- quarta-feira, 17 fevereiro 2016 18:30
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Vivendo
às margens do Rio Tapajós, na Amazônia paraense, Maria do Socorro
caminha até oito vezes
por dia para buscar baldes de água no lago mais
próximo da sua casa, mas, com a seca, a água fica tão
suja que não serve
para o consumo humano. Para beber, tem que ir até a casa de uma vizinha
que
tem um poço artesiano e pedir água. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
A equipe do InfoAmazonia esteve na região no fim de 2015 e ao longo de uma semana visitou comunidades ribeirinhas e sobrevoou a Floresta Nacional do Tapajós. A estiagem naquele momento fora muito além do normal: 120 dias sem uma única gota de chuva na região.
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Edinelson Fonseca, 62 anos, nasceu e foi criado na comunidade do Jamaraquá. Enquanto avista o rio ao longe, sentado na praia, ele conta em tom nostálgico sobre épocas de temperatura mais frescas, árvores frutíferas mais carregadas e os rios mais fartos em peixes.
“Hoje, os peixes nos lagos estão morrendo por causa da água quente. Se é pra pescar aqui no rio, a pessoa tem que ficar uma manhã inteira pra pegar um tucunaré. E às vezes nem pega''.
Veja a entrevista completa
Para as pessoas que vivem no interior da região, assim como os moradores da bacia do rio Tapajós, é o vai-e-vem das águas que redesenha as paisagens, dita o ritmo do cotidiano e exige diferentes mecanismos de adaptação ao longo do ano.
São seis meses de cheia e seis meses de seca, quando a água chega a recuar 100 metros da margem. O índice de precipitação pode variar de zero, nos meses de setembro e outubro, a 700 milímetros no mês de março, em anos de maior variabilidade – como foi 2009, em que se registrou uma grande cheia. As estiagens extremas aumentam as distâncias – dificultando o acesso e o transporte de alimentos –, provocam perdas de lavouras e deterioram a qualidade do ar.
Mapa da região da Floresta Nacional do Tapajós
Já as cheias transformam as casas das comunidades de várzea em ilhas de palafita. Quando a água sobe mais do que o previsto, bases de madeira elevam os móveis a alturas cada vez mais próximas ao teto. Pequenas plantações são suspensas e os animais domésticos são levados para a segurança da terra firme. Enquanto isso, muitos dos peixes selvagens deixam o leito dos rios e invadem a floresta alagada, o que dificulta a pesca.
A adaptação à dinâmica das águas é uma realidade para os ribeirinhos, mas as alterações no cenário tem trazido novos desafios. Segundo o doutor em Ecologia, Paulo Brando, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), na última seca prolongada, em 2010, 57% da Floresta Amazônica registrou menos chuva que o normal, impondo a necessidade de novas estratégias de sobrevivência na região. A estiagem reduziu as chuvas em uma área de três milhões de quilômetros quadrados da floresta.
Cena
comum no porto de Santarém e nas áreas de várzea próximas ao município.
Nas secas fora
de padrão, o baixo nível baixo dos rios provoca riscos
de encalhamento, dificulta o transporte e
aumenta as distâncias de
comunidades já isoladas, que dependem essencialmente da navegação
para
se descolar. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
padrões de temperatura e intensidade de chuvas, a professora de Ecologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Pinho, quer entender os reais impactos dos chamados eventos extremos na vida das comunidades tradicionais:
“Quando se fala na Amazônia, é comum mencionar o balanço de carbono, a rica biodiversidade e a maior fonte de água potável do mundo, mas precisamos humanizar nosso discurso e lembrar que 30 milhões de pessoas vivem ali”, diz a pesquisadora autora do artigo “Dinâmicas socioecológicas complexas impulsionadas por eventos extremos na Amazônia”.
Na
seca deste verão, os brigadistas da Floresta Nacional do Tapajós, como
Giovane Oliveira,
receberam entre três e quatro chamados por dia para
combater incêndios. Os focos da região,
combinados com a seca, fizeram
substituir a costumeira bruma matinal de vapor d’água desta
porção da
Amazônia paraense por uma densa fumaça, atingindo grandes cidades da
região
Norte do Brasil.
FLAVIO FORNER / XIBÉ / INFOAMAZONIA
O fogo é usado tradicionalmente na Amazônia como uma técnica barata para abrir pastos para o gado ou mesmo áreas de pequenos cultivos. Nos períodos de estiagem, as chamas se alastram com facilidade, avançando sobre unidades de conservação como a Flona Tapajós, deixando comunidades inteiras debaixo da fumaça.
Segundo o climatologista Júlio Tota, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), as causas estão interligadas. “Mudar a floresta para pastagem tem efeito direto e imediato no clima: a temperatura aumenta e as chuvas diminuem”, afirma o cientista. A falta de chuva, por sua vez, torna o clima mais seco e a floresta mais “inflamável”.
Área desmatada próxima a BR 163 | ||
Queimadas para abertura de áreas de pecuária e agricultura | ||
Área de plantio de soja no arredores de Santarém e Belterra | ||
Os núcleos familiares nas comunidades possuem um estilo de vida regido pelo ritmo das águas | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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