sexta-feira, 15 de julho de 2016

Desmate zero é viável, dizem economistas

Publicado em julho 15, 2016 por

Pagar fazendeiros para não desmatar no país inteiro exigiria R$ 5,2 bilhões por ano em 15 anos, sugerem cálculos feitos por equipe da UFRJ sob encomenda do Ministério do Meio Ambiente


Floresta no rio Cristalino, norte de Mato Grosso (Foto: Claudio Angelo/OC)

Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima.


Uma equipe de economistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro acaba de pôr uma etiqueta de preço em algo que até pouco tempo atrás pareceria utopia de ambientalista: eles calcularam quanto custaria zerar o desmatamento no Brasil. O valor aproximado é de R$ 5,2 bilhões por ano, a serem pagos ao longo de 15 anos para que produtores rurais conservassem a vegetação nativa em suas terras.


O investimento pouparia da motosserra 205 mil quilômetros quadrados de floresta, ou quase duas Inglaterras. Evitaria lançar na atmosfera 5,6 bilhões de toneladas de gás carbônico, ou o equivalente a quatro anos de emissões do Brasil – ajudando o mundo a cumprir a meta do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global. E traria benefícios adicionais para a biodiversidade, a agricultura e o uso da água no país.


Olhando assim, parece muito dinheiro. Mas essa conta, e várias outras feitas pelo Grupo de Economia Ambiental da UFRJ sob encomenda do Ministério do Meio Ambiente, visam justamente mostrar que conservar florestas no Brasil é o jeito mais barato de promover serviços ambientais essenciais, como fixação de carbono, proteção de solo e água. E que há diversas maneiras de fazer isso a baixo custo – dependendo do que se quer proteger, de quais municípios focar e, claro, do quanto se tem para gastar.



“Você me diz quanto dinheiro você tem e eu te digo o que dá para fazer”, afirma Carlos Eduardo Frickmann Young, professor do Departamento de Economia da URFJ. Juntamente com Biancca Scarpeline de Castro, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ele coordenou o trabalho, que envolveu uma equipe de 13 pesquisadores durante um ano e meio.


Young explica que não fez exatamente um estudo, mas sim uma ferramenta. Por meio dela, o governo federal poderá criar uma política de pagamento por serviços ambientais sob medida para qualquer objetivo de conservação e qualquer orçamento possível.


Se R$ 5,2 bilhões não estão sobrando na conta do governo em tempos de déficit de R$ 170 bilhões, pense por exemplo no que dá para fazer com 1 UBR, ou “Unidade Barusco de Referência”. Esta unidade monetária fictícia corresponde a R$ 300 milhões, cifra que um dos condenados do esquema da Petrobras, Pedro Barusco, prometeu que iria devolver aos cofres públicos como parte de seu acordo com a Justiça.


Com 1 UBR, dividida em pagamentos anuais de R$ 29,1 milhões por 15 anos (à vista é mais barato, mas o pagamento feito em parcelas exige um ajuste), seria possível conservar o equivalente a 6,2 mil quilômetros quadrados, ou 620 mil hectares (o equivalente a quatro vezes a área da cidade de São Paulo), evitando a emissão de 104 milhões de toneladas de gás carbônico para a atmosfera – o impacto climático seria o mesmo de tirar todos os carros de passeio de circulação no país.


Além do orçamento, também é possível escolher que tipo de serviço ambiental se quer promover: conservação de solos para evitar erosão, recuperação de florestas para manter recursos hídricos, conservação de biodiversidade ou manutenção de estoques de carbono.



“FLANELINHA DE FLORESTA”
O pagamento por serviços ambientais, ou PSA, é uma ideia relativamente antiga, que ainda encontra dificuldades para vingar no Brasil. O princípio é simples: consiste em atribuir valor a serviços que a natureza nos presta de graça, e fazer a sociedade pagar por eles.
O exemplo clássico é a conservação de recursos hídricos.


As matas ciliares têm o papel conhecido de proteger mananciais. Como a cidade de São Paulo descobriu de forma dramática em 2014, a ausência dessas florestas ao longo de rios e reservatórios pode comprometer o abastecimento humano. Então um jeito de manter a água das cidades é pagar os fazendeiros que têm terras ao longo desses rios ou reservatórios para não desmatar suas florestas.



O pagamento precisa ser igual ou maior ao chamado custo de oportunidade da terra, ou a expectativa de ganho do proprietário caso ele convertesse um hectare de floresta em lavoura ou pasto, por exemplo.



Várias experiências de PSA bem-sucedidas vêm acontecendo mundo afora. O principal caso é o da cidade de Nova York, que descobriu que saía mais barato pagar os fazendeiros para manter florestas nas montanhas onde estão os principais mananciais da cidade do que gastar bilhões de dólares em engenharia de captação e tratamento, por exemplo.


O Brasil não tem uma legislação nacional de PSA, embora haja projetos de lei em análise no Congresso. Em 2012, o Código Florestal previu a criação de um sistema de PSA nacional, o que ainda não ocorreu. Há iniciativas em curso em alguns municípios: um programa conduzido pela Fundação Grupo Boticário em seis Estados paga proprietários para manter biodiversidade. A ANA (Agência Nacional de Águas) também mantém um programa para conservação de mananciais por meio de PSA em 38 municípios.


A metodologia desenvolvida por Young e seu grupo visa criar a base para um sistema nacional, quando – e se – ele for desenvolvido. Há resistências diversas: algumas autoridades do próprio governo argumentam, por exemplo, que proteger florestas para evitar emissões de carbono e cobrar por isso seria o equivalente ao que faz um flanelinha num estacionamento público. Há, ainda, um dilema moral: por que compensar um proprietário rural para fazer o que ele já é obrigado a fazer pelo Código Florestal, como restaurar passivos de reserva legal, por exemplo?


“Este argumento faz sentido no âmbito nacional, mas não no internacional, pois, se válido, prejudica os países com legislação mais favorável à conservação florestal”, diz Young, recorrendo à parábola bíblica do filho pródigo: “Na prática, o que é preciso fazer é criar um mecanismo para manter o filho mais velho no trabalho – pagando pela conservação – ao mesmo tempo em que se cria incentivos para corrigir o comportamento do pródigo – os que desmatam e precisam parar de desmatar.”


Sobre a questão do “flanelinha”, o economista afirma que esse pensamento fez o Brasil “perder o trem da história” do chamado REDD+, o pagamento por redução de emissões por desmatamento. Como o governo do Brasil sempre foi contra pagar por desmate evitado, “o maior esforço de mitigação do planeta na primeira década do milênio, o de reduzir o desmatamento na Amazônia, teve custos integralmente pagos pelo Brasil, enquanto o Protocolo de Kyoto garantiu uma boa quantidade de dinheiro para os países que mais aumentaram suas emissões, a China e a Índia”.


A RESPOSTA É 402
Para elaborar a ferramenta, Young e seu grupo começaram calculando o custo de oportunidade da terra no país inteiro. Para isso, usaram dados disponíveis dos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina e extrapolaram a informação para todos os 5.570 municípios do Brasil.


Como era esperado, os valores diferem imensamente. Há áreas de aptidão agrícola baixíssima, principalmente na Amazônia, na caatinga e em partes do cerrado, onde o custo de oportunidade por hectare é menor do que R$ 10 ou até negativo – isso mesmo:
 desmatar nesses lugares dá prejuízo. E há outras áreas, em regiões agrícolas nobres do Sul e do Sudeste onde o custo de oportunidade é de milhares de reais por hectare.



O número “mágico” da média nacional é R$ 402 por hectare/ano – claro, o valor a ser pago individualmente aos produtores depende do custo de oportunidade em cada município. Mas, mais do que isso, a ferramenta permite criar mapas que mostrem quais são os municípios do Brasil onde custa menos conservar.



Nos mapas abaixo é possível ver quais são os municípios onde é mais barato manter estoques de carbono (ou seja, os que aliam florestas densas a um baixo custo de oportunidade da terra) e quais são os municípios que deveriam ser priorizados num programa de PSA hipotético caso o juiz Sérgio Moro decidisse aplicar toda a bufunfa a ser devolvida por Pedro Barusco em conservação.



1º quartil Carbono
Municípios onde é mais barato manter estoques de carbono florestal
Conservação_1UBR
Municípios onde dá para zerar o desmatamento com R$ 300 milhões
“Para gerar 1 UBR de lucro nas áreas de pior rentabilidade agrícola, desmata-se uma área quatro vezes maior que a da cidade de São Paulo, e gera-se a emissão equivalente de toda a frota de carros de passeio do país”, diz Young. “Estamos trocando ouro por espelhos quebrados.”


INDC
Os pesquisadores do Gema também calcularam os custos de recuperar com espécies nativas os 18 milhões de hectares de passivo de reserva legal que o Código Florestal diz ser preciso recuperar, ou os 12 milhões de hectares previstos na INDC (a meta do Brasil no Acordo de Paris).



A conta foi feita sob duas premissas: ou pagando apenas os custos de oportunidade da terra e de cercar as áreas ou pagando também pelo replantio. A primeira abordagem é adequada sobretudo à Amazônia; a segunda, à Mata Atlântica.


Pagando apenas o custo de cerca e o custo de oportunidade da terra, o valor total para recuperar 12 milhões de hectares em 15 anos seria de R$ 57,6 bilhões.


Pagando o custo total de replantio, a conta sobe para R$ 173,6 bilhões – mais do que o valor do déficit brasileiro em 2016.


“De longe a coisa mais barata a fazer é evitar o desmatamento”, diz Young.
A verba para as ações de PSA poderia sair da cobrança pelo uso da água, no molde das ações que a ANA já tem em curso hoje. Com uma taxa de 2,1% pela água, o Gema identificou um potencial de arrecadação anual de R$ 1 bilhão. É um bom começo, mas ainda longe dos R$ 5,7 bilhões anuais para zerar o desmatamento.


Uma outra fonte foi aventada, e esta é uma discussão que deverá se colocar no país nos próximos anos: uma taxa sobre a emissão de carbono. Com R$ 50 por tonelada, seria possível zerar o desmatamento, argumentam Young e colegas.


O governo, porém, não anda muito disposto a discutir taxação de carbono neste momento. Embora seja inevitável que o carbono seja precificado a entrada em vigor do Acordo de Paris, em 2017, isso implica em que setores mais emissores, como o de petróleo, precisariam se adequar.


Num momento em que a Petrobras luta para sair do buraco no qual lhe meteram Pedro Barusco e vários outros, o Palácio do Planalto não quer nem ouvir falar dessa história.



in EcoDebate, 13/07/2016


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