Marcela Rodrigues
Site Pátria Latina
É notória a espetacularização dos acontecimentos no Rio Doce desde o rompimento da barragem da Samarco, mineradora que compõe a holding de mineração da Vale.
Infelizmente, o espetáculo de devastação que vimos até agora não é o pior que pode acontecer àquela região e seu povo. Primeiro é preciso entender o básico do processo de uma atividade de mineração. A obtenção do minério compreende as etapas de lavra – que é o processo de retirada do minério da jazida – e beneficiamento, que consiste no tratamento para preparar, concentrar ou purificar minérios, visando extrair o material de interesse econômico, ou seja, o produto final da atividade mineradora.
A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final, portanto, tóxica tanto pela sua composição quanto pela concentração e volume dos compostos químicos presentes.
Em segundo lugar, há de se diferenciar a barragem de rejeitos de uma barragem hidráulica.
As barragens constituídas com rejeitos se comportam basicamente como aterros hidráulicos (aterro de material fluido) e não para reter cursos d’água.
O objetivo final da barragem de rejeitos é sedimentar, compactar ou simplesmente endurecer o fluido dentro de um espaço impermeável para que não haja infiltração e contaminação do solo e dos corpos hídricos (subterrâneos ou superficiais) tornando aquele pedaço de chão inócuo, porém seguramente isolado.
É exatamente o inverso disso que ocorre com o rompimento da barragem. Essa sedimentação passará a ocorrer no leito do rio, afinal, o rejeito é mais denso e pesado do que a água, que não poderá simplesmente dissolvê-lo.
PERCENTUAL DE ARSÊNIO
Para termos ideia do que o contato dos rejeitos com o curso do Rio Doce representa, o máximo do metal arsênio permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), através da Resolução Conama 357 de 2005, é de 0,01 mg/L, enquanto a quantidade encontrada na amostra divulgada pelo prefeito de Baixo Guandu – ES, Neto Barros (PCdoB), foi de 2,6394 mg/L. Essa mesma amostra apontou a presença de metais como mercúrio, alumínio, ferro, chumbo, boro, bário, cobre, entre outros.
O contato com esses metais provoca a redução da capacidade de autodepuração das águas e a contaminação da água subterrânea, sujeitando à acumulação de metais tóxicos em cada estágio sucessivo da cadeia alimentar, com ameaça aos consumidores – inclusive humanos – através da ingestão de peixes e água, e comprometendo a agropecuária.
Para efeito de comparação, o Pará, outro estado produtor de ferro e concessionário da Vale, identificou em análises feitas em comunidades ribeirinhas do Rio Tapajós a presença de 59 mg/g de mercúrio em indivíduos, sendo que o total permitido é de 0,0002 mg/L Hg, mesmo décadas após o encerramento das atividades em Serra Pelada.
PIOR DO QUE SE IMAGINA
As consequências da tragédia que envolve
milhares de pessoas daquela região são ainda piores do que tem sido
divulgado. É verdade que algumas espécies endêmicas da Mata Atlântica
podem vir a desaparecer, mas o drama maior envolve as espécies que
sobreviveram e que tiveram sua única forma de acesso aos direitos
básicos da vida, como dessedentação e alimentação, comprometidos por
contaminação com prazo a perder de vista.
Por enquanto, aguardamos o
plano anunciado pela empresa, enquanto observamos a contaminação seguir
para o mar. Infelizmente a pior parte dessa tragédia não se pode
enxergar a olho nu.
(artigo enviado pelo jornalista Valter Xéu)
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