isolado.
Esse foco se materializou na “mobilização de autoridades morais e religiosas” para essa reunião, cuja pergunta básica foi: “Por que me preocupo?”. Estava lá um grupo expressivo da diversidade étnica, cultural, filosófica e religiosa global, com lideranças de todos os continentes, num exercício raro de convergência a partir do traço comum da identidade socioambiental. Presentes o fotógrafo Sebastião Salgado e os índios brasileiros, representados pelos guarani-kaiowá Valdelice Veron e Natanael Cáceres, cujo depoimento impactante mostrou o processo de extinção que esse povo sofre no Mato Grosso do Sul.
A cúpula, que deverá ser replicada em outros países, foi chancelada pela presença do presidente Hollande, da ministra do Meio Ambiente, Segolène Royal, e do secretário-geral da ONU para Mudança Climática, Janos Pasztor. Referendou a busca de novos caminhos para tirar as decisões sobre o clima de seu reduto insuficiente, nos limites da Convenção do Clima, e transformá-las em questão da humanidade. Entram em campo, com novas responsabilidades, os líderes mais preocupados com os fundamentos intangíveis que devem nortear as decisões pela mudança do modelo de desenvolvimento, não contabilizáveis em retorno econômico ou poder político, mas em equilíbrio do planeta, qualidade de vida e justiça ambiental.
Foi importante o estabelecimento de um novo lugar para analisar as mudanças climáticas, com uma espécie de métrica diferente, de valores, para avaliar os resultados que precisam ser alcançados. A cúpula colocou em relevo a sustentabilidade como imperativo também moral, filosófico, espiritual, cultural, quebrando a rotina diplomática que se arrasta há décadas em torno de poder geopolítico e da hegemonia econômica. É o constrangimento ético a que me referi, contra intenções protelatórias que impeçam fechar a conta de redução, em 30 anos, de 80% das emissões globais de CO2 e outros gases.
Precisamos, portanto, traduzir isso em compromissos fortes. Por exemplo: 1) os países de renda alta e média devem assumir metas diferenciadas de redução de emissões; 2) os países de renda baixa devem assumir metas de redução do crescimento das emissões, dentro de sua realidade; 3) os segmentos populacionais de renda alta e média no mundo devem fazer a sua parte, mudando comportamentos individuais e coletivos que estão na base do modelo intensivo em carbono; 4) todos os países devem eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis e promover incisivamente as energias de baixo carbono; 5) os países de renda alta devem ajudar financeira e tecnologicamente os países de renda baixa na sua transição.
No Brasil, o governo ainda não apresentou à Convenção de Clima seus compromissos nacionais, mas diferentes setores da sociedade se mobilizaram, por meio do Observatório do Clima, e construíram um excelente ponto de partida para o debate (http://www.observatoriodoclima.eco.br/). A participação de lideranças religiosas e espirituais na cúpula foi expressiva e surpreendente, pela maneira como já articulam as mudanças climáticas às suas ações e expressões. O exemplo inspirador do papa Francisco, muito citado, se mostrou não o único, mas parte de uma silenciosa movimentação religiosa que tende a se tornar mais explícita. É como se todos estivessem assumindo que amar o criador e não respeitar a sua criação é enorme incoerência. Sobretudo quando o que está em curso pode destruir pessoas, culturas, modos de vida e a vida propriamente dita de partes essenciais de nosso planeta.
Fonte: Por Marina Silva, Correio Braziliense - 31/07/2015 - - 12:30:26
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