Por Washington Novaes*
Se efetivadas, o Brasil poderá perder grande parte do que faz dele um patrimônio privilegiado, como já comentado mais de uma vez neste espaço – território continental, mais de 12% da água superficial do planeta, sol durante todo o ano, biodiversidade de extraordinária riqueza, possibilidade de formatos agrícolas adequados, etc., etc. Mas pouco se discute o tema, fora da comunicação.
Por exemplo: recente aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC 65/2012) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado impede (Plurale, 3/5) o cancelamento ou suspensão de obras por órgãos do meio ambiente – o que “denota profunda má-fé e uma tentativa de manipular a Constituição”, segundo o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), apoiado pelo Ministério Público Federal.
E ainda há dois outros projetos em comissões no Senado e na Câmara dos Deputados “com os mesmos objetivos”. Para o Observatório do Clima, é “um escárnio” a aprovação dessa proposta. Ainda mais num país que sofreu há menos de seis meses a pior tragédia ambiental de sua História, com o rompimento da barragem de São Marcos, em Minas Gerais:“Extingue a legislação ambiental”, uma vez que “a mera apresentação do estudo de impacto ambiental pelo empreendedor significa autorização irrevogável até para obra de infraestrutura”.
Na prática, o processo de licenciamento ambiental, que analisa, com base em estudos socioambientais, se uma obra é viável ou não, deixa de existir, diz o presidente do Proam, Carlos Bocuhy. Para ele, é uma proposta “completamente absurda: é como se o protocolo para obter uma habilitação já permitisse sair dirigindo um caminhão”. Além disso, exclui a sociedade de participar de discussões sobre o projeto. Já os deputados que aprovaram a PEC entendem que a medida visa a “garantir a celeridade e economia de recursos em obras públicas”. Mas a emenda ainda terá de passar pelo plenário do Senado e pela Câmara dos Deputados.
Na edição de 29/4 deste jornal, André Borges destaca que a aprovação da emenda “revoltou a comunidade do setor em todo o País”. Como não poderão ser mais canceladas ou suspensas obras baseadas em estudos feitos pelos próprios empresários, o processo de licenciamento “perde o sentido”. Cita ele a própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para quem a aprovação “é um erro” – e acha que “há motivação política” por trás da proposta.
A presidente do Ibama, Marilene Ramos, pensa que a aprovação “representa, na prática, o fim do licenciamento ambiental e das medidas de controle dos empreendimentos, com significativos impactos ambientais”. E com isso o Brasil vai “em direção oposta ao que vem ocorrendo em todos os países desenvolvidos”. Márcio Astrini, do Greenpeace, ressalta que, “se a legislação entrar em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias”.
Mas os dramas do meio ambiente não cessam aí. Na Câmara dos Deputados já tramita o Projeto 4.508/16, da deputada Tereza Cristina (PSB-MS), que permite o uso de reserva legal em propriedades rurais para “apascentar animais de criação” (um animal por hectare, com “controle do capim” pelo órgão ambiental) – e propõe que a permissão conste do Código Florestal. Entre as justificativas está a de que esse caminho contribuiria para evitar queimadas.
Por tudo isso, será importante que a sociedade volte a sua atenção para a proposta de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), apresentada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), que pretende substituir resoluções que regulamentem os temas da avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental (ISA, 20/2/16). É um documento que pretende aumentar a transparência nas informações, assim como a participação e o controle social. Da mesma forma, as peculiaridades regionais em cada caso. Isso permitiria também estabelecer normas complementares com Estados e municípios. E ampliar a participação da sociedade.
A jornalista Tara Ayuk, com base em informações do WWF-Brasil, há pouco tempo lembrou na revista Eco-21 que as áreas úmidas (20% do território nacional) poderão até desaparecer se não se conseguir implantar ali a conservação e o desenvolvimento sustentável – como evidenciou um debate promovido em Brasília, com destaque para a informação de que elas estão sendo drenadas ou aterradas “para os mais diversos fins”.
Num encontro em Washington, no mês passado, o Banco Mundial “reafirmou a importância de os países combaterem o desmatamento e investirem em florestas, a fim de evitar tragédias. A destruição indiscriminada dessas áreas ameaça a vida de 1,3 bilhão de pessoas”. Por aqui, relatório do WWF diz que seis patrimônios naturais brasileiros estão ameaçados por atividades como a pesca predatória, a mineração e a extração de petróleo (Eco-finanças, 18/4). Entre eles, Fernando de Noronha, Atol das Rocas, Chapada dos Veadeiros, Costa do Descobrimento, reservas da Mata Atlântica no Sudeste, Pantanal e Parque do Iguaçu.
Diante de tantos dramas, fica-se tentado a achar que deve estar por aí a explicação para “a maioria dos filhos no Brasil terem nomes de santos”, segundo o IBGE (28/4). “Principalmente Maria e José”. Deve ser– em parte, pelo menos – para pedir socorro diante de tantas aflições. Afinal, bilionários do Vale do Silício, gente que costuma ser cética, anunciaram um projeto para enviar uma frota de naves robóticas (Estado, 14/4) para Alfa Centauro, a 4,37 anos-luz do nosso planeta. Pensam em se mudar para lá? E o presidente Barack Obama já sancionou lei que reconhece o direito à propriedade, por cidadãos e entidade norte-americanas, de recursos naturais obtidos de asteroides. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista – e-mail: wlrnovaes@uol.com.br.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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