12/12/2016
Estudo detecta pela primeira vez impressão digital inequívoca de mudança climática na perda acelerada de glaciares de montanha; para cientistas, impacto do clima é “virtualmente certo”
DO OC
Uma nova metodologia sugere que o aquecimento global e suas causas humanas são realmente os grandes responsáveis pelo recuo de geleiras de montanha durante os séculos 20 e 21. Essas massas de gelo são fundamentais para o abastecimento de água em várias localidades, como a Bolívia, que vive sua pior seca em 25 anos e tem boa parte de seu fornecimento dependente dos Andes, e têm diminuído ao redor do planeta em regiões tão diversas quanto o Alasca e os trópicos africanos, a Patagônia e a Suíça.
O estudo é importante porque fornece pela primeira vez uma prova categórica daquela que é uma das consequências previstas mais imediatas de um planeta mais quente. Embora o elo entre a mudança climática causada por atividades humanas e o degelo esteja claro há anos, até agora os modelos computacionais usados para modelar o clima não conseguiam ligar o derretimento de geleiras individuais ao aquecimento global.
O relatório de avaliação do IPCC, painel do clima das Nações Unidas, por exemplo, afirmou em 2013 que era “provável” (conceito que representa cerca de 66% de possibilidade, no linguajar estatístico do IPCC) que os níveis de degelo monitorados no período tivessem sido de fato causados por mudanças climáticas.
O estudo da Universidade de Washington (EUA), publicado no periódico Nature Climate Change e apresentado hoje (12) durante evento da União Geofísica Americana (AGU), em São Francisco, eleva esse grau de confiança: o documento afirma que, para quase todas as geleiras contempladas, a influência de mudanças climáticas no derretimento é de mais de 90%, chegando, na maior parte dos casos estudados, a 99%. Isto equivale, na terminologia do IPCC, a dizer que é “virtualmente certo” que a causa do derretimento seja o clima alterado.
A análise do trio de cientistas foi realizada em 37 geleiras ao redor do mundo, com condições geográficas e ambientais diversas. Destas, 36 tinham 90% ou mais de probabilidade de terem tido seu degelo influenciado pela mudança climática. Em 21 delas, a chance era de 99%.
O grupo utilizou registros históricos e observação meteorológica das regiões para comparar variações naturais no tamanho das geleiras com mudanças observadas nos séculos 20 e 21 e calcular um coeficiente de variação desses dados. As alterações são então comparadas com um cenário sem mudanças no clima para calcular a probabilidade de relação de causa.
“Nossa pesquisa demonstra que a diminuição global de geleiras requer necessariamente uma mudança no clima de duração centenária e âmbito global”, afirmou ao OC o glaciologista Gerard Roe, pesquisador da Universidade de Washington e líder do estudo.
“É o estudo de atribuição mais abrangente até hoje sobre o recuo de geleiras. Esperamos que nosso trabalho possa facilitar conclusões mais assertivas sobre o tema para a próxima elaboração de relatórios do IPCC”, afirma.
Estudos de atribuição, como este, buscam estabelecer as causas mais prováveis para uma mudança ou evento, utilizando os níveis de confiança estabelecidos pelo IPCC. A técnica incorporada na publicação não exige o uso de modelos computacionais e pode ser aplicada em qualquer região que possua um registro de observações suficientemente extenso.
O glaciologista brasileiro Jefferson Simões, diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reforça a importância da conclusão dos cientistas: “Os comportamentos das geleiras é demonstrativo de tendências nas escalas temporais de décadas e a retração observada ao longo do século 20 é uma resposta às tendências climáticas do século passado, não uma recuperação dinâmica de quaisquer condições antecedentes”, explica.
“Materiais midiáticos e educacionais utilizam muito a figura das geleiras, e nosso trabalho ajuda a fundamentar essa conexão. As observações que nos ajudam a compreender mudanças climáticas causadas pelo homem estão além de questionamentos”, pontua Roe, sinalizando também para a utilização da nova metodologia e suas implicações na formulação e continuidade de políticas públicas.
“Qualquer político possui a responsabilidade moral de buscar compreender atentamente as informações de milhares de especialistas. Esse conhecimento não deve ser negado ou minimizado”, conclui.
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