quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
Manutenção das três principais bacias hidrográficas do país depende da
preservação do Cerrado. Entrevista especial com Fernando Tatagiba
Depois de quatro anos de negociação e da realização de estudos
fundiários, socioeconômicos e ambientais envolvendo o governo estadual
de Goiás e o Ministério do Meio Ambiente – MMA, a comunidade que reside
nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás,
está na expectativa de que a área do parque seja ampliada de 65 mil
hectares para 222 mil, no próximo mês.
Segundo o chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando
Tatagiba, “a área atual do Parque, do ponto de vista da conservação, é
considerada pequena, porque é insuficiente para garantir a sobrevivência
de animais grandes”, como “a onça-pintada, a suçuarana, o lobo-guará,
que estão na lista de animais ameaçados de extinção”. Na avaliação dele,
a possibilidade de ampliar a área do parque para 222 mil hectares não
só garantiria a conservação dos animais que precisam de mais espaço, mas
permitiria “conservar também ecossistemas muito ameaçados e que não
estão protegidos pelos limites atuais do parque nacional”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Tatagiba
explica que a conservação do parque nacional e do Cerrado como um todo é
fundamental “porque o Cerrado abriga as três principais bacias
hidrográficas do país: a do Rio da Prata, a do Rio São Francisco e boa
parte da Bacia Amazônica, dado que Tapajós e Tocantins nascem no bioma
Cerrado. As nascentes mais altas do Rio Tocantins estão na Chapada dos
Veadeiros, e o Cerrado é conhecido como berço das águas. Então, ao
conservar os ecossistemas do Cerrado, estamos conservando recursos
hídricos, que são fundamentais para a manutenção da vida como um todo”.
O biólogo frisa ainda que é possível “adequar a produção agropecuária à
conservação da biodiversidade”, estabelecendo “reservas legais de modo a
formar corredores ecológicos para que seja possível ligar a
biodiversidade dos imóveis privados com a biodiversidade do parque
nacional”.
Fernando Tatagiba é graduado em Biologia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Ciências Biológicas pelo Museu Nacional
da UFRJ. Atuou como analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente –
MMA e atualmente é chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os impasses envolvidos na ampliação do Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros – PNCV? Quais as propostas do
Ministério do Meio Ambiente – MMA, do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio e, de outro lado, as propostas do
governo de Goiás em relação ao Parque?
Fernando Tatagiba – O processo de ampliação do parque nacional começou
há quatro anos. Nesse período, realizou-se uma série de estudos
fundiários, socioeconômicos e de relevância ambiental da área a ser
ampliada. Ao longo do processo, em setembro de 2015, foram realizadas
três reuniões de consultas públicas, nas quais foi apresentada à
comunidade do entorno uma proposta em termos de qual seria o limite do
parque.
Depois das consultas públicas, foram feitas diversas reuniões entre membros do governo federal, proprietários de terras e o governo de Goiás, para dirimir e tentar superar alguns conflitos de interesses. Nesse processo, a proposta de ampliação da área foi sendo lapidada e foram retirados atrativos turísticos privados, foram retiradas fazendas com produção agropecuária, bem como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs e imóveis que já tinham iniciado o processo de reconhecimento da RPPN.
Depois das consultas públicas, foram feitas diversas reuniões entre membros do governo federal, proprietários de terras e o governo de Goiás, para dirimir e tentar superar alguns conflitos de interesses. Nesse processo, a proposta de ampliação da área foi sendo lapidada e foram retirados atrativos turísticos privados, foram retiradas fazendas com produção agropecuária, bem como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs e imóveis que já tinham iniciado o processo de reconhecimento da RPPN.
A área inicial proposta para a ampliação do parque era próxima de 250
mil hectares, mas, devido às negociações multilaterais, o MMA e o ICMBio
chegaram a uma proposta de 222 mil hectares. Desse total, o governo do
Estado de Goiás pediu que fossem retirados os imóveis que não têm título
da terra, para que fosse feito o processo de regularização fundiária
das terras e, assim, elas fossem incorporadas ao parque depois. A
negociação está nesse ponto, e essa é uma fase natural de um processo de
criação ou ampliação de uma área de unidade de conservação que tem como
base o diálogo e a negociação. Hoje os gabinetes do MMA e o do governo
de Goiás estão negociando o que será uma área ideal para ampliação do
parque nacional.
Uma forma de garantir a proteção da Chapada dos Veadeiros é através da ampliação do Parque Nacional
IHU On-Line – Quais são os argumentos e interesses daqueles que defendem
a ampliação do Parque e dos que são contrários a ela? O que seria uma
área ideal para o Parque neste momento?
Fernando Tatagiba – É difícil dizer o que seria uma área ideal para uma
unidade de conservação integral, como é o parque nacional. O ideal é
sempre frente ao possível. Entretanto, é importante dizer que estamos
falando da conservação da biodiversidade.
Hoje, na Chapada dos Veadeiros e no Cerrado como um todo, habitam espécies que, para sobreviverem, requerem grandes extensões de terra, como, por exemplo, a onça-pintada, a suçuarana, o lobo-guará, que estão na lista de animais ameaçados de extinção. A área atual do parque, 65 mil hectares, do ponto de vista da conservação é considerada pequena, porque é insuficiente para garantir a sobrevivência de animais grandes.
Passar de 65 mil para algo em torno de 220 mil hectares seria mais adequado para a conservação dessas espécies, como também seria possível conservar ecossistemas muito ameaçados e que não estão protegidos pelos limites atuais do parque nacional.
Hoje, na Chapada dos Veadeiros e no Cerrado como um todo, habitam espécies que, para sobreviverem, requerem grandes extensões de terra, como, por exemplo, a onça-pintada, a suçuarana, o lobo-guará, que estão na lista de animais ameaçados de extinção. A área atual do parque, 65 mil hectares, do ponto de vista da conservação é considerada pequena, porque é insuficiente para garantir a sobrevivência de animais grandes.
Passar de 65 mil para algo em torno de 220 mil hectares seria mais adequado para a conservação dessas espécies, como também seria possível conservar ecossistemas muito ameaçados e que não estão protegidos pelos limites atuais do parque nacional.
A forma como a Reserva Legal de uma determinada área é estabelecida num
espaço possibilita criar corredores de biodiversidade entre o Parque
Nacional e o espaço externo
IHU On-Line – Então há risco de perda de biodiversidade e de espécies da
fauna, caso a área do parque nacional não seja ampliada?
Fernando Tatagiba – Há risco, sim, porque as áreas que não estão
protegidas na forma de parque nacional ou de outro tipo de unidade de
conservação de proteção integral estão sujeitas à supressão de
vegetação, ou seja, ao desmatamento. É justamente isso que observamos no
Cerrado como um todo e em algumas áreas da Chapada dos Veadeiros, que
cobre uma área muito maior do que a do parque nacional. No limite sul da
Chapada dos Veadeiros, já se percebem os efeitos da expansão da
agropecuária. Então, existem áreas que estão sendo convertidas para a
produção de grão ou gado. Uma forma de garantir a proteção da Chapada
dos Veadeiros é através da ampliação do parque nacional.
IHU On-Line – Quais são as principais ameaças ao Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros hoje? A produção de soja em larga escala se tornou
um problema ambiental para a região?
Fernando Tatagiba – De certa forma sim, mas há mecanismos que
possibilitam adequar a produção agropecuária à conservação da
biodiversidade. O Código Florestal estabelece mecanismos de conservação
de vegetação de beira de rio, a manutenção de um percentual da terra de
uma fazenda para a conservação, na forma de Reserva Legal. A forma como a
Reserva Legal de uma determinada área é estabelecida num espaço
possibilita criar corredores de biodiversidade entre o Parque Nacional e
o espaço externo. Quando falamos de ameaças estamos falando das ameaças
ao ecossistema e à sua biodiversidade, ou seja, das espécies que
transitam entre o Parque Nacional e o seu entorno.
Então, o que acontece
fora do Parque pode ameaçar a integridade das comunidades protegidas
pela Unidade de Conservação. A supressão de ecossistemas naturais fora
do Parque também impacta o próprio Parque Nacional, porque está
impactando negativamente os animais e plantas que vivem ali.
IHU On-Line – Há quanto tempo têm se intensificado os monocultivos nas
proximidades do Parque Nacional? Já há propostas de fazer um manejo que
concilie a preservação do Parque com a agricultura?
Fernando Tatagiba – Há. Uma das propostas tem relação com a implantação
do Plano de Manejo da APA de Pouso Alto, porque a Área de Preservação de
Pouso Alto é uma unidade de conservação estadual que circunda o Parque
Nacional como um todo. Esse Plano de Manejo estabelece condições mais
restritivas para a implementação da agricultura. Então, os proprietários
não devem desmatar as áreas que estiverem mais perto do Parque Nacional
ou de determinadas áreas mais sensíveis do ponto de vista ecológico.
Outra medida é um projeto que está sendo financiado pelo MMA em parceria
com o Fundo Brasileiro de Conservação da Biodiversidade, para auxiliar
os proprietários rurais do entorno do Parque a fazerem o Cadastro
Ambiental Rural – CAR. O que se propõe então é que se estabeleçam as
Reservas Legais de modo a formar corredores ecológicos para que seja
possível ligar a biodiversidade dos imóveis privados com a
biodiversidade do Parque Nacional.
IHU On-Line – Como a discussão sobre a ampliação do Parque está repercutindo entre a comunidade local?
Fernando Tatagiba – De maneira geral, a percepção da comunidade com
relação à ampliação do parque é bastante positiva. Claro que há setores,
empresas e pessoas que veem isso de forma negativa, especialmente
aqueles que terão seus imóveis afetados por conta da ampliação. Com
relação a esses, é fundamental esclarecer que nenhuma área produtiva
será afetada. Então, aqueles que têm imóveis podem ficar tranquilos,
porque as áreas produtivas das fazendas estão sendo excluídas da
ampliação do parque.
A maior parte da comunidade do entorno vê a ampliação de forma
produtiva, porque o parque é bastante importante para a economia da
região. Existe uma pesquisa de mestrado, que será defendida no início
deste ano, que estima em R$ 70 milhões as receitas advindas da visita ao
parque nacional, considerando os dados de 2015. Hoje, o município de
Alto Paraíso de Goiás é o principal beneficiário econômico da visitação
do parque, mas atualmente já trabalhamos para a abertura de um portão do
parque no município de Cavalcante, porque 65% da área do parque está
nesse município, que ainda não é beneficiado com a visitação.
Com a
ampliação da área, o parque passará a abranger mais dois municípios,
Nova Roma e Teresina de Goiás. Com isso esperamos que, a partir da
ampliação do turismo nesses municípios, o parque passe a ganhar mais
visibilidade e impulso em termos de economia. Estamos trabalhando para
que o parque nacional seja um indutor econômico em toda a região.
É fundamental esclarecer que nenhuma área produtiva será afetada pela ampliação do Parque
IHU On-Line – Há uma estimativa de quando será concluído o processo de negociação da ampliação do Parque Nacional?
Fernando Tatagiba – Hoje a negociação está na esfera do gabinete do
ministro do MMA e do governador de Goiás. Em setembro de 2016, teria
sido decretada a ampliação do parque, mas o governador, atendendo a um
pedido do setor agrícola e agropecuário do estado, solicitou ao ministro
do MMA um prazo de seis meses para aprofundar algumas análises
fundiárias para ter mais segurança em relação à ampliação. Esse prazo
termina em fevereiro, e a nossa expectativa, que trabalhamos na gestão
do parque nacional, e da comunidade, que vê na ampliação uma
oportunidade de desenvolvimento da região, é que a qualquer momento, a
partir de fevereiro, seja decretada a ampliação do parque.
Conservar o Cerrado e o Parque Nacional e trabalhar para a ampliação do
Parque significa garantir as condições de vida e bem-estar para o
próprio ser humano
IHU On-Line – Qual a importância do Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros em termos de ecossistema e da preservação do Cerrado,
especialmente para evitar a crise hídrica?
Fernando Tatagiba – Vemos como fundamental a conservação do Cerrado e do
Parque Nacional, especialmente porque o Cerrado abriga as três
principais bacias hidrográficas do país: a do Rio da Prata, a do Rio São
Francisco e boa parte da Bacia Amazônica, dado que Tapajós e Tocantins
nascem no bioma Cerrado.
As nascentes mais altas do Rio Tocantins estão
na Chapada dos Veadeiros, e o Cerrado é conhecido como berço das águas.
Então, ao conservar os ecossistemas do Cerrado, estamos conservando
recursos hídricos, que são fundamentais para a manutenção da vida como
um todo. Conservar o Cerrado e o parque nacional e trabalhar para a
ampliação do parque significa garantir as condições de vida e bem-estar
para o próprio ser humano.
Fonte: EcoDebate
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