- quinta-feira, 19 janeiro 2017 17:41
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O cenário é desolador. Em lugar de esperados santuários ecológicos (áreas de preservação permanente nas margens de rios e topos de morro, entorno de parques, florestas em reserva legal registradas no CAR), o que se vê é um imenso oceano de soja e mais soja. Seja no trajeto de estradas principais ou secundárias, ou ainda em vicinais não pavimentadas, praticamente não se vê uma só árvore.
O resquício de nossa biodiversidade se deve em grande parte à aplicação da Lei 9.985/2000: nos Parques Nacionais da Ilha Grande ou do Iguaçu é possível vislumbrar significativos remanescentes da Mata Atlântica.
Mas atente-se: apenas dentro desse perímetro, nos estritos limites das propriedades públicas. E, mesmo assim, ainda nos deparamos com cenários chocantes. Criado em 1997, o Parque Nacional da Ilha Grande, por exemplo, é uma unidade de conservação que não tem as características jurídicas de um parque: o acesso do público para recreação em contato com a natureza ou turismo ecológico (art. 11, caput, Lei 9.985/00) está vedado – aliás, sequer é previsto no plano de manejo. Ademais, contando até com uma empresa de mineração no seu interior (decerto em razão de alguma liminar judicial lamentável), sequer cumpre os requisitos legais que o caracterizariam como unidade de proteção integral.
Já o Parque Nacional do Iguaçu, a unidade de conservação mais popular do Brasil, na prática não conta com zona de amortecimento. Em Céu Azul, plantações de soja ocupam por mais de 30 km toda a faixa de domínio da Rodovia BR 277, entre o acostamento e a divisa do parque. Para todos os efeitos, acessível ao público é tão somente a trilha em calçada de cimento para acesso às deslumbrantes cataratas, uma atividade lúdica de caráter exclusivamente recreativo que inclui a reprovável prática dos turistas de alimentarem gordos quatis com salgadinhos e balas.
O Código Florestal, que oferece os parâmetros do exercício responsável da atividade econômica agropecuária e fixa os elementos balizadores da função social da propriedade rural em sua perspectiva ambiental, parece não ter vigência no Estado do Paraná. Os horizontes de toda a região oeste e norte do Paraná, incluindo Arapongas, Cascavel, Céu Azul, Guaíra, Ibiporã, Icaraíma, Londrina, Maringá, Medianeira, Mercedes, Porto Camargo, Toledo e Umuarama, são dominados pela monocultura da soja.
Em meio à viagem rodoviária, somos surpreendidos pelo sobrevôo de aviões amarelos aspergindo agrotóxicos nas plantações. Não há árvores. Não se consegue visualizar qualquer reserva legal florestada ou mata ciliar que possam servir de corredor ecológico. Uma exceção seriam fragmentos localizados no município de Santa Helena.
Buscando justificar os dados constantes na citada matéria d’O Eco, pondere-se que eles se referem a um período de trinta anos e que lidam com números absolutos. É bastante plausível a hipótese de que, em 1985, a degeneração da Mata Atlântica no Paraná alcançasse grau tão elevado que qualquer iniciativa tendente a inverter tal processo ao longo de 30 anos resultaria em grande salto positivo. Afinal, se um determinado território conta com 10% de áreas preservadas, elevá-las para 12% significa regenerá-las em apenas 20%; contudo, se ele contar com somente 1% de Mata Atlântica, elevá-la para 2% significará uma regeneração de 100%.
Uma segunda hipótese é de que os dados teriam sofrido uma grande defasagem no período de 2015 até este início de 2017. Isto não é implausível, já que o descaso estatal para com a biodiversidade é cada vez mais evidente. Vivemos uma época em que a prepotência de parlamentares chega a ponto de se pretender censurar enredo de escola de samba carioca que trata de populações indígenas e uso de agrotóxico. Os últimos tempos têm sido decisivos para aqueles que vociferam contra o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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