- sexta-feira, 05 agosto 2016 17:18
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O “complexo Tapajós” fez a então presidente Dilma Rousseff determinar por Medida Provisória a redução de sete unidades de conservação federais. Áreas protegidas só podem ser reduzidas por lei, e a manobra de Dilma foi contestada no STF pelo Ministério Público. O complexo de barragens tem o potencial de ampliar em 25% o desmatamento na bacia do Tapajós – o último grande afluente do Amazonas ainda sem hidrelétricas.
Mesmo assim, até 2014 o governo federal dava São Luiz do Tapajós (SLuT) como fava contada. Antes mesmo de o estudo de impacto ambiental ser iniciado e de saber se conseguiria a permissão ambiental, o governo já tinha o calendário de licenciamento pronto e marcava o leilão da usina para 2014 (adiado para 2015 e 2016).
A máquina de relações-públicas da usina já vinha rodando, com a contratação de uma agência especializada e a criação de um esquema de persuasão das comunidades locais, o chamado Diálogo Tapajós.
Nem mesmo a informação de que a hidrelétrica poderia perder um terço de sua capacidade já no meio do século devido aos efeitos do aquecimento global sobre a vazão do Tapajós fez o Planalto recuar: ao contrário, a decisão foi de atirar no mensageiro e tentar enterrar os estudos encomendados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos que vaticinavam o problema.
São Luiz se encaminhava para ter o mesmo destino de Belo Monte, das usinas do Madeira, de Teles Pires e de todas as demais obras malucas na Amazônia: era inviável ambientalmente e economicamente, mas seria feita de qualquer forma – só porque o governo assim queria.
Uma sucessão de acontecimentos a partir do final de 2014 virou do avesso o desfecho do drama tapajoara. Por ordem de importância, são eles: Sérgio Moro, a recessão, o impeachment de Dilma Rousseff e a adesão do Greenpeace ao movimento de resistência à usina iniciado na década passada pelos munduruku.
A Operação Lava-Jato foi provavelmente o fator desencadeador do freio ao projeto. Em novembro de 2014, o juiz Moro mandou prender executivos de cinco empreiteiras. Entre elas a Camargo Corrêa, que fez os estudos de potencial elétrico da bacia do Tapajós e era cotada para abocanhar São Luiz.
Não apenas o governo se viu sem interlocutor para tocar a obra, como assistiu ao aliado Dalton Avancini, presidente da Camargo, transformar-se em delator: para reduzir seu tempo de cana, o empreiteiro alcaguetou o esquema de propina no setor elétrico para o PMDB, partido que domina a eletrocracia brasileira. Ficava explícito que obras do tipo têm uma função muito menos nobre do que gerar energia.
Na mesma época, também começava a ficar claro o tamanho do tombo imposto à economia brasileira pelos quatro anos de governo Dilma. O país entrava em “recessão técnica”, que em 2015 viraria a maior recessão da história. O argumento central do governo para justificar grandes hidrelétricas na Amazônia – o país precisaria de energia para sustentar seu crescimento – caía por terra: começou a sobrar eletricidade no Brasil.
Numa conta feita pelo engenheiro Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace, a sobrecapacidade do sistema hoje está em torno de 3.000 megawatts. Ao mesmo tempo, projetos de energia eólica, bem mais rápidos de construir e simples de licenciar, têm capacidade hoje de entregar os mesmos 3.000 megawatts por ano.
Contando a sobra de energia, em dois anos consecutivos de contratação de eólicas seria possível cobrir 9.000 megawatts, mais do que a capacidade instalada de São Luiz. “E a energia estaria integralmente no sistema no final do quinto ano, ou seja, bem antes do que o projeto de São Luiz prometia”, acrescenta Baitelo.
O impeachment de Dilma Rousseff sedimentou esse contexto ao eliminar do tabuleiro o principal fator político de apoio às hidrelétricas na Amazônia. Ao perceber que seu destino estava selado no Congresso, Dilma jogou na mesa uma cartada surpreendente: autorizou a demarcação da terra munduruku, o impedimento constitucional mais óbvio ao projeto de SLuT.
Os munduruku estão no caminho de uma série de empreendimentos na bacia do Tapajós, e já haviam perdido a parada em pelo menos um caso – quando a usina de São Manoel, no rio Teles Pires (um dos formadores do Tapajós) passou por cima de uma cachoeira sagrada para aquele povo.
A terra Sawré Muybu vinha tendo sua demarcação empurrada com a barriga, justamente porque o artigo 231 da Constituição proíbe alagar terras indígenas. Se aquele território fosse reconhecido formalmente, a hidrelétrica viraria uma violação constitucional óbvia, que o Planalto precisaria rebolar para contornar.
Segundo explica Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental, é um caso diferente do de Belo Monte, onde terras indígenas seriam impactadas da maneira oposta – ficariam sem água, algo que a Constituição não impede.
Os munduruku, com apoio do Ministério Público do Pará, da Igreja e de ribeirinhos do Tapajós, vêm promovendo uma resistência organizada à usina pelo menos desde 2009. Naquele ano, mandaram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva com desenhos nada sutis do que pretendiam fazer com os brancos caso o governo levasse a ideia de SLuT adiante.
Mas Maurício Guetta, do Isa, alerta que a guerra ainda não está de todo ganha: a demarcação da Sawré Muybu está na fase de contestações – e não faltam contestadores. Além disso, nenhuma palavra foi dita até agora sobre as outras usinas do Complexo Tapajós, como Jatobá, Jamanxim, Jardim do Ouro e Cachoeira dos Patos, a serem implantadas em áreas preservadas e muito biodiversas, e Chacorão, que afetaria uma terra munduruku já demarcada, a Saí Cinza.
O prego no caixão foi batido, mas no Brasil nunca se deve subestimar a capacidade de retorno de alguns zumbis.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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