ALTO PARAÍSO DE GOIÁS - Caberá ao ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, decidir o futuro de uma das reservas naturais mais importantes para a biodiversidade do país. Uma proposta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) prevê a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás — dos atuais 65 mil hectares para 222 mil hectares. Ecologistas dizem que o projeto é essencial para proteger a biodiversidade do Cerrado, mas o plano enfrenta oposição de donos de terra, que temem desapropriações. No capítulo mais recente do impasse, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), apresentou, no último dia 29, uma contraproposta segundo à qual o parque passaria a 155 mil hectares, alegando que a expansão menor protegeria pequenos proprietários, evitando problemas legais. A ideia, por sua vez, é criticada por ambientalistas.
Segundo notas técnicas do ICMBio, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, a expansão, que vem sendo reivindicada ao menos desde 2001, vai proteger 17 espécies de flora e 32 espécies de fauna ameaçadas de extinção, como o lobo-guará, a onça-pintada e o pato-mergulhão — estima-se que só existam 200 indivíduos da espécie, todos no Brasil. Também seriam protegidas 466 nascentes na região, que é conhecida como “a caixa d'água do Planalto Central”, com influência em bacias hidrográficas como a Amazônica e a do São Francisco.
Para se tornar decreto, a ampliação precisa do aval do governo goiano antes que seja assinada pela Presidência da República. Em setembro, o gabinete de Perillo pediu mais 180 dias de prazo ao governo federal, argumentando que a regularização fundiária de 228 propriedades não tinha sido concluída.
— Essa nova proposta de ampliação vem depois de uma série de cortes em um projeto muito maior, que inclusive passou por consultas públicas. Sistematicamente, o governo de Goiás está cortando o projeto de ampliação. Precisamos ter um olhar de conversação da biodiversidade, e não no que está acontecendo neste minuto — aponta Mariana Napolitano, analista de conservação do WWF-Brasil, ressaltando que a ampliação para 155 mil hectares inclui ainda um mapa repleto de descontinuidades geográficas que inviabilizam a gestão.
O processo de regularização fundiária inclui as chamadas ações discriminatórias, em que terras do governo de Goiás, hoje ocupadas por posseiros, se tornam propriedades na Justiça. Dessa forma, as famílias poderão receber indenizações com a desapropriação. Em nota, o secretário estadual de Meio Ambiente, Vilmar Rocha, afirmou que o governo de Goiás tem “a claríssima posição a favor da ampliação”: “Não são esses seis meses que vão inviabilizar a ampliação do parque. O que pode inviabilizar são as ações judiciais que podem surgir se não for feito da forma correta”.
O projeto do ICMBio tem como base um decreto de 2001 que ampliou a área do parque para cerca de 235 mil hectares, a partir dos limites considerados como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco. Mas a expansão foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, que avaliou que o processo não envolveu consultas públicas, como determina a lei.
Desta vez, o projeto contou com consultas públicas, em 2015, e com uma série de reuniões entre os governos, a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG) e representantes da sociedade civil. No início de novembro, uma nova rodada de negociações chegou ao consenso pela ampliação que totalizaria a área do parque em 222 mil hectares — poucos dias depois, a contraproposta do governo de Goiás para 155 mil hectares foi recebida com surpresa pelas partes. Criado em 1961 com 625 mil hectares, o parque passou por sucessivas reduções.
Desmatamento significativamente menor
Em artigo publicado no periódico brasileiro “Natureza & Conservação”, em 2015, um grupo de pesquisadores das universidades de Brasília (UnB) e São Paulo (USP) mostrou que existem, no Cerrado, 285 áreas de proteção, cobrindo 9,6% do bioma. Unidades de Proteção Integral, porém, de acordo com a classificação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), representam apenas 3% do Cerrado.
Os parques nacionais, como o da Chapada dos Veadeiros, são uma das modalidades de proteção integral — que, segundo os pesquisadores, possibilitam um desmatamento significativamente menor do que as chamadas Unidades de Uso Sustentável.
Dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) mostram que, em 2009, dos seis biomas brasileiros, o Cerrado foi o que teve a maior taxa de desmatamento: 0,3%, maior que o da Amazônia, de 0,14%.
O bioma foi considerado pela Conservação Internacional um dos 35 “hotspots de biodiversidade” do mundo — o termo, consagrado pela revista científica “Nature” em 2000, indica áreas com biodiversidade rica e particular, ameaçadas. O Cerrado é conhecido pela heterogeneidade vegetal — e ambientes como a mata seca ou os campos rupestres podem ganhar novo fôlego com a ampliação. Pouso Alto, ponto mais alto da chapada e que abriga as nascentes do Rio Preto, o mais importante do parque, também deve ser incluído na expansão.
André de Almeida Cunha, professor do departamento de ecologia da UnB, precisou se debruçar sobre os habitats de médios e grandes mamíferos do parque em pesquisa de doutorado da aluna Isadora Lessa, sobre o impacto dos cachorros na dinâmica dos animais silvestres — o problema, aliás, é crescente. A partir desse diagnóstico, a ampliação se mostrou como fundamental para estes animais.
— Os parques não foram desenhados com área adequada mínima para essas espécies. O ciclo de vida destes mamíferos acontece nas formações florestais, e hoje a área é insuficiente — aponta Cunha.
Proprietários temem não receber indenização após desapropriação
Em meio à área da Chapada dos Veadeiros que poderá ser incluída no escopo do parque nacional há, além de terras de Goiás, propriedades particulares. Uma delas pertence à psicóloga e administradora Maysa Reis, de 58 anos, moradora de Goiânia que visita frequentemente a fazenda herdada do pai. Há pouco mais de uma semana, ela teve como certa, da administração estadual, a sua desapropriação.
No final de novembro, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou que os parques nacionais da Chapada dos Veadeiros, de Brasília e Pau Brasil vão abrir, ainda este ano, a concessão para serviços como lojas de souvenir es a operação de campings — hoje, a entrada no parque da Chapada dos Veadeiros é gratuita e atraiu, em 2015, cerca de 56 mil visitantes; este ano, já são mais de 59 mil. Para Maysa, a abertura à iniciativa privada é um sinal de que os governos não têm verbas nem para manter o parque em seu tamanho atual — muito menos com a eventual ampliação.
— O governo está juntando esmola com o chapéu alheio. Por que não deixar as terras nas mãos de quem sempre as preservou? Há outras opções que poderiam ser feitas, como a instalação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Mais ambientalista do que eu não existe — afirmou Maysa, lembrando que seu irmão, também desapropriado em outro processo de mudança dos limites do parque, não foi indenizado até hoje.
Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), que tem participado ativamente do processo de ampliação do parque, há 516 propriedades, do Estado e particulares, que serão impactadas pela expansão. RPPNs já existentes, áreas com atividades turísticas e agropecuárias consolidadas foram excluídas da área de ampliação, na medida do possível, segundo o ICMBio. Ainda segundo a Faeg, dos proprietários que teriam recebido o direito à indenização em outros episódios de alterações no parque, apenas 2% teriam recebido a restituição, até hoje.
Além da concessão de serviços nos parques, o MMA anunciou, no fim do mês passado, uma parceria com a Universidade Federal de Lavras (MG) que garantirá a criação de um módulo de monitoramento do Cerrado, com base nos dados coletados a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
* A repórter viajou a convite da WWF-Brasil
Confira na segunda-feira: "A ciência do Cerrado"
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