Em sua coluna de estreia, a jornalista Ananda Apple fala sobre a invasão maciça de um paisagismo medíocre e danoso nas novas casas da Serra Gaúcha. Entenda
Adoro ver as casinhas dos colonos alemães e italianos.
São cercadas de hortênsias e têm porão de pedra para guardar o vinho, sótãos para secar o milho e alpendres de madeira onde os descendentes de imigrantes conversam tomando chimarrão e comendo cuca: “Tu me chama o pessoali pra comer o pón de aipim com chimía da nona!”. Isso é gauchês com alemão e italiano. Chimia é o jeito sulista de falar schmier - geleia em alemão.
Nestas casas que felizmente resistem na Serra, há jardins com uma enorme mistura de flores anuais, formando tapetes coloridos e lindamente desordenados. Há onze-horas, margaridas, perpétuas roxas, sálvias vermelhas, roseiras compridas, zínias, frésias cheirosas. Dão flor o ano todo, porque, quando seca uma espécie, começa a outra. E mais - é tudo meio misturado com a horta.
Ao lado das rosas vermelhas tem couve, a flor de abóbora se entende com a capuchinha, o manjericão perfuma o ar e atrai abelhas nativas sem ferrão ao lado das lavandas. Boniteza para ver e comer. Você tem ali algo de jardim inglês, ou da região provençal, ou mesmo uma tela de Monet. Se fosse na Europa, achariam magnífico, tirariam mil fotos. Aqui é normal. E para algumas cabeças, infelizmente, é “coisa de colono pobre”.
Pois era aí que eu queria chegar. Ao passear pela Serra e constatar uma explosão de casas novas, notei a invasão maciça de um paisagismo medíocre e danoso. Quase todos os jardins recentes de Nova Petrópolis, uma cidade de colonização alemã, estão tomados por meia dúzia de espécies estrangeiras.
Seja em casas, seja em prédios, só se veem buxinhos, ligustros, bambus nandina, tuias, cicas e podocarpos. Todos sinistramente podados em forma de bola ou de cone para parecerem coisa que não são. Essas plantas asiáticas têm florada insignificante e cores monótonas. São de baixa manutenção e baratas, por causa da demanda. Sim, elas têm sua beleza e uso, conforme o lugar e o tipo de jardim, mas jamais em todos.
E isso se repete em muitas outras cidades da Serra. E nos milhares de condomínios de São Paulo e, muito provavelmente, na sua cidade também. O preço dessa “economia” é a perda da cor, dos aromas, do alimento dos nossos pássaros e insetos polinizadores.
E mais: é também assim que se perde a riqueza botânica no país que tem a maior diversidade de plantas do planeta. Boa parte de nossas espécies nativas (e de outras procedências) existe no mercado. E continuará existindo se você souber olhar além desses jardins uniformizados. Comer cuca com chimia é delicioso. Ou churrasco. Ou vatapá. Mas não só isso todos os dias.
Ananda Apple (@anandaappleoficial) é repórter da TV Globo especializada em natureza e apresentadora do Quadro Verde do Bom Dia São Paulo
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