sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Cites 2016: novo embate entre traficantes e conservação

Por José Truda
Elefante no Parque Nacional Kruger, na África do Sul. País sedia encontro internacional sobre comércio de espécies ameaçadas. Foto: Wikipédia.
Elefantes vivem protegidos no Parque Nacional Kruger, na África do Sul.
 País sedia encontro internacional sobre comércio de espécies ameaçadas.
Foto: Wikipédia.


Joanesburgo, na África do Sul, é a metrópole mais próxima do lugar que abriga a visão que milhões de pessoas ao redor do mundo têm da África selvagem que resta: o Parque Nacional Kruger, um dos mais visitados e aclamados santuários de biodiversidade terrestre do planeta.


Lar de muita vida, de icônicas famílias matriarcais de elefantes a alguns dos últimos rinocerontes existentes, passando por uma miríade de plantas e animais singulares, Kruger é ao mesmo tempo um enorme sucesso de conservação e um dilema de manejo para seus gestores - um excelente paralelo para a Convenção para a Regulamentação do Comércio Internacional de Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção, ou simplesmente CITES, que se reúne nesta cidade a partir do dia 23 de outubro e que mais uma vez sediará um embate entre os que querem proteger as espécies ameaçadas e os que querem vendê-las - ou suas partes mais valiosas - no comércio internacional.



Negociada e entrando em vigor nos já longínquos anos 1970, quando uma onda de preocupação com o planeta levou a diversas inovações no Direito Internacional, a Convenção CITES é uma pérola em um mundo onde os "consensos" impedem, na prática, a adoção de medidas efetivas de conservação; esse é o caso dos acordos regionais de pesca hoje vigentes, por exemplo, onde mesmo com absoluta certeza de que as práticas pesqueiras são criminosamente predatórias e os estoques estão sendo exterminados por quotas demasiado elevadas de captura, basta uma China ou um Japão fincar pé para que nada seja feito e o massacre insustentável continue, consagrando a ditadura da minoria predatória nas decisões sobre recursos naturais compartilhados. A CITES, bem como a Comissão Internacional da Baleia (CIB), são anteriores a esse golpe do consenso, e tomam decisões por votação.



No caso da CITES, adotam-se por maioria mínima de 2/3 dos países votantes normas para restringir ou proibir o comércio de animais ou plantas ameaçados ou em vias de, listando-os respectivamente no Apêndice II (comércio internacional restrito e sujeito a non-detrimentfindings, ou seja, à demonstração de que o comércio pretendido não prejudicará a espécie) ou Apêndice I (comércio internacional proibido).



Claro, aqui como em muitas leis há uma cláusula pró-meliantes: como em muitos outros tratados, na CITES os países também podem declarar uma "objeção" às decisões em até 90 dias depois de adotadas, e com isso ficam isentos de cumpri-las... Mas mesmo assim as objeções costumam limitar-se aos vilões ambientais habituais (vocês acertaram: China e Japão encabeçam a lista) e a maioria das decisões favorece as espécies-alvo.



Algumas espécies listadas desde o início na CITES são objeto de permanente revisão e controvérsia, como é o caso dos elefantes, massacrados impiedosamente pelo marfim, ou rinocerontes, cujo chifre é removido dos animais caçados ilegalmente para alimentar o mais imbecil dos tráficos, o de supostos afrodisíacos na tal "medicina tradicional" asiática. Outras são besouros pouco conhecidos ou plantas suculentas obscuras, mas que viram espécies ameaçadas ao serem coletadas em números assustadores para atender a "colecionadores" com dinheiro demais e parafusos de menos.



Nesta reunião que se inicia não será diferente, e falaremos disso em mais detalhe nos próximos dias. Mas em anos recentes, a CITES passou a estender sua proteção também a espécies cujos lobbies do tráfico excedem em muito o poder dos de marfim, chifres e insetos: trata-se dos peixes marinhos, cuja captura e comércio não se medem em exemplares, mas em toneladas.



Maior em volume, ainda que idêntico em estupidez, do que o de chifres de rinoceronte, o comércio internacional de barbatanas de tubarão, para uma sopa insípida e falsamente afrodisíaca, é responsável por boa parte dos quase 100 milhões de tubarões subtraídos aos oceanos anualmente pelas frotas pesqueiras. A China, novamente, é o grande buraco negro para onde convergem os produtos desse genocídio.



No caso dos tubarões-martelo, estima-se que cerca de 90% das populações globais das distintas espécies já tenham desaparecido, e a lista de outras vítimas é longa.



Para piorar o quadro, as raias-manta e seus parentes próximos, as móbulas, magníficos e inofensivos gigantes do mar que atraem mergulhadores do mundo inteiro para seus locais de concentração, estão sendo mortas para a extração de suas estruturas branquiais, também para atender às criminosas crendices chinesas.
A dupla dinâmica. Foto: Pinguim.
A dupla dinâmica Paulo Guilherme "Pinguim" e José Truda no Cites 2016. Foto: Pinguim.



Em 2013, a CITES votou majoritariamente para restringir o comércio de tubarões galha-branca-oceânicos (Carcharinuslongimanus), do marracho (Lamnanasus), três espécies de tubarões-martelo (Sphyrnalewini, S. mokarran e S. zygaena, e de todo o gênero das raias-manta ((Manta spp.), o que deu um fôlego parcial a essas espécies.


Nesta reunião que está começando aqui na África do Sul, estão propostas restrições para o comércio dos muito ameaçados tubarões-raposa (Alopiasspp.), do tubarão-sedoso ou (Carcharinusfalciformis) e das raias-móbula (Mobulaspp.), parentes próximas das mantas. 



O Brasil apoia todas essas propostas, e mais outras iniciativas pró-conservação como a restrição de comércio para todo o gênero Dalbergia, dos jacarandás, e a manutenção da proteção da CITES às grandes baleias, que os países pró-caça incansavelmente tentam derrubar tanto aqui como na CIB. Estas e outras propostas, bem como todos os documentos que serão discutidos e votados nesta reunião, relatórios e iniciativas para coibir o tráfico de flora e fauna ameaçadas, podem ser acessados gratuitamente através destes Apps para IOs e Android.


Os governos dos predadores marinhos, os traficantes de marfim, os falsos "povos tradicionais" abastados que lucram com a matança de fauna ameaçada, estarão como de hábito nesta Conferência das Partes Contratantes da CITES distribuindo seus dossiês, caretas, ameaças e promessas de benesses lícitas ou não. Direto desse campo de batalha enviaremos nossos boletins a ((o))eco, enquanto fazemos, eu e Paulo Guilherme "Pinguim", o incansável cabeça da campanha Divers for Sharks, nosso próprio lobby a favor da conservação.



Com um detalhe: este ano fomos convidados pelo Ministério das Relações Exteriores – cujo novo titular declarou a temática ambiental como uma de nossas novas prioridades diplomáticas - a integrar a delegação oficial do Brasil. Sinal dos novos tempos, esperamos, em que a sociedade civil ambientalista não é mais obrigada a ser muda e servil para ser admitida como protagonista das políticas públicas. Fiquem de olho em ((o))eco nas próximas duas semanas pros nossos despachos do front.

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