Reúso da água é essencial para gestão dos recursos hídricos. Entrevista especial com José Galizia Tundisi
“Pode-se afirmar que 60% da água utilizada para abastecimento no Brasil é
perdida pela incapacidade de reutilização”, constata o pesquisador.
“A gestão das águas por bacias hidrográficas é atualmente o grande
desafio”, diz José Galizia Tundisi à IHU On-Line, ao comentar a atual
situação dos recursos hídricos no Brasil. Segundo ele, se fosse
realizada uma gestão “bem executada”, seria possível “assegurar um
controle mais efetivo às reservas de água e maior eficiência no uso”.
Outro fator que contribui para a má gestão dos recursos hídricos no
país, frisa, é o não tratamento de esgoto. A ineficiência desse serviço,
explica, faz com que a perda de água chegue a “quantidades abundantes
pela incapacidade de reúso”, chegando a um total de 60%.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Tundisi
pontua ainda que o “reúso de água implica técnicas avançadas para
melhorar a qualidade das águas já tratadas. Por exemplo, pode-se
melhorar muito a qualidade da água ao utilizar membranas especiais para
filtrar água do esgoto já tratada”.
José Galizia Tundisi é graduado em História Natural, mestre em
Oceanografia pela University of Southampton e doutor em Ciências
Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é
professor titular aposentado da USP e professor titular do curso de
Qualidade Ambiental da Feevale, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em artigo recente o senhor afirma que o ciclo hidrológico
foi alterado para um ciclo hidrossocial. Em que consiste essa mudança e o
que entende por hidrossocial?
José Galizia Tundisi – Ciclo hidrossocial refere-se a todas as
atividades humanas relacionadas com o ciclo da água. Podemos dizer que o
ciclo hidrossocial é a expressão da atividade humana no ciclo
hidrológico.
IHU On-Line – De que modo o crescimento populacional, a urbanização e o
aumento na produção de alimentos têm impactado nos recursos hídricos?
José Galizia Tundisi – Crescimento populacional, produção de alimentos e
urbanização impactam o ciclo da água pelo uso excessivo da água
superficial e água subterrânea e pela degradação produzida por resíduos.
Como a quantidade de água é sempre a mesma, o uso excessivo de água
leva à depleção. Além disso, a poluição e a degradação pelo uso do solo,
e esgotos não tratados impedem o uso de águas superficiais e
subterrâneas.
IHU On-Line – Como deveria se pensar a gestão da água na atual
configuração social em que vivemos, com aumento populacional e maior
produção de alimentos?
José Galizia Tundisi – A gestão da água deve ser feita por bacias
hidrográficas. Os usos da água na área urbana devem ser estritamente
controlados. A utilização da água na produção dos alimentos deve ter
tecnologias mais avançadas. Se a gestão for bem executada em nível de
bacias hidrográficas, pode-se assegurar um controle mais efetivo às
reservas de águas e maior eficiência no uso.
“Há riscos de esgotamento de recursos hídricos por bacias hidrográficas e uso excessivo do recurso”
IHU On-Line – Quais são os riscos em torno da segurança hídrica nos nossos dias?
José Galizia Tundisi – Os riscos principais referentes à segurança
hídrica são: mudanças globais e falta de água; contaminação e poluição
que impedem abastecimento efetivo; incapacidade de ministrar água
suficiente de boa qualidade para a população humana e para manter o
funcionamento dos ecossistemas.
IHU On-Line – Há riscos de esgotamento dos recursos hídricos dado o aumento do uso desses recursos nas últimas décadas?
José Galizia Tundisi – Sim. Há riscos de esgotamento de recursos
hídricos por bacias hidrográficas e uso excessivo do recurso. Como a
reciclagem é ainda pouco utilizada, há riscos de se esgotarem as
reservas devido ao desequilíbrio: precipitação — uso excessivo.
IHU On-Line – O que é o fenômeno de eutrofização e de que modo ele impacta o tratamento da água?
José Galizia Tundisi – A eutrofização é um fenômeno resultante da
intensa carga de nitrogênio e fósforo para lagos, represas e rios. É
resultado de atividades humanas como a agricultura, urbanização e
despejos de esgotos não tratados nos corpos de água. Quanto maiores os
graus de eutrofização, maior é o custo do tratamento de água para
torná-la potável.
IHU On-Line – Quando se trata de sugerir o reúso de água tratada, que
práticas já têm sido implementadas nesse sentido e de que maneira é
possível avançar para ampliar o reúso?
José Galizia Tundisi – O reúso de água implica técnicas avançadas para
melhorar a qualidade das águas já tratadas. Por exemplo, pode-se
melhorar muito a qualidade da água ao utilizar membranas especiais para
filtrar água do esgoto já tratada. Este tipo de tratamento já vem sendo
realizado por pesquisadores da Universidade FEEVALE com coordenação do
professor Marco Antonio Siqueira Rodrigues.
Um novo Centro de Pesquisa em Tecnologias Limpas foi criado só para tratar deste problema do uso de membranas para reúso de água. Isto permitirá ampliar o reúso. O Centro Internacional de Referência em Reúso de Água da Escola Politécnica da USP, em São Paulo, vai na mesma linha.
Um novo Centro de Pesquisa em Tecnologias Limpas foi criado só para tratar deste problema do uso de membranas para reúso de água. Isto permitirá ampliar o reúso. O Centro Internacional de Referência em Reúso de Água da Escola Politécnica da USP, em São Paulo, vai na mesma linha.
“Para uma gestão integrada, preditiva e de alto nível é necessário
utilizar tecnologias avançadas, participação comunitária e integração de
processos econômicos, ecológicos e sociais”
IHU On-Line – O não tratamento do esgoto provoca a perda de recursos
hídricos. Considerando que no país somente 40% do esgoto é tratado, é
possível estimar quanto se perde em termos de recursos hídricos por
conta desse percentual de tratamento?
José Galizia Tundisi – O não tratamento de esgoto perde quantidades
abundantes de água pela impossibilidade de reúso. Portanto, perdem-se
recursos hídricos pela incapacidade de reúso. Pode-se afirmar que 60% da
água utilizada para abastecimento no Brasil é perdida pela incapacidade
de reutilização.
IHU On-Line – Há risco de crise de abastecimento hoje no Brasil?
José Galizia Tundisi – Há problemas localizados de abastecimento no
Brasil que podem se agravar em função do ciclo hidrológico comprometido e
pelo uso excessivo de água. Problemas de impactos de mudanças
climáticas podem ocorrer dependendo da região, latitude e longitude.
Crise de abastecimento pode ocorrer em grandes regiões metropolitanas
que usam muita água sem gestão adequada.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
José Galizia Tundisi – A gestão das águas por bacias hidrográficas é
atualmente o grande desafio. Para uma gestão integrada, preditiva e de
alto nível é necessário utilizar tecnologias avançadas, participação
comunitária e integração de processos econômicos, ecológicos e sociais.
Fonte: EcoDebate
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